Nacional
O caminho do impeachment
Decisão do TCU de bloquear recursos para o Pé-de-Meia reforça acusação de crime de responsabilidade, mas oposição depende das ruas

Os deputados da oposição já reuniram mais de 100 assinaturas para apresentar um pedido de impeachment de Lula pelo programa Pé-de-Meia. O Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou 6 bilhões de reais do programa, valor esse que não foi contabilizado no Orçamento do governo, nem autorizado pelo Congresso Nacional. Isso levou a oposição a reforçar as acusações de que o governo federal cometeu crime de responsabilidade, mas esse seria apenas um dos vários critérios para a instalação de um processo de impedimento do presidente.
Lula já foi alvo de dezenas de pedidos de impeachment em seu terceiro mandato. No mais barulhento deles, 129 deputados assinaram, no início de 2024, um requerimento após o petista comparar a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto.
O número estabeleceu um novo recorde: cinco assinaturas a mais do que recebeu um dos 68 pedidos de impeachment de Dilma Rousseff em seus dois mandatos. Já o recordista de pedidos de impeachment é Jair Bolsonaro, que foi alvo de 158 em apenas um mandato.
O presidente da Câmara
O número de parlamentares que apoia o processo contra Lula é significativo, mas de nada adiantaria que 512 deputados defendessem um impeachment presidencial se o presidente da Câmara não estivesse disposto a aceitar um pedido. Esse é o primeiro passo incontornável, pois cabe apenas a quem comanda a Câmara iniciar o processo.
Arthur Lira (PP-AL) passou os dois primeiros anos do governo Lula sem enxergar qualquer motivo para aceitar um pedido de impeachment do petista. Nos últimos dois anos do mandato, essa decisão deve caber a Hugo Motta (Republicanos-PB), que tem apoio quase unânime para sua candidatura e também não demonstrou interesse em incomodar Lula. Ao menos por enquanto.
Lula sabe do risco e, por isso, foi extremamente cauteloso ao endossar a candidatura de Motta. O petista resolveu apoiá-la quando tinha totais garantias de que não cometeria o mesmo erro de Dilma em relação à candidatura de Eduardo Cunha, em 2015. A sabotagem do Palácio do Planalto à eleição do então emedebista acabou sendo fatal para a petista.
Manifestações
Tudo pode mudar se o presidente da Câmara se sentir pressionado ou se o governo se tornar inviável. Nenhum impeachment ocorre à toa. Ele depende de uma tempestade perfeita. Um processo de afastamento presidencial é jurídico, mas, acima de tudo, político.
“A ideia é convocar manifestações. Agora, o que tenho alertado é que não podemos errar”, disse o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) ao programa Meio-Dia em Brasília, sobre mobilizações populares que venham a pressionar o Congresso a agir.
Um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), que surgiu promovendo o impeachment de Dilma, o deputado disse que “as manifestações precisam, necessariamente, ser gigantescas”, e enfatizou: “Elas não podem ser médias, elas não podem ser grandes, elas têm que ser gigantescas”.
Kataguiri lembrou que a primeira grande manifestação pelo impeachment de Dilma, que acabaria se consumando em 2017, reuniu mais de um milhão de pessoas na avenida Paulista, em São Paulo, e encheu ruas em diversas cidades Brasil afora em 2015.
Queda na aprovação
“Mesmo com essa manifestação enorme, a gente demora praticamente um ano para conseguir derrubar a presidente da República”, disse o deputado, que tenta, com auxílio do MBL, mobilizar um grupo que se comprometa a comparecer a várias manifestações pelo impeachment de Lula, para não correr o risco de acabar fortalecendo o governo com protestos tímidos.
E aí que mora o perigo para a oposição. Enquanto grupos como o MBL pregam cautela, os afobados do PL já convocaram manifestações para 16 de março, como forma de pressionar o Congresso. Tudo para aproveitar as recentes crises do governo Lula.
O contexto é desfavorável para o petista, como expôs pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta semana. A aprovação do presidente da República segue em queda, e um dos motivos é a percepção da população de que os preços dos alimentos aumentaram consideravelmente nos últimos meses – 83% dos 4.500 ouvidos disseram isso.
O presidente acordou tarde para a inflação e jogou seus ministros em uma corrida maluca atrás de soluções mágicas para baixar os preços – que foram inflados com ajuda dos gastos irresponsáveis de seu governo.
Crise do Pix
Além disso, 66% desaprovam a forma como o governo atuou no caso do monitoramento do Pix, que foi cancelado após se espalhar a suspeita de que a fiscalização tinha como objetivo fazer a população pagar as contas de um governo esbanjador – e não por causa das alegadas fake news.
Apesar das notícias ruins, a pesquisa Quaest revelou um dado que, por enquanto, deve garantir a continuidade deste governo: 31% dos brasileiros ainda aprovam o governo Lula. Quando Dilma caiu, esse patamar era de aproximadamente 10%.
O que esse dado indica? Apesar de ser uma minoria, Lula ainda detém pelo menos um terço do eleitorado ao seu lado. E, apesar de sua aprovação ter caído na região Nordeste, Lula ainda detém um índice de aprovação de 57% da região. Queira a oposição ou não, as 151 cadeiras do Nordeste no Congresso são determinantes para um desfecho positivo de um processo de impeachment.
Oposição
Como já gastou até o que não tinha nos primeiros anos de mandato, resta a Lula tentar conquistar a população por meio da retórica, da comunicação, mas já ficou claro que o desafio de Sidônio Palmeira, substituto de Paulo Pimenta na Secom, não é tão fácil quando os governistas gostariam.
É de se imaginar, portanto, que Lula perca ainda mais popularidade, o que pode aumentar a pressão popular. E, ainda assim, falta um último elemento na equação do impeachment: a vontade da oposição. Diante de um adversário tão fragilizado, faria sentido aos opositores de Lula tirá-lo do cargo antes da hora e poupá-lo de parte do desgaste que se anuncia para os próximos meses?
Esse cálculo já foi feito pelo PSDB no primeiro governo do petista, quando estourou o escândalo do mensalão, e Lula acabou se reelegendo em 2006. Desta vez, o contexto econômico é bem pior para o presidente, mas um impeachment daria ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), aliado de ocasião do petismo, a chance de reorganizar as forças para a próxima eleição presidencial.
“Lambança em cima de lambança”
Além de tudo isso, há o acaso, naturalmente. E nem ele não tem jogado a favor de Lula, que teve a debilidade de seu corpo de 79 anos exposta numa queda no banheiro que o levou a ser submetido a uma cirurgia de emergência.
“Quanto mais o governo errar ao longo do caminho – e o governo está desesperado e acuado, e isso faz com que erre mais, com mais frequência e erros mais graves –, maior vai ser a indignação e maior vai ser a mobilização, que foi o que aconteceu no governo Dilma”, lembra Kataguiri.
“Lambança em cima de lambança e a gente conseguiu fazer uma mobilização ainda maior na avenida Paulista depois do dia 13 de março de 2016, com 3 milhões de pessoas e mais milhões de pessoas ao redor do Brasil”, finalizou o deputado.
Se isso será o bastante para derrubar Lula ou servirá apenas para desgastar ainda mais seu cambaleante governo é uma questão que será respondida nos próximos meses.
Fonte: Crusoé