Internacional
Declaração de Trump sobre ‘arma nuclear’ secreta dos EUA seria fake
Arma secreta de Trump pode ser novidade, já conhecida ou apenas uma bravata
Eclipsada pela gravidade das revelações acerca de quanto Donald Trump sabia sobre o perigo do novo coronavírus, uma informação colhida pelo jornalista Bob Woodward causa furor em meios de discussão militar: afinal, qual é a arma secreta cuja existência foi vazada pelo presidente?
Segundo o que foi revelado inicialmente pelo Washington Post, jornal do qual Woodward é editor-associado, Trump lhe disse:
“Eu construí uma nuclear… um sistema de armas que ninguém nunca teve neste país. Nós temos coisas das quais você nunca viu ou ouviu falar. Temos coisas das quais [o presidente russo Vladimir] Putin e [o líder chinês] Xi [Jinping] não ouviram falar antes. Não há ninguém… o que nós temos é incrível.”
Os problemas começam com a imprecisão. Trump parece se corrigir, ia falar “arma nuclear” e mudou para “sistema de armas”. A data exata da fala também não foi revelada, mas ocorreu em uma das entrevistas, entre 5 de dezembro de 2019 e 22 de junho de 2020.
Isso faz diferença. No começo de dezembro de 2019, a Marinha americana estava prestes a colocar em operação a W76-2, uma ogiva nuclear de baixa potência que havia sido prevista na polêmica nova doutrina nuclear de Trump, de 2018.
O texto aumentava o leque de possibilidades do uso de armas atômicas, especulando seu uso tático –quando direcionado para alvos militares, por exemplo.
A W76-2 começou a ser produzida secretamente em 2019. Ela é uma versão da W76, que equipa os mísseis lançados por submarinos Trident D5 americanos e tem potência 100 kilotons, ou seja, seis vezes a da bomba de Hiroshima. A irmã mais fraca tem, equivale a aproximadamente um terço da primeira explosão atômica em guerra, em 1945.
Isso, segundo a doutrina, facilitaria seu emprego. Analistas como Hans Kristensen, da prestigiosa Federação dos Cientistas Americanos, consideram o perigo de uma escalada muito maior que os eventuais benefícios de seu uso.
A Rússia, por sua vez, entendeu bem o recado e republicou sua própria doutrina neste ano, ressaltando que considera qualquer lançamento de míssil de submarino um ataque nuclear potencial, independente de a ogiva ser convencional ou não -logo, responderia com fogo atômico.
Outra candidata a arma secreta é a ogiva W93, que foi apresentada em janeiro deste ano, sem detalhes, como uma arma de desenho novo. E especialistas nucleares afirmam que ela não traria nenhuma novidade tão incrível, para ficar nas palavras de Trump, do ponto de vista de seu emprego tático.
Para Ivan Barabanov, analista moscovita, disse por e-mail que Trump talvez não estivesse falando de uma bomba atômica, e sim do programa de mísseis hipersônicos dos EUA.
A questão é que aí não haveria o segredo que ele promete em meio à bravata. No fim de dezembro passado, o presidente russo, Vladimir Putin, colocou em operação o primeiro regimento do sistema hipersônico Avangard.
É sabido que a China também seu programa hipersônico, em estágio mais avançado do que o dos EUA.
Os russos estão na frente porque o temor provocado nos anos 2000 pela possibilidade de um escudo antimísseis na Europa que tornasse seu arsenal de ICBMs (os gigantes balísticos intercontinentais) vulneráveis fez Putin acelerar o desenvolvimento.
O resultado foi o famoso discurso sobre as “armas invencíveis”, muito ridicularizado no Ocidente em 2018, mas que aos poucos vai se materializando, embora com fracassos como os testes do míssil de cruzeiro de propulsão nuclear Burevestnik.
Seja como for, mesmo em maio deste ano, Trump havia falado a repórteres na Casa Branca que os EUA trabalhavam num míssil que chegava a 17 vezes a velocidade do som. Naquele mesmo mês, um protótipo foi testado.
Logo, segredo zero aí, até porque o programa já havia sido especulado diversas vezes. No rol de outros sistemas de armas que estão em desenvolvimento, há o bombardeiro furtivo B-21 Raider e a nova geração de ICBMs, que substituirão os atuais Minuteman-3. Mas ambos os projetos são públicos, apesar de secretos nos detalhes.
Woodward, segundo o Washington Post, disse que confirmou com fontes militares que havia um novo sistema de armas sendo desenvolvido e que eles ficaram surpresos em ouvir que o chefe havia comentado isso com um civil. A palavra nuclear, aqui, sumiu.
Trump tem sido agressivo no setor atômico. Além da nova doutrina, deixou 2 dos 3 principais acordos de controle de armas com a Rússia e está prestes a ver o terceiro definhar.
Por fim, há as duas hipóteses levantadas no Twitter por Andrew Facini, da Universidade Harvard, no Twitter. Ou Trump fez uma bravata sobre algo que não era tão importante ou desconhecido, ou revelou o que não devia sobre uma arma realmente nova e secreta.
Dado o histórico do presidente americano, a primeira opção desponta como favorita, mas sempre é bom manter espaço para surpresas.