Internacional
Quais são as principais forças moldando o futuro da Síria?
Recente avanço de coalizão de milícias insurgentes alterou totalmente a guerra civil da Síria, com a deposição de Assad. Quem são os grupos rebeldes e as potências que estão moldando o cenário após o fim do regime?
Uma coalizão de forças rebeldes iniciou uma ofensiva relâmpago que alterou drasticamente o curso do conflito, que havia anos aparentava estar congelado.
No entanto, a oposição síria é uma colcha de retalhos de grupos com ideologias e objetivos conflitantes. Muitos são apoiados por potências estrangeiras, o que muitas vezes os coloca em conflito uns com os outros.
Estes são os principais atores que poderão moldar o cenário pós-Assad na Síria:
Organização para a Libertação do Levante
A recente ofensiva que levou à queda do regime de Bashar al-Assad foi liderada pela milícia Organização para Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS), um grupo militante islamista liderado por Abu Mohammed al-Jolani, cujo nome verdadeiro é Ahmad al-Sharaa.
O HTS está profundamente enraizado na guerra civil síria. Inicialmente criado com o nome de Frente Al Nusra, em 2011, o grupo era a filial local da Al Qaeda, fundado com o envolvimento de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder jihadista que mais tarde iria se desligar da Al Qaeda para liderar o Estado Islâmico.
Conhecida por sua ideologia jihadista, a Frente Al Nusra frequentemente entrava em conflito com outros grupos de oposição, incluindo a então principal coalizão rebelde, o Exército Livre da Síria.
Em 2016, Jolani rompeu os laços com a Al Qaeda e rebatizou o grupo como Organização para Libertação do Levante, fundindo-o posteriormente com várias facções islamistas menores.
Embora a ideologia do HTS permaneça amplamente alinhada com a Al Qaeda, a principal diferença está no foco: o HTS se concentra na luta contra o regime de Assad e no estabelecimento de um governo islâmico fundamentalista na Síria, distanciando-se de ambições globais mais amplas, como a do “califado mundial”.
Desde então, o HTS consolidou sua base de poder na província de Idlib, no noroeste do país, onde atua como o governo de fato e tenta passar uma imagem de moderação. No entanto, acusações de moradores e grupos de direitos humanos de brutal desrespeito dos direitos humanos prejudicam esses esforços por legitimidade.
O HTS é considerado uma organização terrorista pela ONU, pelos EUA e também pela Turquia. No entanto, a recente ofensiva do grupo para derrubar Assad se alinha aos interesses turcos e provavelmente não teria ocorrido sem a coordenação e o apoio da Turquia, apesar de as autoridades turcas negarem envolvimento direto.
Analistas dizem que o governo turco estava informado sobre a ofensiva dos insurgentes jihadistas. Sem o consentimento ou mesmo o apoio de Ancara, eles não teriam tido qualquer chance, diz o especialista em Oriente Médio Michael Lüders.
“Ancara certamente não apenas sabia desse avanço, como também o apoiou militarmente. Porque os insurgentes obviamente precisam de armas apropriadas. Devido à sua localização geográfica, eles só podem obtê-las da Turquia”, afirmou Lüders em entrevista à emissora alemã Deutschlandfunk.
Exército Nacional Sírio (SNA)
Além do HTS, muitas outras milícias estão lutando na guerra civil da Síria e perseguem suas próprias agendas.
Um grande grupo da oposição armada que participou da ofensiva contra Damasco é o Exército Nacional Sírio (SNA), criado em 2017 e que reúne dezenas de facções com ideologias variadas.
Em contraste com a Organização para a Libertação do Levante, mais centralizada e coesa, o SNA é uma coalizão fragmentada de grupos armados distintos. Alguns deles operavam anteriormente sob a bandeira do Exército Livre da Síria. Frequentemente, alguns desses grupos entraram em conflito entre si.
Apesar de suas divisões internas, muitas facções do SNA têm em comum os laços com a Turquia. Algumas, como a Brigada Sultão Suleiman Shah, a Divisão al-Hamza e a Divisão Sultão Murad, estão estreitamente alinhadas com Ancara, refletindo o apoio turco por meio de nomes que homenageiam figuras otomanas.
Entretanto, nem todas as facções do SNA estão totalmente alinhadas aos interesses turcos. Alguns grupos, embora cooperem com Ancara, procuram equilibrar suas próprias prioridades. Por exemplo, a coalizão inclui facções rebeldes influentes como a Ahrar al-Sham, cujos objetivos declarados são “derrubar o regime de Assad” e “estabelecer um estado islâmico governado pela lei da sharia”.
Nos últimos dias, as forças do SNA entraram em confronto com as forças curdas nas províncias do norte e tomaram várias cidades e vilarejos estratégicos. Essas operações estão alinhadas com o que é o principal objetivo da Turquia na Síria: derrubar o governo autônomo curdo no norte-nordeste da Síria e impedir a presença de organizações e militares curdos ao longo da fronteira turco-síria.
Forças Democráticas Sírias (SDF)
As Forças Democráticas Sírias (SDF) são uma coalizão sobretudo de combatentes curdos, mas também de árabes e outros grupos étnicos, que se formou durante a guerra civil da Síria.
Formadas em 2015, as SDF operam sob a liderança das Unidades de Proteção Popular (YPG), uma organização armada curda, e receberam apoio significativo dos EUA, especialmente na campanha contra o grupo terrorista Estado Islâmico.
Depois que o Estado Islâmico foi em grande parte derrotado, as forças lideradas pelos curdos consolidaram o controle sobre as cidades do nordeste da Síria, onde são o braço armado de um governo autônomo curdo.
No entanto, os combatentes curdos ainda enfrentam seu inimigo de longa data, a Turquia, que os vê como a extensão de uma insurgência separatista curda e do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que o governo em Ancara classifica de terrorista.
Turquia
A Turquia exerceu sua influência na Síria principalmente por meio do apoio de grupos armados, no caso turco sobretudo o SNA. Mas, desde o início da guerra civil, os militares turcos também fizeram várias intervenções militares do outro lado da fronteira com a Síria, principalmente contra as forças lideradas pelos curdos sírios.
A operação mais recente data de outubro de 2019, com o objetivo de Ancara de empurrar os combatentes curdos a pelo menos 30 quilômetros de distância de sua fronteira e estabelecer uma chamada “zona segura” em partes da Síria, para onde planeja enviar refugiados.
Desde então, a Turquia na prática tem controlado uma área ao longo da fronteira norte da Síria, o que permitiu a coordenação com grupos rebeldes.
Rússia
A Rússia foi, ao lado do Irã, o principal parceiro de Assad, fornecendo apoio militar e logístico desde a sua intervenção, em 2015. Os ataques aéreos russos foram fundamentais para Assad virar o jogo e ajudaram o ditador agora deposto a se manter no poder por anos.
Porém, a capacidade russa de intervir diminuiu à medida que os recursos foram sendo desviados para a guerra na Ucrânia.
A queda de Assad provavelmente significa o fim das bases militares russas na Síria. “Não consigo ver como o novo regime ou a nova ordem sociopolítica permitirá que os russos permaneçam depois de tudo o que eles fizeram para sustentar o regime de Assad”, opinou o especialista em segurança Andreas Krieg, do King’s College de Londres.
O serviço secreto militar ucraniano comunicou que a Rússia já começou a retirar seus navios de guerra da base marítima em Tartus, a maior da Rússia no Oriente Médio e que fica no Mar Mediterrâneo, bem como equipamento militar remanescente na base aérea de Hmeimim, na província de Lataquia.
“O mundo inteiro foi surpreendido pelo que aconteceu. Nós não somos exceção”, afirmou o porta-voz do Kremlin.
Irã
O Irã tinha a Síria como um elemento essencial do Eixo da Resistência, uma coalizão de milícias e governos no Oriente Médio que são unidas pela luta contra a influência dos EUA e de Israel.
O Irã apoiou Assad enviando forças iranianas e militantes do Hezbollah, e em troca o regime sírio permitiu a passagem de armas do Irã e do Iraque para o Líbano.
O primeiro golpe no Eixo da Resistência foi a esmagadora campanha militar israelense contra o Hamas, em Gaza, um dos grupos apoiados pelo Irã. Depois Israel atacou o aliado mais poderoso do Irã, a milícia Hezbollah, no Líbano, eliminando praticamente toda a sua liderança. E agora o aliado de longa data na Síria também saiu do mapa.
O alto funcionário iraniano afirmou à agência de notícias Reuters que o Irã abriu uma linha direta de comunicação com os rebeldes da nova liderança síria numa tentativa de “evitar uma trajetória hostil” entre os dois países.
“A principal preocupação do Irã é se o sucessor de Assad afastará a Síria da órbita de Teerã”, disse uma outra autoridade iraniana. “Esse é um cenário que o Irã quer evitar.”
Estados Unidos
Os EUA inicialmente apoiaram grupos de oposição durante os estágios iniciais da guerra civil, que se iniciou em 2011, mudando posteriormente o foco para o combate ao Estado Islâmico, com apoio aos combatentes curdos.
Atualmente, cerca de 900 soldados americanos permanecem na Síria, principalmente nas áreas ricas em petróleo e controladas pelos curdos no nordeste do país, bem como num posto militar avançado na zona de fronteira entre a Síria, o Iraque e a Jordânia.