Internacional
Unesco diz que jornalismo está sob ataque como um bem público
Violência matou 450 profissionais da comunicação em cinco anos; novo relatório menciona aprovação de leis nacionais restringindo liberdades de expressão e imprensa; pandemia piorou crise financeira de meios de comunicação
A quebra do modelo de negócios na indústria de notícias e o risco para o direito fundamental à informação são destaques em novo relatório sobre Tendências Mundiais em Matérias de Liberdade de Expressão e Desenvolvimento da Comunicação Social.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, Unesco, destaca que é preciso defender com urgência a liberdade de imprensa e a proteção do jornalismo para garantir que o setor continue um bem público. A nova análise cobre o período entre 2021 e 2022.
Riscos
O chefe da área de Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, Guilherme Canela, disse à ONU News, de Bangkok, na Tailândia, que a atual crise de saúde enfatiza os riscos na área.
“Ao longo da pandemia da Covid-19, todos e todas nos demos conta de que o jornalismo profissional foi e é uma peça-chave no quebra-cabeça de combate à desinformação, que tanto atrapalhou e segue atrapalhando o enfrentamento efetivo a esta crise sanitária. Nesse contexto, a Unesco convidou os vários atores interessados a refletir sobre uma ideia fundamental: de que a informação e jornalismo são bens públicos. Este conceito está no coração da Declaração de Windhoek+ 30, cujos princípios foram validados pelos 193 Estados-membros da Unesco durante sua conferência geral de novembro do ano passado de 2021.”
O especialista explica como o relatório mundial descreve os riscos ao ambiente de produção de informação ameaçando a existência do jornalismo como um bem público.
“O ecossistema midiático enfrenta uma série de riscos: violência contra profissionais de imprensa, aprovação de leis draconianas que reduzem a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, crise financeira dos meios, podendo inclusive gerar desertos midiáticos. Este é um momento crítico para esse mesmo jornalismo agraciado com o prêmio Nobel da Paz, e que tanto fez e faz pela democracia, os direitos humanos e o desenvolvimento sustentável. Por isso, a Unesco convida a todos os ouvintes que dialoguem sobre esse relatório buscando aprofundar essa defesa do jornalismo como um bem público.”
Interesse
O relatório sugere que além de um maior financiamento público para agências de notícias confiáveis, é preciso aumentar o apoio à mídia que oferece conteúdo genuíno de interesse público e expandir os investimentos de doadores para a produção de notícias.Unesco pede a governos que adotem ou reformem leis de mídia
O Brasil, com 14 incidentes, é o único país lusófono que aparece entre as 10 nações com mais mortes de jornalistas ocorridas entre 2016 e 2021. No entanto, é um dos exemplos da América Latina, ao lado de Colômbia, do Equador e do Paraguai, com novos mecanismos de monitoramento da segurança e proteção destes profissionais de ameaças e violência.
A análise destaca que, no mesmo período, aproximadamente 85% da população mundial experimentou uma diminuição da liberdade de imprensa em nível nacional. Mesmo em países com longa tradição de preservação de um jornalismo livre e independente, as transformações financeiras e tecnológicas tiveram impacto nesse sentido.
O período analisado também ficou marcado pela queda da liberdade de imprensa, novas políticas restringindo a liberdade de expressão online e fatores em plataformas de mídia social que ameaçaram outros meios de comunicação.
Informação
O documento destaca, por exemplo, que o Google e o Meta, antigo Facebook, atualmente ocupam cerca de metade de todos os gastos globais com publicidade digital. A receita de jornais caiu pela metade nos últimos cinco anos.
Um dos fatores para tal declínio foi a pandemia que causou perdas de empregos, fechamento de redações, assim como um alto fluxo de informações imprecisas, não confiáveis e propagada enganosa, principalmente em plataformas de mídia social.Estudo revela que 90% de casos de assassinato de jornalistas seguem sem solução
Mas a crise de saúde enfatizou ainda a importância de fornecer informações confiáveis e precisas aos cidadãos que sejam produzidas por organizações de notícias confiáveis, destacando ainda mais que é preciso garantir que o setor seja capaz de operar em um ambiente viável.
Em setembro de 2020, investigações constataram que 1 milhão de publicações circulavam no Twitter com informações imprecisas, pouco fiáveis ou enganosas relacionadas à crise. Desde o início da pandemia até agosto de 2021, mais de 20 milhões de publicações foram removidas do Facebook e no Instagram por promoverem informações erróneas relacionadas com a Covid-19.
Mortes
Em relação à segurança dos jornalistas, a Unesco registrou mais de 450 jornalistas mortos por razões ligadas ao seu trabalho. O documento revela que 90% desses assassinatos seguem sem solução. O alto índice de violência online contra jornalistas também tem aumentado, afetando principalmente mulheres.Pandemia enfatizou a importância de fornecer informações confiáveis e precisas
Para responder ao problema, a Unesco pede medidas políticas para proteger a mídia independente e a segurança dos jornalistas. A primeira é o apoio para promover a viabilidade econômica dos meios de comunicação independentes, respeitando a autonomia profissional dos profissionais de escrita.
A segunda é desenvolver a alfabetização midiática e informacional, para ensinar a todos os cidadãos a diferença entre informações confiáveis e verificadas e as não verificadas, além de incentivar o público a obter informações da mídia independente.
Outro pedido feito aos governos é que adotem ou reformem leis de mídia para apoiar uma produção de notícias livre e pluralista, de acordo com os padrões internacionais de liberdade de expressão.Justicia para las mujeres/ScopioPelo menos 14 jornalistas foram assassinados em cinco anos no Brasil
Um dos aspectos que mereceram a atenção da publicação é que pelo menos 160 países ainda têm leis criminais de difamação em vigor revitalizadas por Processos Estratégicos contra a Participação Pública e pelo chamado turismo da difamação.
Nesse aspecto, indivíduos se aproveitam do sistema jurídico de um país estrangeiro para mais facilmente interpor um processo por difamação contra um jornalista ou uma empresa de comunicação social.