Internacional
Os horrores dos abusos infantis de Bergisch Gladbach
Em outubro de 2019, uma operação de busca na casa de Jörg L. iniciou a maior investigação sobre pedofilia da história da Alemanha, com milhares de suspeitos. O julgamento do principal envolvido começou em Colônia.
A casa não muito longe de Colônia não tem nada fora do comum, dois andares, telhado plano, jardim da frente bem cuidado: a fachada externa de uma vida normal. “Os vizinhos os descreveram como uma família simpática e normal”, lembra a policial Lisa Wagner, que participou da operação de busca na residência de Jörg L., na manhã de 21 de outubro de 2019.
Os filmes e fotos de pornografia infantil que a polícia encontrou na casa do homem de 43 anos levaram à maior investigação sobre abuso sexual infantil da história da Alemanha.
O julgamento do principal envolvido no caso
começou nesta segunda-feira (17/08) em Colônia. Jörg L., cozinheiro e gerente de hotel, é acusado de abusar sexualmente, de forma repetida, da filha nascida em 2017, quando sua esposa, mãe da menina, não estava por perto. A acusação afirma que ele filmou a maior parte dos abusos e compartilhou as gravações e fotos em grupos de bate-papo. Os abusos teriam começado quando a criança tinha menos de 3 meses.
A polícia de Colônia formou uma força-tarefa especial para o caso. Atualmente 130 investigadores ainda estão vasculhando terabytes de arquivos de vídeo e imagens, embora em determinados momentos estiveram envolvidos muitos mais policiais, que tiveram que assistir a cenas de extrema violência sexual contra menores de idade.
“Acho que imagens e vídeos como esses vão sempre deixar sua marca em quem os assiste, até mesmo em investigadores experientes”, comentou a pol
Imensa rede de abuso
Cada um desses 87 casos produz novas pistas que levam a novos suspeitos. Hartmann explicou à DW que “não se trata de casos individuais de abuso: por trás de cada um existe uma rede de estruturas de comunicação que, de acordo com nossa avaliação atual, ajuda, estimula e encoraja abusos”.
A dimensão total da rede ainda não está clara. No fim de junho, o secretário de Justiça da Renânia do Norte-Vestfália, Peter Biesenbach, comunicou que os investigadores haviam encontrado pseudônimos e histórias de mais de 30 mil potenciais criminosos. Biesenbach fala de uma “nova dimensão de crime” que o deixou “com vontade de vomitar”.
Os investigadores encontraram grupos de bate-papo com até 1.800 membros. Segundo Hartmann, “ao se comunicarem em chats, os envolvidos se reforçam mutuamente na crença de que o abuso sexual de crianças é uma preferência sexual socialmente aceita”.
Nos grupos há um “nível considerável de percepção distorcida”: a consciência de que se estão cometendo os crimes mais repugnantes é amainada pela comunicação com quem compartilha ideias semelhantes. “As pessoas nos grupos se confirmam mutuamente umas às outras que isso é realmente algo normal, a ponto de imaginarem estarem cometendo esses crimes em consenso com as crianças envolvidas.”
Hartmann diz que a investigação combinou métodos tradicionais com a verificação de evidências digitais, levando os investigadores a redes de comunicação em todo o país e no exterior. Contudo são muitos os obstáculos à cooperação internacional, no tocante ao combate ao crime: diferentes sistemas políticos e jurídicos e outras formalidades podem dificultar a busca de um objetivo comum.
A prioridade absoluta no caso de abuso de Bergisch Gladbach é salvar as crianças, por isso a urgência é grande. Isso se reflete no trabalho dos investigadores: “Tivemos casos na Europa em que fomos capazes de coordenar as operações com nossos respectivos parceiros internacionais em poucas horas”, conta Hartmann.
Sem dúvida, trata-se também de um problema europeu: em 24 de julho, a Comissão Europeia publicou uma nova estratégia para combater o abuso sexual infantil, citando uma avaliação do Conselho Europeu de que uma em cada cinco crianças sofre alguma forma de abuso sexual.
De acordo com estatísticas da polícia, em 2019 houve 15.936 denúncias de violência sexual contra menores, bem como 12.262 de pornografia infantil. Além disso, ocorreram cerca de 3 mil casos de corrupção de menores – em que adultos manipulam crianças na internet com o objetivo de cometer crimes sexuais. O número real é provavelmente muito mais alto.
Punição não basta
Há quase nove anos, Johannes-Wilhelm Rörig é o encarregado do governo alemão para questões relacionadas a abuso sexual. Ele vinha alertando há anos sobre a natureza pandêmica do abuso sexual, exigindo que seu enfrentamento se tornasse uma prioridade nacional. “Os criminosos vêm de todas as classes sociais. O problema da violência sexual contra crianças, organizada tanto por meio de canais analógicos quanto digitais, é um problema para a sociedade como um todo”, afirma, em entrevista à DW.
Ele se diz contente com a nova atenção dada à questão a partir das revelações de Bergisch Gladbach e de outros casos na Alemanha, mas lamenta que o debate se concentre tanto na condenação e na questão do rigor da punição: “A ameaça de punições mais severas, por si só, não bastará para enfrentar o gigantesco fenômeno do abuso sexual de crianças e da violência sexual na internet. É importante os investigadores receberem ferramentas mais eficazes, para aumentar as chances de os agressores serem descobertos.”
Para o promotor Hartmann, de Colônia, cada criminoso identificado já é um sucesso, “porque isso também ajuda a identificar uma vítima e lhe fornecer ajuda”.
A ajuda veio tarde para a filha de Jörg L.. No total, os promotores o acusam de 79 crimes, parte dos quais cometida juntamente com um parceiro de chat, um ex-soldado do Exército alemão da cidade de Kamp-Lintfort, que confessou ter levado a filha e o enteado aos encontros para práticas sexuais. No fim de maio, o homem de 27 anos foi condenado a dez anos de prisão por abuso sexual grave.
Se condenado, Jörg L. pode pegar até 15 anos de prisão. “Esses criminosos saíram totalmente do controle e, nesses fóruns de internet, perderam completamente a noção do que normalmente carregamos dentro de nós como princípios humanos.” Por isso, além de punição, eles precisam urgentemente de terapia e ajuda, pleiteia Johannes-Wilhelm Rörig.