Internacional
Por que a Ucrânia reconheceu oficialmente que comunismo e nazismo são horrores equivalentes
E por que o resto do mundo ainda insiste em negar esta realidade comprovada por fatos históricos clamorosos?
Comunismo e nazismo foram oficialmente declarados pela Ucrânia como regimes de horror equiparáveis. Em 2015, o legislativo do país aprovou uma lei que reconhecia os dois regimes como igualmente abomináveis e, em 2019, essa lei foi confirmada pelo judiciário ucraniano, que declarou a respeito:
“O regime comunista, assim como o regime nazista, infligiu danos irreparáveis aos direitos humanos porque, durante a sua existência, manteve total controle da sociedade, promoveu perseguições e repressões politicamente motivadas, violou as suas obrigações internacionais e as suas próprias constituições e leis”.
Com base nessa decisão, começaram a ser removidos monumentos comunistas soviéticos ainda resistentes na Ucrânia, além de ser proibido o uso de símbolos nazistas e comunistas.
Por que o mundo ainda nega a equivalência dos dois horrores?
A coragem ucraniana de afirmar o caráter igualmente nefasto dessas duas excrescências ideológicas, no entanto, é uma gritante exceção entre as nações. Em muitas partes do mundo, persiste uma chamativa recusa em reconhecer que, pela própria natureza, o comunismo se caracteriza pelo totalitarismo e pela brutal repressão da liberdade do indivíduo.
Em pleno 2022, por exemplo, diante da iminência do conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia, vários veículos da assim chamada “grande mídia ocidental” se empenharam em publicar matérias que tentavam vender a ideia de que os dois regimes que romperam recordes horrendos em extermínio de seres humanos não poderiam ser comparados, amparando-se em teses altamente questionáveis como a da motivação para matar: o nazismo, segundo essas teses, seria pior porque matava com base em etnias, enquanto o comunismo seria menos ruim porque matava “apenas” com base em discordância ideológica. É um repugnante exemplo da mentalidade maquiavélica de que os piores meios podem ser “menos graves” com base no fim, como se exterminar populações sistematicamente fosse menos execrável a depender da alegação dos assassinos para fazê-lo.
Essa “dissonância cognitiva” que tenta fazer parecer que os crimes do comunismo não foram tão hediondos quanto os do nazismo se tornou insuportável para os ucranianos, que sofreram ambos com intensidade ímpar.
Para o resto do mundo, porém, ainda falta mais objetividade e menos viés ideológico na hora de analisar os dois máximos horrores do século XX.
Fatos históricos e números clamorosos
Por um lado, há um vasto reconhecimento de que uma das máximas abominações da história da humanidade foram os campos nazistas de extermínio, que sistematicamente assassinaram milhões de judeus, poloneses, prisioneiros soviéticos de guerra, ciganos, homossexuais, sacerdotes e freiras. Santos e beatos da Igreja foram martirizados em campos de horrores como Auschwitz e Dachau, sendo os mais conhecidos São Maximiliano Kolbe, Santa Teresa Benedita da Cruz e o beato Karl Leisner.
No entanto, as abominações associadas a Adolf Hitler são apenas uma parte do registro histórico dos horrores do século XX.
Segundo os dados levantados pelos autores do best-seller internacional “O Livro Negro do Comunismo”, este regime chega a superar vastamente o nazismo na quantidade de pessoas assassinadas em direta decorrência da sua ideologia totalitária e extremamente violenta:
- 65 milhões de mortos na China
- 20 milhões na União Soviética
- 1 milhão no Vietnã
- 2 milhões na Coreia do Norte
- 2 milhões no Camboja
- 1 milhão nos países comunistas do Leste Europeu
- 1,7 milhão na África
- 1,5 milhão no Afeganistão
Além disso, com base nas estatísticas do mesmo estudo, 150 mil na América Latina e outros 10 mil mundo afora também foram mortos em decorrência de ações do movimento internacional comunista e de partidos comunistas fora do poder.
“O Livro Negro do Comunismo: Crimes, Terror, Repressão” é uma obra coletiva de professores e pesquisadores universitários europeus encabeçados pelo francês Stéphane Courtois. Como o livro é de 1997, ele obviamente não computa as mortes cometidas de lá para cá nas regiões que continuaram sujeitas a esse regime e aos seus métodos essencialmente opressivos, como a China e a Coreia do Norte; nem, é claro, nas regiões que retrocederam na sua trajetória democrática para reeditar essa aberração histórica – como a Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
Marc Thiessan, no Washington Post, anotou em resumo:
“Ao todo, regimes comunistas mataram cerca de 100 milhões de pessoas — cerca de quatro vezes mais que o número de mortos pelos nazistas — tornando o comunismo a ideologia mais assassina da história humana”.
Por que o horror comunista não é tão execrado quanto o nazismo?
Em artigo publicado no dia 27 de julho de 2019 no site da Fundação para a Educação Econômica (Foundation for Economic Education), o autor Jon Miltimore observa que os horrores da Alemanha nazista e os horrores do comunismo do século XX ainda são vistos de maneiras diferentes, causando grande frustração em quem vê a dissonância cognitiva no tratamento dado à foice e ao martelo em comparação com o tratamento recebido pela suástica.
Numa época em que as farsas de viés socialista voltam a se apresentar ao mundo como “libertadoras do povo”, a verdade sobre o comunismo costuma ser “evitada” nas TVs e nos “grandes” jornais e revistas a serviço desse mesmo projeto de poder – que não é exatamente um poder “do proletariado”, como prega, descaradamente, a sua propaganda (a este propósito, nunca é demais recordar o magistral resumo feito por George Orwell sobre a “igualdade” realizada pelo comunismo: “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”).
Holodomor, o holocausto ucraniano
Falar de comunismo e nazismo na Ucrânia é falar, ineludivelmente, do holocausto local.
Anne Applebaum, vencedora do Prêmio Pulitzer, publicou em 2017 o livro “Red Famine: Stalin’s War on Ukraine” (Fome Vermelha: A Guerra de Stalin contra a Ucrânia, ainda sem edição no Brasil). Ao contar como quase 4 milhões de ucranianos foram assassinados pela fome propositalmente provocada na União Soviética entre 1931 e 1934, ela enumera meios que levaram a esse resultado espantoso:
“A decisão desastrosa da União Soviética de forçar os camponeses a abandonarem suas terras e se unirem a fazendas coletivas; o despejo de ‘kulaks’, os camponeses mais ricos, de suas casas; o caos que se seguiu… Tudo foi responsabilidade de Joseph Stalin, o secretário-geral do Partido Comunista Soviético”.
Se milhões de pessoas morrerem de fome já é pavoroso, ainda mais aterrorizante é saber que essa tragédia derivou de uma política sem nada de acidental.
Até o verão de 1932, prossegue Anne Applebaum, a fome em massa era evitável: os soviéticos poderiam ter pedido ajuda internacional, como, aliás, já tinham feito em ocasiões anteriores. Poderiam ter parado de exportar grãos ou interrompido as requisições de grãos, por exemplo. Mas os líderes do partido, deliberadamente, escolheram não fazer nada disso.
“No outono de 1932, o Politburo soviético, a liderança de elite do Partido Comunista Soviético, tomou uma série de decisões que ampliaram e aprofundaram a fome no campo ucraniano e ao mesmo tempo impediram os camponeses de deixarem a república em busca de comida. No auge da crise, grupos organizados de policiais e ativistas partidários, motivados pela fome, pelo medo e por uma década de retórica odiosa e conspiratória, entraram nas casas das famílias camponesas e levaram tudo o que era comestível: batata, beterraba, abóbora, feijão, ervilha, qualquer coisa no forno e no armário, animais de fazenda e animais de estimação”.
3,9 milhões de ucranianos morreram de fome. Na década seguinte, os que na Ucrânia sofreram o domínio de Hitler enxergam pouca diferença entre as atrocidades dos nazistas e as atrocidades dos comunistas.
O genocídio ucraniano sob a tirania comunista se iniciou por conta da resistência de muitos camponeses do país à coletivização forçada, que era uma das bases do regime comunista porque visava suprimir a propriedade privada. Os soviéticos confiscaram maciçamente o gado, as terras e as fazendas dos ucranianos e lhes impuseram punições que iam de trabalhos forçados ao assassinato sumário, passando por brutais deslocamentos de comunidades inteiras.
Este abominável episódio histórico, hoje chamado de Holodomor, que sintetiza as hediondas semelhanças entre comunismo e nazismo, foi o mais vultoso, mas não o único do gênero em território comunista: 1,5 milhão de pessoas no Cazaquistão e quase outro milhão de habitantes do norte do Cáucaso e de regiões ao longo dos rios Don e Volga sofreram suplícios semelhantes, na mesma época, também causados propositalmente pelo mesmo governo central comunista soviético.
O Papa Francisco já execrou claramente o Holodomor
No ângelus dominical de 26 de novembro de 2017, o Papa Francisco recordou explicitamente os cerca de 3,9 milhões de vítimas da fome provocada deliberadamente nos campos da Ucrânia pelas políticas do ditador comunista Joseph Stalin, da antiga União Soviética, entre 1932 e 1933, para “coletivizar” fazendas de gado e terras agrícolas.
Em mensagem ao povo ucraniano, o Papa Francisco mencionou “a tragédia do Holodomor, a morte por fome provocada pelo regime estalinista que deixou milhões de vítimas. Rezo pela Ucrânia, para que a força da paz possa curar as feridas do passado e promover caminhos de paz“.
Dentro do panorama de tergiversação dos fatos que é característica indissociável da ideologia comunista e que insiste em tentar perpetuar-se, é digno de aplausos que o Papa Francisco tenha dado nome aos bois – assim como já deu a outro genocídio amplamente “esquecido” pelo mundo até recentemente: aquele que a Turquia otomana perpetrou contra a Armênia cristã em 1915.