Educação & Cultura
Projetos dão voz aos estudantes e valorizam a diversidade na sala de aula
Finalistas do 27º Prêmio Educador Nota 10 na categoria Direitos Humanos mostram como a Educação pode ser um espaço de garantia de direitos, reconhecimento da identidade e transformação social
O Prêmio Educador Nota 10, que neste ano de 2025 celebra sua 27ª edição, incentiva, promove e reconhece boas práticas educacionais realizadas por professores e gestores da Educação Básica de todo o país e que estejam alinhadas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. As categorias premiadas são Inovação e Tecnologia; Sustentabilidade; e Direitos Humanos.
Os primeiros, segundos e terceiros colocados de cada eixo temático receberão, respectivamente, R$ 25 mil, R$ 20 mil e R$ 15 mil. Eles também terão direito a bolsas integrais de pós-graduação do Instituto Singularidades e acesso à PROFS, plataforma online de formação continuada para educadores desenvolvida pela SOMOS Educação.
Além disso, os professores responsáveis pelos projetos indicados ao 1º lugar de cada categoria concorrerão ao título de Educador do Ano, e as escolas onde atuam terão acesso à plataforma de correção de redações Red1.000. O grande vencedor receberá ainda uma doação de R$ 25 mil para a escola, a ser usada em produtos e/ou serviços.
Conheça a seguir as três iniciativas finalistas na categoria Direitos Humanos, que mostram como a Educação pode ser um espaço de garantia de direitos, valorização da diversidade, fortalecimento da identidade e transformação social.
Estudantes da EJA e o trabalho doméstico
Destinada a quem não teve a oportunidade de concluir a Educação Básica na idade regular, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) enfrenta uma série de desafios — entre eles, o fato de os alunos precisarem conciliar os estudos com o trabalho e outras responsabilidades. Nesse contexto, um dos eixos estruturantes do currículo dessa etapa é o “mundo do trabalho”, que conecta o aprendizado às experiências profissionais e ao cotidiano dos estudantes.
Inspirada por essa perspectiva freiriana, a professora Lidiane Silva Pereira dos Santos, da EJA do Colégio Santa Cruz, em São Paulo (SP), desenvolveu o projeto “Voz de levante das trabalhadoras domésticas, estudantes da EJA”. A iniciativa buscou refletir sobre a emancipação dessa categoria profissional por meio da leitura, da oralidade, da produção escrita e da análise linguística.
O ponto de partida foi uma sondagem com os estudantes para identificar quais temas do universo do trabalho despertavam maior interesse ou inquietação. A partir desse diagnóstico, Lidiane propôs a leitura do capítulo “Doméstica”, do livro Diário de Bitita, de Carolina Maria de Jesus, que retrata experiências de exploração e injustiça vividas pela autora enquanto mulher negra e trabalhadora doméstica. “Os alunos se reconheceram nas histórias de abusos, assédios e desvalorização. Muitos relatos surgiram a partir de experiências próprias, especialmente de mulheres que também exerciam o trabalho doméstico”, conta a professora.
Como docente de Língua Portuguesa, Lidiane escolheu o gênero textual entrevista como eixo metodológico do projeto. “Trouxe uma entrevista impressa e, a partir dela, trabalhamos o gênero: o que é, como ela é feita, finalidade, quais tipos de perguntas são mais adequadas, quais pronomes interrogativos usar, etc.”, explica. Após esse estudo inicial, os estudantes realizaram entrevistas orais, refletindo sobre a origem do trabalho doméstico no Brasil e os motivos que o tornam ainda hoje tão desvalorizado.

Entre as entrevistadas esteve a deputada Ediane Maria, ex-trabalhadora doméstica, cuja trajetória inspirou os alunos. “Eu e a coordenadora assistimos juntas ao vídeo da entrevista feita pelos estudantes e selecionamos os trechos mais significativos. Cada dupla ou trio de alunos ficou então responsável por retextualizar partes do material, aprendendo a transformar a linguagem oral em escrita”, detalha Lidiane.
O projeto também dialogou com outras áreas. Um professor apresentou o Canva, plataforma usada pelos alunos para diagramar as entrevistas e montar um pequeno jornal. No encerramento do semestre, os estudantes compartilharam seus trabalhos em um evento aberto à comunidade escolar, promovendo uma roda de conversa sobre direitos e emancipação.
“Por meio do projeto, muitos passaram a se ver como sujeitos de direitos e a reconhecer as situações de exploração em que vivem. Foi como dar um grito de liberdade – um ato de denúncia e também de emancipação. Como ensina Paulo Freire, a gente se apropria das palavras para poder ler melhor o mundo e, depois, dizer a nossa realidade”, conclui Lidiane.
Projeto: “Voz de levante das trabalhadoras domésticas, estudantes da EJA”
Educadora: Lidiane Silva Pereira dos Santos
Escola: Colégio Santa Cruz
Cidade:São Paulo (SP)
Por que é inovador? Integra leitura, oralidade e escrita para abordar a realidade do trabalho doméstico e a emancipação da classe trabalhadora, envolvendo entrevistas e retextualização.
Identidade e pertencimento na Educação Infantil
Na escuta atenta das crianças da EMEI Parque Bologne, localizada em um bairro periférico da zona sul de São Paulo (SP), a professora Renata Moura dos Santos percebeu algo que a inquietou: muitas delas tinham um olhar pejorativo sobre o próprio território e sobre si mesmas. “Ouvíamos algumas crianças se referindo a outras como ‘favelado’, ‘pobre’, como se fosse um insulto”, recorda.
A partir dessa constatação, nasceu o desejo de transformar a maneira como as crianças se viam e se relacionavam com o lugar onde vivem. “Queríamos que reconhecessem a importância de sua identidade e de seu território como algo potente, digno de orgulho”, destaca a educadora. Assim surgiu o projeto “Pra ver se me enxergo!”, que trouxe para a sala de aula referências artísticas negras e periféricas, por meio de leituras, conversas e arte.
O projeto incluiu a apresentação e visita de artistas, fotógrafos e escritores de territórios periféricos, como Otávio Júnior. Em seu livro Da minha janela, ele narra, de forma poética, as pessoas e cenas que observa de sua casa em uma favela – os trabalhadores, a escola, as casas, as caixas d’água. Inspiradas por essa leitura, as crianças também registraram o mundo visto de suas janelas.
Outra presença marcante foi a do fotógrafo Marcelino Melo, o “Quebradinha”, morador do bairro Campo Limpo, na capital paulista. “Ele veio conversar com as crianças, contar sua trajetória e mostrar como transformou o olhar sobre a própria favela em arte. Elas entenderam que também podem usar a fotografia e a arte para contar suas histórias”, conta Renata.
As crianças conheceram ainda o trabalho da fotógrafa Angélica Dass, que viaja o mundo catalogando diferentes tonalidades de pele – mais de quatro mil até agora. “Mapeamos essas referências que fortalecem a autoestima e o reconhecimento da identidade. Então, as crianças convidaram funcionários, familiares e toda a comunidade escolar para escolher sua própria paleta de tons de pele. Em seguida, cada uma fez seu autorretrato, observando-se com o auxílio de um espelho”, descreve a professora.

Na etapa seguinte, todos foram fotografados para compor um grande painel da comunidade escolar – um retrato coletivo da diversidade e da beleza presentes na escola. “A ideia é simples, mas poderosa: onde a gente não se vê, a gente não se pensa, não se projeta. Ver-se é existir”, resume Renata.
O projeto também contou com o apoio de coletivos locais, como Favelas da Paz e Quebrada Orgânica, reforçando a importância das parcerias entre escola e comunidade. “Com a Educação, podemos transformar práticas e percepções. É um processo diário, mas sempre digo que construir é mais fácil que desconstruir. Quando a criança se envolve com o lugar onde vive, ela passa a lutar para transformá-lo”, afirma a professora.
Projeto: “Pra ver se me enxergo!”
Educadora: Renata Moura dos Santos
Escola: EMEI Parque Bologne
Cidade: São Paulo (SP)
Por que é inovador? Trabalha identidade e autoestima na Educação Infantil por meio da arte e da literatura, fortalecendo o pertencimento e o apreço pelo território e pela cultura local.
Literatura e empoderamento nos Anos Finais do Fundamental
No interior da Bahia, em João Dourado, a professora Maria Cristina Bezerra de Lima Castro, que dá aulas de História na Escola Municipal Professora Ida Bastos, percebeu que estudantes negros e quilombolas dos Anos Finais do Ensino Fundamental enfrentavam situações recorrentes de racismo e bullying. “A escola atende alunos do bairro e também de comunidades quilombolas. Durante muitos anos, íamos aos territórios, conversávamos com os moradores, com os líderes locais, mas percebi que falávamos mais do que ouvíamos”, conta.
Foi em momentos de escuta individual dos alunos que a educadora se deu conta da dimensão do problema. Os estudantes quilombolas começaram a compartilhar o incômodo que sentiam. “Uma aluna se queixou de comentários sobre seu cabelo e sua cor; outro ouviu que era ‘filho de escravo’. Naquele momento, entendi que precisávamos agir de outra forma”, recorda.
Assim nasceu o projeto “Eu Vejo Você: o Clube da Leitura Antirracista”, que promove uma Educação inclusiva e representativa por meio da literatura. Ele foi criado como parte de uma iniciativa que existe desde 2005, o Projeto Consciência Negra. “A leitura sempre nos leva à conversa, ao diálogo, à transformação. O clube surgiu da necessidade de criar um espaço de escuta e pertencimento, fortalecendo a autoestima e valorizando a identidade desses estudantes”, explica Maria Cristina.

Entre os livros lidos pela turma estiveram Na minha pele, de Lázaro Ramos, Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, e Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado. “Primeiro, eu fazia a leitura da sinopse e, a partir daí, os alunos escolhiam os livros que mais os tocavam.
Das três aulas semanais de História, uma passou a ser dedicada exclusivamente à leitura. Metade da turma seguia com a professora para a biblioteca, enquanto a outra ficava em sala realizando atividades. As discussões eram mediadas ora pela educadora, ora pelos próprios alunos. “Lembro de um deles dizendo: ‘É a primeira vez que vejo a história da minha vida sendo contada por alguém’”, relata a professora.
A cada livro, um convidado especial se juntava à turma, como a secretária de Assistência Social da cidade, que foi à escola para comentar o livro Quarto de despejo. Uma psicopedagoga também falou sobre beleza negra e autoestima a partir de Menina bonita do laço de fita.
O projeto não apenas ampliou o repertório literário dos alunos, como provocou mudanças na comunidade escolar. “Hoje, os alunos quilombolas se sentem mais confiantes e reconhecem seu valor. Criamos um comitê antirracista, formado por professores, gestores, alunos e funcionários, para garantir que ninguém mais seja silenciado”, comemora Maria Cristina.
Projeto: “Eu Vejo Você: o Clube da Leitura Antirracista”
Educadora: Maria Cristina Bezerra de Lima Castro
Escola: Escola Municipal Professora Ida Bastos
Cidade: João Dourado (BA)
Por que é inovador? Por meio da leitura, foi criado um espaço seguro e inclusivo para reflexão sobre identidade, racismo e diversidade, promovendo o protagonismo e o empoderamento dos estudantes.




