Internacional
A luta das afegãs por liberdade
Desde que tomou poder no Afeganistão há um ano, o Talibã impôs uma série de restrições à vida das mulheres, que viram seus direitos serem amordaçados. Também o Ocidente deixou as afegãs desamparadas, diz autora de livro
Há um ano, o Talibã retomou o poder em Cabul, capital do Afeganistão, em meio à retirada das tropas da Otan. Desde então, a situação das mulheres no país se deteriorou dramaticamente.
Há alguns dias, cerca de 40 mulheres fizeram uma manifestação em frente ao Ministério da Educação afegão. Sua demanda: “Pão, trabalho e liberdade!” A reação do Talibã ao protesto foi violenta. Combatentes armados dispararam contra a multidão, mulheres em fuga foram agredidas com coronhadas de fuzil, e jornalistas que reportavam no local também foram espancados.
A jornalista e etnóloga Shikiba Babori não se surpreende. “Muitos homens no Afeganistão não aprenderam nada além de usar a força das armas para alcançar seus objetivos, em vez de convencer com argumentos”, disse ela à DW. “Mulheres que levantam a voz são intimidadas, ameaçadas e mortas.”
Mas também o Ocidente usou as mulheres afegãs como brinquedo, afirma Babori. Ela aborda isso em seu livro The afghan women: playing ball of politics (em tradução livre, “Mulheres afegãs: brinquedo da política”), publicado recentemente.
Por exemplo, antes de invadir o Afeganistão em 2001, o governo dos Estados Unidos alegou que queria “libertar” as mulheres afegãs. Feministas americanas aplaudiram.
Após a retirada apressada de Cabul em 2021, essa “libertação” revelou-se uma promessa vazia, deixando as mulheres afegãs se defendendo sozinhas. Segundo Babori, as mesmas feministas dos EUA simplesmente ficaram caladas sobre isso.
“Uma vida como na prisão”
Quem não se cala é a ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock. Sob o regime talibã, a situação das mulheres e meninas se tornou “insuportável”, disse a alemã recentemente. Segundo ela, meninas e mulheres levam “uma vida como na prisão”, pois são privadas do acesso à educação e não podem se mover livremente sem parentes masculinos.
Mas o que ela chama de “realidade amarga” é e tem sido bastante normal para muitas mulheres afegãs, mesmo durante os últimos 20 anos, afirma Shikiba Babori. “Em mais da metade das 34 províncias do Afeganistão, a situação precária das mulheres nunca mudou.”
Babori nasceu em Cabul e se mudou para a Alemanha nos anos 1970; ela conhece bem o país e seu povo. Em seu livro, a jornalista dá uma visão geral esclarecedora do desenvolvimento histórico do Afeganistão desde os anos 1920 e aponta repetidamente a discrepância entre as áreas urbanas e rurais.
“Quando você olha para a situação das afegãs que vivem fora das grandes cidades, fica claro como tão poucas mulheres realmente se beneficiaram das poucas oportunidades oferecidas nos últimos 20 anos.”
Uma nova guerra civil se aproxima?
E mesmo aquelas que puderam se beneficiar das oportunidades agora se sentem abandonadas pelas potências ocidentais. A situação é relatada por Waslat Hasrat-Nazimi, jornalista da DW, em seu livro As leoas do Afeganistão, publicado nesta terça-feira (16/08).
As mulheres estão desapontadas que a promessa de liberdade feita a elas não tenha sido cumprida. Mas algumas estão simplesmente aliviadas que a guerra tenha terminado.
Hasrat-Nazimi acredita que essa calma não deve durar muito: “Presumo que as coisas vão piorar, que haverá mais conflitos armados entre as diferentes facções do Talibã, mas também que o EI [“Estado Islâmico”] ganhará força novamente.”
É por isso que o maior medo no Afeganistão é que o Ocidente agora perca todo o interesse e olhe para o outro lado, afirma Shikiba Babori − como no passado, com a retirada das tropas soviéticas em 1989. A ocupação soviética foi seguida por uma guerra civil agonizante no Afeganistão.
Política externa feminista
A abordagem de Annalena Baerbock de uma política externa feminista é um lampejo de esperança, segundo Babori. Ela enfatiza a responsabilidade dos países da Otan com a população afegã, especialmente tendo em vista a catastrófica situação humanitária do país.
“As mulheres não podem sair à rua, as meninas não podem ir à escola”, resume. “As pessoas vendem seus órgãos para conseguir dinheiro. Os pais vendem seus filhos. Alguns simplesmente os dão para que tenham uma boca a menos à mesa. O Ocidente não pode falar sobre isso somente em datas especiais.”
Tanto Babori como Hasrat-Nazimi depositam esperança nas mulheres afegãs que querem encontrar suas próprias forças. “Esse sempre foi o tom quando falei com as mulheres no Afeganistão”, relata Hasrat-Nazimi. “Elas dizem: agora tem que ser diferente, agora temos que fazer isso nós mesmas.”
Seu livro enumera os erros da política externa ocidental, mas também dá encorajamento: ela olha para as ativistas que não desistem da luta, e para as pioneiras inspiradoras dos direitos humanos e das mulheres na história do Afeganistão.
Apoio às mulheres afegãs
Quarenta corajosas mulheres afegãs continuaram essa luta na manifestação em Cabul no fim de semana. E elas não são as únicas: Shikiba Babori lembra o caso de uma jovem que deveria recitar um poema sob a bandeira do Talibã, mas usou o espaço para exigir a abertura de escolas para meninas. Para Babori, essas mulheres devem agora ser apoiadas.
Seu livro analisa a situação de forma tão precisa quanto implacável, e o panorama da história dos direitos da mulher no Afeganistão é tão impressionante quanto instrutivo. Ela não se furta de apontar erros ou fazer exigências claras aos políticos. Uma delas é: as mulheres no Afeganistão devem ser ouvidas e apoiadas − não apenas em datas especiais, mas durante todo o ano.