Internacional
Na ilha El Hierro, moradores ajudam imigrantes africanos
Milhares de migrantes africanos desembarcam todos os anos na ilha espanhola na costa da África. Mesmo com poucos recursos para acomodar os recém-chegados, muitos demonstram solidariedade
Quando um cayuco chega a El Hierro, nas Ilhas Canárias, o coordenador de ajuda humanitária Francis Mendoza sempre fica sabendo – ele coordena um grupo de voluntários que trabalha com a organização de proteção civil. Cayucos é como são chamados os barcos, muitas vezes não apropriados à navegação em mar aberto, nos quais os migrantes viajam centenas de quilômetros pelo Oceano Atlântico.
“O mar está muito calmo, é muito estranho”, diz Mendoza. “Só espero que eles cheguem em segurança.” Habitantes da ilha, como Mendoza, exalam uma cultura positiva de boas-vindas: há até mesmo histórias de pessoas que acolheram os recém-chegados em suas próprias casas.
A menor ilha do arquipélago canário é apenas um ponto de passagem, de onde os migrantes são levados para Tenerife depois de quatro ou cinco dias. As autoridades locais alertam há muito tempo que o limite de acolhimento já foi atingido, mas graças a moradores como Mendoza, El Hierro tem conseguido lidar bem com o número crescente de imigrantes.
Em 2023, segundo o Ministério do Interior da Espanha, ao menos 14.535 pessoas chegaram à ilha de El Hierro em 154 barcos. Isso dá uma média de 40 por dia para uma ilha de 278 quilômetros quadrados, na qual moram 12 mil pessoas.
El Hierro é responsável por quase um terço das chegadas ao arquipélago: de acordo com a OIM (a organização de migração da ONU), quase 40 mil pessoas chegaram às Ilhas Canárias em 2023. El Hierro está localizada na ponta sudoeste do arquipélago das Ilhas Canárias.
As sete ilhas canárias estão localizadas ao largo do Marrocos e do Saara Ocidental, no Oceano Atlântico, mas fazem parte da Espanha, um país-membro da EU, e estão numa rota de migração perigosa, que está sendo cada vez mais usada.
Cada vez mais chegadas
Em 2024, as chegadas de barcos continuaram aumentando. A média de chegadas diárias de pessoas subiu para 45. Em agosto entraram até mesmo pouco mais de mil pessoas em apenas dez dias consecutivos. Habitantes da ilha relataram à DW que esperam um aumento ainda maior em setembro.
Os países de origem dos migrantes incluem o Senegal, a Mauritânia, a Gâmbia, o Mali e a Guiné, na África Ocidental, bem como o Paquistão e Bangladesh, no sul da Ásia.
O prefeito da cidade de El Pinar, Juan Miguel Padrón Brito, está pedindo mais apoio do governo central espanhol, dos principais partidos políticos e da União Europeia. A população também está preocupada com problemas no abastecimento e nos serviços públicos, o que já aconteceu quando os primeiros barcos chegaram a El Hierro e o local ainda não estava preparado para isso.
“Houve pessoas que reclamaram, e com razão. Certa vez estávamos em três na sala de espera do centro de saúde quando chegou um barco de migrantes. Toda a equipe do centro de saúde saiu correndo para fora e nós ficamos lá, sentados, sem sermos atendidos”, relatou Brito.
Uma nova vida na ilha
“Estamos bem e felizes aqui. Queremos ficar na ilha”, disse um imigrante, Abdu, à DW. Ele chegou a El Hierro há 11 meses, vindo do Senegal, e hoje é um membro da comunidade insular. Teseida, mãe de dois meninos, e seu marido também vieram do Senegal há 11 meses com outros membros da família.
Eles juntaram dinheiro para comprar um barco e fazer a perigosa travessia. Quando desembarcaram, a polícia espanhola acusou o pai dos dois menores de ser o “dono” do barco, o que o torna passível de processo por tráfico de pessoas com fins lucrativos.
Sempre que um barco de migrantes chega, as autoridades tentam identificar um responsável. Nesse caso, os parentes negaram que o pai da família fosse um traficante. Mesmo assim, ele está agora na prisão, em Tenerife, aguardando julgamento. Todos os meses, Teseida leva as crianças para a ilha vizinha para visitar o pai, pois diz ser importante os meninos terem contato com ele.
Omar, um jovem da Gâmbia, chegou de barco à ilha El Hierro há 12 meses, vindo do Senegal, e pediu proteção como menor de idade. No entanto, um exame médico forense concluiu que ele era maior de idade e, por isso, ele teve de deixar o abrigo de menores.
Omar encontrou um lugar para ficar com Mendoza, o chefe dos voluntários da proteção civil. Hoje trabalha como voluntário para a organização Corazon Naranja e é um exemplo de como os migrantes tentam encontrar uma rotina diária.
“Todos nós somos muito apegados a Omar, especialmente em meu grupo Corazon Naranja”, disse Mendoza. “Nós o acolhemos quando ele chegou à ilha, há um ano. Desde então, desenvolvemos uma amizade muito próxima com ele.”
Solidariedade
Omar agora ajuda na recepção aos novos migrantes que chegam à ilha. Junto com colegas, ele cuida dos recém-chegados, que inicialmente ficam no Centro de Atenção Temporária para Estrangeiros. O centro é vigiado pela polícia e é responsável pela realização de procedimentos de registro e identificação de pessoas que entram no país de forma irregular.
Em vista do esperado aumento do número de barcos que chegam à pequena ilha, surge a questão de saber se a solidariedade dos habitantes locais, chamados hierrenhos, tem limites ou é inesgotável.
Brito, o prefeito de El Pinar, certamente tem outra opinião, mas Mendoza diz: “Não, não, isso não existe em El Hierro”. Ele diz que um hierrenho pode estar exausto, mas até seu “último suspiro, até sua última gota de sangue”, ele dará tudo de si para ajudar os migrantes.