Internacional
Estudantes desafiam Teerã por morte de Mahsa Amini
Manifestações estudantis pela jovem de 22 anos que desafiou a polícia moral se disseminam no país. Repressão do governo já matou pelo menos 185, segundo entidades de direitos humanos
Apesar do acesso difícil à internet, novas fotos e vídeos continuam aparecendo nas mídias sociais todos os dias mostrando protestos em várias partes do Irã, inclusive nas universidades, pela morte da jovem Mahsa Amini sob custódia policial.
Como neste sábado (08/10), quando foi divulgado um vídeo nas mídias sociais mostrando universitárias entoando coro contra o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, durante uma visita do político a um campus universitário.
Raisi falou para professores e alunos da Universidade Alzahram de Teerã, recitando um poema que equiparava “desordeiros” com moscas, em referência às manifestações em todo o país, que entraram na quarta semana.
“Eles imaginam que podem alcançar seus objetivos malignos em universidades”, disse Raisi, o presidente iraniano, segundo a TV estatal. “Sem que eles soubessem, nossos alunos e professores estão atentos e não permitirão que o inimigo realize seus objetivos malignos.”
Um vídeo postado no Twitter por ativistas iranianos mostrou o que parecia ser estudantes do sexo feminino cantando “Raisi vá embora” e “Mulás deem o fora”, no momento em que o presidente visitava o campus. Outro vídeo postado na mídia social mostrou estudantes cantando: “Não queremos visita de corrupto”, em referência a Raisi.
Atos contra estudantes presos
No início de outubro na Universidade Firdausi, em Mashhad, a segunda maior cidade do país, estudantes foram filmados exigindo a libertação de todos os seus colegas detidos, particularmente os da Universidade Sharif em Teerã, presos poucos dias antes, por organizar uma manifestação pacífica no campus.
Policiais e milícias isolaram o campus, cercaram os estudantes e chegaram a atirar neles. Inúmeros vídeos publicados na internet mostram uma verdadeira caçada aos universitários. Vários professores da universidade de elite também foram espancados com cassetetes. Não há notícias de feridos ou mortos. Segundo a mídia iraniana, pelo menos 37 estudantes foram presos na ocasião.
“Eles querem intimidar os universitários”, acusa uma mulher de 50 anos, pedindo anonimato. Ela tem dois filhos universitários. “Toda vez que eles saem do apartamento, meu coração dispara e sinto náuseas, até eles voltarem. Não estamos indo bem. Estamos tristes e revoltados. Ficamos chocados com a morte de Mahsa Amini. Ela poderia ter sido minha filha.”
Violência letal
A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, que havia sido presa pela polícia moral iraniana por não usar o véu islâmico de forma adequada e morreu três depois sob custódia policial, desencadeou a nova onda de protestos no Irã. As autoridades iranianas afirmam que a jovem morreu em razão de uma doença e não por ter sido espancada.
As forças de segurança tentam reprimir os protestos com violência. Organizações de direitos humanos registram que pelo menos 185 cidadãos já foram mortos, inclusive 19 crianças.
As autoridades iranianas usaram deliberadamente força letal para reprimir os protestos, informou no fim de setembro a organização de direitos humanos Anistia Internacional. As autoridades mobilizaram “sua bem afinada máquina de repressão” para coibir impiedosamente os protestos em todo o país.
“A solidariedade dos estudantes com os manifestantes pode se tornar um desafio para o poder estatal”, salienta o especialista em Irã Hamidreza Azizi, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), em entrevista à DW. Azizi lecionou de 2016 a 2020 como professor assistente na Universidade Shahid Beheshti em Teerã.
Contando 84 milhões de habitantes, o Irã tem mais de 200 universidades e faculdades, e tradicionalmente os estudantes desempenham um papel central nos movimentos de protesto, “durante a revolução de 1979, mas também depois, por exemplo, nos movimentos de protesto de 1998 e 2009”, lembra Azizi. “Os universitários fornecem apoio intelectual e têm o potencial de mobilizar diferentes setores da sociedade, pois eles próprios vêm de todas as classes sociais.”
O poder estatal está ciente do potencial de protesto dos estudantes: atualmente não há movimento estudantil organizado no Irã. Após os protestos de 2009 em todo o país, todas as associações estudantis independentes foram fechadas, suas atividades, proibidas, e seus principais membros, presos.
“Além disso, novas regras para alocação de vagas de estudo foram aplicadas”, acrescenta Hamidreza Azizi. “Assim, o maior número possível de jovens estuda onde vive, permanecendo assim sob a supervisão das famílias, em vez de morar em dormitórios, em constante contato com outros estudantes.”
“Os dormitórios estudantis, especialmente em Teerã, estão entre os primeiros lugares visados durante movimentos de protesto. Em 1998 e 2009, as forças de segurança invadiram os dormitórios e prenderam arbitrariamente muitos alunos. Os estudantes podem não ser organizados, mas não devem ser subestimados, assim como os protestos nas escolas.”
Protestos nas escolas
No Irã, meninas e meninos têm aula separados desde o primeiro ano de escola até se formarem. No entanto os rígidos regulamentos de vestuário para meninas também se aplicam nas escolas.
Há dias circulam nas mídias sociais vídeos mostrando meninas queimando os lenços de cabeça em suas escolas e gritando “Morte ao ditador”. Também há protestos nas escolas masculinas, em solidariedade às meninas. “Se ao menos fossem coordenados”, lamenta a jornalista iraniana Moloud Hajizadeh.
Ela foi presa várias vezes por suas reportagens críticas sobre a repressão dos movimentos de protesto no país. Mais recentemente, foi condenada a um ano de prisão em janeiro de 2021. Mas pouco antes de iniciar sua sentença, ela fugiu do Irã e agora vive na Noruega.
“Os protestos acontecem isolados uns dos outros e não duram muito. Os estudantes sempre foram os precursores de importantes movimentos de protesto no Irã. Eles teriam que deixar o campus, onde poderiam ser facilmente cercados, deveriam se juntar aos manifestantes na rua e até mesmo assumir um papel de liderança”, diz Hajizadeh. “Então, poderíamos falar de uma dimensão diferente do movimento de protesto, que teria o poder de trazer grandes mudanças.”