Educação & Cultura
Inteligência artificial e mudanças climáticas: como unir ambos os temas em sala de aula?
Ferramentas de IA podem apoiar atividades relacionadas à educação climática, mas sem deixar de lado as discussões sobre seus impactos ambientais
Eventos climáticos são cada vez mais recorrentes pelo mundo e, para prevê-los, os cientistas vêm utilizando a Inteligência Artificial (IA), por ser capaz de realizar monitoramento em tempo real e analisar enormes volumes de dados de maneira rápida e precisa. Soa contraditório, mas o mesmo tipo de tecnologia impacta as próprias mudanças climáticas. De acordo com a Agência Internacional de Energia, órgão ligado à OCDE, cada pesquisa no ChatGPT consome 10 vezes mais eletricidade do que uma busca no Google.
Além disso, as operações de data centers exigem alto consumo de água para alimentar sistemas de resfriamento. Segundo pesquisa conduzida pela Universidade da Califórnia Riverside e pela Universidade do Texas Arlington, os sistemas de IA vão consumir de 4,2 a 6,6 bilhões de metros cúbicos de água em 2027. Isso sem falar na emissão de gás carbônico e na geração de lixo eletrônico.
Por um lado, aliada no combate às catástrofes climáticas; do outro, parte do sistema que fomenta as mudanças climáticas. Se o paradoxo da IA no que diz respeito ao meio ambiente ainda não está bem resolvido na própria sociedade, de que forma esse tema pode aparecer dentro de sala de aula?
“A combinação entre IA e mudanças climáticas não é tão simples de compreender e nem de explicar aos estudantes”, afirma Sabrina Gonçalves, especialista em tecnologia educacional. “O professor precisa ter contato com o tema de forma suficiente para que ele se sinta tranquilo em trabalhá-lo com a turma. E isso passa por entender tanto sobre o funcionamento da IA como sobre o clima”, completa.
IA e educação climática na prática
Apesar da complexidade dos dois temas, Sabrina diz que o desafio pode ser resolvido com uma “pitada de atualização” no que já é feito em sala de aula e inserir a camada de tecnologia às aulas sobre meio ambiente. A IA pode tornar a aula mais interessante, permitindo que os alunos visualizem como os sistemas de predição climática funcionam, e para fomentar uma discussão ética a respeito do impacto dos avanços tecnológicos e dos sistemas de geração de energia no meio ambiente.
Para Sabrina, isso pode ser feito tanto em atividades simples quanto em projetos mais complexos. O importante é não perder oportunidades de juntar as duas temáticas. “Imagine um aluno de 6º ano que tem contato com o tema agora. Na aula de Matemática, o professor explica como o sistema de IA organiza os dados e, de forma combinada, o professor de Ciências fala sobre meteorologia e previsão do tempo com uso de IA. O mesmo aluno, lá no 7º ano, pode ter contato com o tema em uma outra parceria entre Geografia e História, aprofundando as relações. E quando chegar ao 8º ou ao 9º ano, participará de um projeto sobre Banco de dados e IA preditiva, por exemplo. Tudo se soma, progredindo no ciclo de aprendizagem”, exemplifica Sabrina, que nota que o mesmo aluno pode ser impactado por essas reflexões várias vezes no ano letivo e na sua história de vida escolar.
Clima de COP 30
Exemplos interessantes da intersecção entre IA e meio ambiente foram colocados em prática no Pará. Desde o ano passado, o estado que receberá a COP 30 tornou a educação ambiental um componente curricular obrigatório em todas as etapas de ensino. Além disso, investiu em tecnologia, com a criação do Centro de Inovação e Sustentabilidade da Educação Básica (Ciseb), em Belém.
O Ciseb recebe estudantes das escolas regulares da região metropolitana de Belém para desenvolverem imersões em seis salas, cada uma com uma temática diferente. Uma delas abriga a trilha de aprendizagem sobre IA.
Nas imersões, os estudantes colocam a mão na massa e desenvolvem soluções tecnológicas para problemas ambientais. Um dos exemplos é a criação de uma esteira que faz a separação do lixo de forma automática. Para criá-la, os alunos utilizam sistemas de IA, além de pesquisar sobre os diferentes tipos de resíduos e seus impactos ambientais.
Outro projeto é a criação de um jornal que veicula os maiores problemas ambientais da escola ou do bairro, e traz suas possíveis soluções. A IA auxilia tanto nas pesquisas como na diagramação. “Nesse projeto, aproveitamos para falar de cultura digital. Discutimos muito o papel das redes sociais, para que os alunos não estejam só consumindo conteúdo, mas também sendo protagonistas”, afirma Célia França, professora do Ciseb.
Outra imersão permite que os estudantes construam uma sementeira com ajuda da impressora 3D. Nesse caso, a IA ajuda na prototipagem. “Os estudantes pesquisam sementes da Amazônia, algumas ameaçadas de extinção, e depois levam a sementeira para a escola para planejar um reflorestamento”, conta Célia.
Uma das participantes dos projetos do Ciseb é Samiah Lopes, estudante do 9º ano da Escola Estadual Marechal Cordeiro de Farias, em Belém. Medalhista de prata na 1ª Olimpíada Nacional de Inteligência Artificial (Onia), ela participou em julho de um seminário nacional organizado pelo Ministério da Educação (MEC) em Brasília. “Foi uma experiência muito legal. Desde que eu comecei a estudar IA, no ano passado, eu me interessei pela área. Dá para aplicar IA em muitos aspectos relacionados ao meio ambiente”, comenta Samiah.
“Precisamos dar oportunidade aos nossos estudantes que eles sejam protagonistas”, defende Célia, embora reconheça que a realidade do Ciseb é bastante diferente das escolas Brasil afora. No centro, além de tempo disponível sem preocupação com o conteúdo programático, os docentes também acessam uma vasta infraestrutura tecnológica. Para transpor esses exemplos para a sala de aula, ela sugere que os professores se unam em projetos interdisciplinares. “Professores parceiros fazem muita diferença na vida dos estudantes”, afirma.
Rafael Herdy, coordenador do Ciseb, sugere ainda que a discussão sobre o uso de tecnologias apareça em todos os trabalhos. Mesmo abordando outra temática, como a educação climática, a IA pode sempre aparecer como um conteúdo, que se desdobra entre seu funcionamento e as questões éticas que a envolvem.
“Temos focado em formar o nosso estudante no uso ético e consciente da IA para que ele não a use como uma ferramenta que gera um produto final. Ela pode entregar e aprimorar ideias, mas exige criticidade e transformação pelo aluno e pelo professor, que se tornam curadores e autores do produto final”, afirma Rafael.
Como usar IA para falar de mudanças climáticas em sala de aula

Quando há a oportunidade e a infraestrutura adequada, vale apostar em grandes projetos mão na massa. Mas, e quando não há? Segundo Sabrina, dá para trabalhar IA e educação ambiental de formas simples, inclusive de maneira desplugada. “O objetivo é que esses temas apareçam na rotina normal do professor, compreendendo as barreiras que existem nas diferentes redes de ensino”, defende.
Saiba mais sobre IA desplugada
A recente nota técnica Inteligência Artificial Desplugada na Educação, publicada pelo NEES da Universidade Federal do Alagoas propõe a IA Desplugada como caminho para democratizar a inovação educacional, levando IA às escolas com pouca infraestrutura e promovendo equidade digital no sistema educacional brasileiro.
A especialista dá exemplos de planos de aula que estão sendo produzidos pela Nova Escola:
Tema: Furacão Katrina (Anos Finais do Ensino Fundamental)
Além de ensinar o que é um furacão e seus impactos, o professor de Ciências pode também ajudar os alunos a compreenderem como os sistemas de IA detectam imagens e identificam o fenômeno, realizando previsões.
Tema: Ciclos do dia e das estações (Anos Iniciais do Ensino Fundamental)
A relação com a IA pode ser identificada em padrões observados pelos próprios estudantes. “Veja, não é nada muito além. É um passo extra, uma camada leve, mas intencional, na mediação do professor”, defende a especialista.
Tema: Leitura de infográficos sobre fenômenos climáticos (Anos Finais do Ensino Fundamental)
O professor de Língua Portuguesa pode explorar perguntas sobre a análise de dados, fomentando a reflexão sobre as informações previstas por IA.
Em nenhum dos exemplos anteriores é necessário usar, de fato, recursos tecnológicos. “Sugiro que o trabalho seja feito de forma desplugada pois, no momento atual, acredito que precisamos entender o papel da IA, entender o sistema e seus diferentes impactos e benefícios. Não necessariamente usar o sistema”, argumenta Sabrina. E ela emenda uma crítica: “estamos olhando muito para o recurso e pouco para o que o estudante precisa aprender”. Além disso, precisamos assumir que muitas escolas não contam com infraestrutura suficiente para maiores avanços técnicos.

Uma atividade desplugada foi desenvolvida pela professora Marcela Saramela com a turma de 3º ano da EM Jael da Silva Barradas, em Boa Vista (RR). O projeto sobre a crise do plástico e suas consequências nos oceanos foi apresentado pelos estudantes na feira de ciências.
Em uma sequência didática de 12 aulas, Marcela explorou a temática, conduzindo os alunos por pesquisas e atividades mão na massa, como coletar materiais recicláveis no entorno da escola para produzir brinquedos. “Foi um trabalho de conscientização que levou os alunos a interligarem o oceano com o local onde vivemos. Temos o Rio Branco, que deságua no Rio Amazonas, que vai desaguar no mar. Então, mesmo longe dele, somos responsáveis por sua preservação e a poluição marítima têm consequências”, comenta a professora.
No projeto, a IA apareceu dentre os conteúdos pesquisados. Os alunos exploraram o uso da IA para mapear plástico nos oceanos, e discutiram possíveis soluções. Tudo de forma desplugada, apenas explorando a temática. “Aqui na escola é difícil. Tem dia que não tem internet, tem dia que os tablets estão ocupados”, comenta Marcela.

Além das atividades offline, Sabrina propõe que as escolas incentivem o trabalho com o tema para além das salas de aula. Na visão da especialista, os grêmios estudantis e outras estruturas coletivas são bons espaços para trabalhos alternativos usando IA. Os alunos podem criar sozinhos um jornal usando o Canva. Ou produzir textos e cartazes com revisão do ChatGPT. “É a utilização da IA como instrumento de expressão. Nesse caso, ela é genérica, mas o professor pode propor um desafio sobre educação climática. Também é um caminho”, sugere.
3 ferramentas de IA para trabalhar mudanças climáticas
Para as escolas que têm infraestrutura tecnológica, existem algumas ferramentas interessantes de IA que podem ser usadas para explorar a temática ambiental. Elas são capazes de tornar a aprendizagem mais atraente e fácil de entender. Confira:
1. Teachable Machine: usada para criar modelos de aprendizado de máquina, pode reconhecer fotos e sons. Permite, por exemplo, ajudar os alunos a criar um sistema de reconhecimento de imagens do céu para prever chuvas ou outros eventos climáticos. Essa também é a ferramenta usada pelos alunos do Ciseb para reconhecer o lixo.
2. Canva: O programa de design conta com vários recursos de IA que podem apoiar os estudantes na criação de cartazes, jornais, publicações para redes sociais, infográficos e outros materiais de comunicação. É possível, por exemplo, criar campanhas de conscientização ambiental.
3. App Inventor: Criada pelo MIT, a ferramenta permite que qualquer pessoa, inclusive uma criança, crie aplicativos funcionais, mesmo sem conhecer a fundo linguagens de programação. O App Inventor também é usado nos projetos de sustentabilidade do Ciseb, e pode servir para criar apps que solucionem problemas ambientais do entorno da escola.




