Internacional
Nicarágua prende bispo por tentar “desestabilizar” o Estado
Religioso crítico ao governo Daniel Ortega foi preso junto com sete colaboradores, em mais novo episódio da perseguição sandinista à Igreja Católica. Papa Francisco é criticado por manter silêncio sobre situação no país
A Polícia Nacional da Nicarágua entrou à força nesta sexta-feira (19/08) no Palácio Episcopal da Diocese de Matagalpa, no norte do país, e prendeu o bispo Rolando Álvarez – crítico ao governo do presidente Daniel Ortega – e mais sete religiosos e colaboradores.
Álvarez, de 55 anos, bispo da Diocese de Matagalpa e administrador apostólico da Diocese de Estelí, é acusado pela Polícia Nacional de tentar “organizar grupos violentos”, supostamente “com o objetivo de desestabilizar o Estado nicaraguense e atacar as autoridades constitucionais”, embora até o momento nenhuma prova tenha sido apresentada.
As prisões são o mais recente capítulo da perseguição do governo sandinista a católicos nicaraguenses. A ONU pediu a libertação dos detidos.
“Urgente! Neste momento a Polícia Nacional entrou na Cúria Episcopal de nossa Diocese de Matagalpa”, informou a sede eclesiástica nas redes sociais.
O prelado foi preso junto com os padres José Luis Díaz e Sadiel Eugarrios, primeiro e segundo vigários da catedral de San Pedro, em Matagalpa, respectivamente.
Também foram presos Ramiro Tijerino, reitor da Universidade Juan Pablo II e encarregado da paróquia San Juan Bautista, assim como os seminaristas Darvin Leyva e Melkin Sequeira, o cinegrafista Sergio Cárdenas e o padre Raúl González.
ONU pede libertação
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar “muito preocupado” com a repressão exercida pelo governo nicaraguense sobre organizações e figuras da sociedade civil, várias delas ligadas à Igreja Católica.
Para Guterres, as informações procedentes de Matagalpa “sublinham” as “preocupações” que a ONU já tem sobre o agravamento da situação dos direitos humanos no país centro-americano.
Por este motivo, o responsável máximo das Nações Unidas apelou ao respeito dos direitos de “todos os cidadãos”, com especial atenção ao de reunião, e das liberdades de associação e religião, entre outras, segundo o porta-voz Farhan Haq.
A ONU também exortou à libertação de todas as pessoas detidas “arbitrariamente” nos últimos meses na Nicarágua, na onda de repressão do governo que começou após os protestos de 2018 e que se agudizou nas semanas que antecederam as eleições presidenciais de 2021.
Perseguição à Igreja Católica
Até agora neste ano, o governo expulsou do país o núncio apostólico (representante diplomático permanente da Santa Sé) Waldemar Stanislaw Sommertag, prendeu outros três padres, fechou oito estações de rádio católicas, retirou três canais católicos da programação da televisão por assinatura, entrou à força e invadiu uma paróquia e expulsou 16 monjas da ordem missionária Madre Teresa de Calcutá.
O governo também proibiu a Arquidiocese de Manágua de realizar uma procissão com a imagem peregrina da Virgem de Fátima.
Ortega descreveu como “terroristas” os bispos nicaraguenses que atuaram como mediadores em um diálogo nacional com o objetivo de encontrar uma solução pacífica para a crise política e social que o país enfrenta desde abril de 2018.
A comunidade católica representa 58,5% dos 6,5 milhões de habitantes da Nicarágua, de acordo com o último censo nacional.
Indignação de bispos exilados
O bispo auxiliar de Manágua e atualmente exilado, Silvio Báez, condenou as prisões desta sexta e pediu às autoridades que libertem Álvarez e respeitem sua dignidade.
“Com indignação e dor no coração, condeno o sequestro noturno do monsenhor Álvarez. Aqueles que sabem, digam onde está meu irmão bispo! Que seus sequestradores respeitem sua dignidade e o libertem! Mais uma vez, a ditadura superou seu próprio espírito maligno e diabólico”, escreveu o religioso no Twitter.
O Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh) disse em uma mensagem que “de madrugada a polícia atacou violentamente a cúria episcopal da Diocese de Matagalpa e sequestrou o Monsenhor Rolando Álvarez e outros sacerdotes e leigos, com destino desconhecido”.
“Meu Deus, que ultrajante! Eles levaram Monsenhor Rolando Álvarez, junto com os padres que estavam com ele”, escreveu o Padre Edwing Román, outro crítico de Ortega, exilado nos Estados Unidos.
“Chega deste silêncio! Que falem aqueles que têm que falar e mostrar seu rosto, isso é chamado de ‘pecado de omissão'”, disse ele, referindo-se ao Papa Francisco, que tem sido criticado por diferentes setores por manter silêncio sobre o assunto na Nicarágua, um país com maioria católica.
Crise política
A Nicarágua vive quatro anos de uma crise sociopolítica que, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), deixou pelo menos 355 mortos, dos quais Ortega reconhece 200, e levou mais de 100 mil nicaraguenses ao exílio, além do fechamento da maior parte da imprensa independente.
A crise na Nicarágua se acentuou nas eleições de novembro de 2021, quando Ortega foi reeleito para um quinto mandato, o quarto consecutivo e o segundo tendo sua esposa, Rosario Murillo, como vice-presidente. Sete eventuais adversários que poderiam ter representado um sério desafio à reeleição de Ortega foram presos, juntamente com 32 opositores, após uma onda de repressão iniciada pelo governo em junho contra a oposição. Ortega concorreu contra cinco outros candidatos que críticos chamaram de fantoches do regime.
Quando Ortega foi novamente eleito, em novembro, o presidente dos EUA, Joe Biden, havia chamado o pleito de “farsa”. Na ocasião, as eleições na Nicarágua foram duramente criticadas pela comunidade internacional, inclusive pela União Europeia e por grupos internacionais de defesa dos direitos humanos, que descreveram o pleito como uma votação de fachada.
No dia da eleição, observadores da UE e da Organização dos Estados Americanos (OEA) foram proibidos de acompanhar o processo eleitoral. Jornalistas estrangeiros também não puderam entrar na Nicarágua.
Ortega, que está no poder desde janeiro de 2007, foi empossado em janeiro para governar até 2027. O ex-guerrilheiro sandinista de 76 anos, que governa a Nicarágua sem contrapesos desde 2012, completa 15 anos consecutivos no poder, depois de liderar uma junta governamental de 1979 a 1985 e de presidir pela primeira vez o país de 1985 a 1990.
Em junho, a Assembleia Nacional da Nicarágua, de maioria governista, cancelou os registros de 96 ONGs do país por não serem cadastradas como “agentes estrangeiros”, aumentando para 440 as organizações civis sem fins lucrativos tornadas ilegais desde 2018.