Internacional
Toque de recolher em Kiev limita jornalistas e aumenta cerco a informações
Muitos acessos que levam ao centro de Kiev estão bloqueados ou parcialmente fechados por obstáculos
Com a aproximação das forças de Moscou do centro de Kiev, as ruas e as estradas da capital ucraniana estão tomadas por postos de controle montados por militares ucranianos e russos, pela polícia e por milícias formadas por civis, que controlam a entrada, a saída e a passagem de pessoas e veículos.
Assim, o nível de tensão e o risco para quem precisa cruzar esses locais dependem de quem comanda os locais. Militares e policiais ucranianos, até agora, têm sido os mais previsíveis e os que mais oferecem segurança. Eles são profissionais, seguem ordens claras e especificas de seus comandantes e, por isso, não perdem tempo nem energia com jornalistas que estão no país para reportar a guerra na Ucrânia.
As milícias, por outro lado, menos organizadas e sem um comando claro, muitas vezes motivadas pelo desejo de vingança contra os invasores, são as que mais oferecem risco a quem precisa se movimentar pela cidade. Elas são, em sua maioria, formadas por homens, jovens e adultos, tirados de suas casas e trabalhos, separados de suas famílias, forçados a pegar em armas que nem sempre sabem usar.
Muitos acessos que levam ao centro de Kiev estão bloqueados ou parcialmente fechados por obstáculos que vão de muros de pneus usados e blocos de concreto até ônibus biarticulados e bondes, além de caminhões e tratores atravessados nas ruas e nas avenidas da cidade.
Para chegar à periferia de Kiev, onde os confrontos entre forças ucranianas e russas estão acontecendo, é necessário passar por vários dos postos de controle chefiados por milicianos, que aparentam estar cada vez mais cansados e nervosos diante da aproximação do conflito do centro da cidade.
Eles também carregam uma desconfiança contra jornalistas. Para eles, reportagens, fotos e vídeos representam um risco, porque temem que, involuntariamente –ou deliberadamente–, informações estratégicas que podem ser usadas pelo Exército russo durante um ataque sejam compartilhadas. Há, ainda, a expectativa de que jornalistas se sensibilizem com a situação e tomem um lado no conflito.
Nesta quarta (16), o assessor das Forças Armadas ucranianas em Kiev, Vladimir Fito, publicou um post nas mídias sociais no qual estimulava soldados e milicianos em áreas de combate a atacar qualquer pessoa em área controlada pelo Exército russo, mesmo aqueles com identificação de imprensa.
“Defensores do povo! Dirijo-me a vocês com um grande pedido. Se encontrarem alguém com um colete escrito PRESS [imprensa], não se trata de um jornalista real, porque não é credenciado em nosso Exército. São só propagandistas perigosos. O título de jornalista não se aplica a eles, que devem ser atacados.”
A manifestação do assessor de imprensa vem na sequência da morte de três jornalistas em uma semana.
No domingo (13), o documentarista americano Brent Renaud foi morto em Irpin após cruzar um posto de controle. Dois dias depois, jornalistas que trabalhavam para o canal Fox News, o cinegrafista americano Pierre Zakrzewski e a produtora ucraniana Oleksandra Kuvshinova, foram mortos a poucos km de onde Renaud foi atacado. O governo ucraniano foi rápido em responsabilizar o Exército russo pelas mortes, mesmo que, no caso de Renaud, as circunstâncias ainda não tenham sido devidamente investigadas.
Os ataques contra Kiev têm se intensificado. Nos últimos dois dias, o Exército russo atingiu prédios residenciais, muitos ainda com moradores, que decidiram permanecer na cidade mesmo depois de metade da população civil fugir da capital, prevendo a violência dos ataques russos.
No final da tarde desta terça-feira (15), o governo ucraniano decretou um toque de recolher de 35 horas, impedindo todos os civis, inclusive jornalistas credenciados, de se deslocarem pela cidade.
Assim, as afirmações enviadas pelo governo ucraniano, de que mais um edifício foi atacado nesta manhã, não puderam ser confirmadas por jornalistas independentes. As imagens produzidas pelo governo, porém, já estão disponíveis nas mídias sociais e, muitas vezes, nos sites dos principais jornais do mundo.