Internacional
Berlim terá museu dedicado a histórias de exilados
Perseguidos pelo regime nazista, mais de 500 mil alemães fugiram para o exterior durante esse período. Previsto para ser inaugurado em 2025, futuro Museu do Exílio contará algumas destas biografias.
Dois anos após a criação de uma fundação, o Museu do Exílio começa a ganhar contornos na Alemanha. Desenvolvido pelo escritório de arquitetura Dorte Mandrup, de Copenhague, o projeto do local foi apresentado na última sexta-feira (14/08) em Berlim. Com previsão de inauguração em 2025, na capital alemã, o museu deve retratar a história do exílio alemão durante o regime nazista.
“De uma ideia nasce um local”, disse o ex-presidente alemão Joachim Gauck, que é patrono do museu, acrescentando que as histórias por trás dos destinos dos exilados, além de inspirar compaixão, irão ensejar a “admiração pela determinação que elas representam”.
Por meio de sua fuga, muitos emigrantes salvaram inclusive a própria história cultural alemã, com alguns alcançando um sucesso considerável no exílio. Gauck traçou paralelos com o presente e falou sobre os refugiados de hoje que buscam proteção contra perseguição, guerra e fome. “Nosso tempo também é marcado por milhões de pessoas que não podem mais viver em sua terra natal.”
Com a queima de livros em 1933 e o chamado “alinhamento” da arte, do cinema e da literatura, os nazistas tentaram apagar a memória do modernismo. “Quem estava no exílio, até hoje ainda não é visto como vítima na Alemanha”, disse a patrona do projeto, a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura Herta Müller, que fugiu do serviço secreto da Romênia para a Alemanha em 1987.
O Museu do Exílio será construído onde ficava a antiga estação de trem Anhalter Bahnhof, destruída na Segunda Guerra Mundial. Para Müller, não há local melhor para abrigá-lo. Segundo ela, estações de trem são “parábolas de chegada e despedida”. A ruína preservada da entrada da antiga Anhalter Bahnhof é ainda um marco para aqueles que na época foram “arrancados da vida cotidiana por serem judeus ou democratas, Sinti, Roma ou homossexuais”, acrescenta Müller.
Situada no bairro de Kreuzberg, a Anhalter Bahnhof foi uma das mais importantes estações de trem de longa distância em Berlim durante o Império Alemão e também na República de Weimar. Foi por ela que muitos exilados deixaram a cidade após a ascensão dos nazistas e especialmente após a tomada do poder por Adolf Hitler em janeiro de 1933. A partir de 1942, o local também foi usado pelos nazistas para deportar judeus para o campo de concentração de Theresienstadt.
Em 1959, o hall da estação histórica foi detonado para dar lugar a um novo edifício que nunca saiu do papel. O portal de entrada só foi preservado devido a protestos públicos. Agora ele deve ser integrado ao novo prédio do Museu do Exílio, que será construído em um terreno baldio atrás da colunata. A quadra esportiva que fica ao lado também deve ser preservada – como um símbolo da integração da vida urbana de hoje.
O projeto arquitetônico do Dorte Mandrup foi escolhido por um júri entre nove trabalhos inscritos. Ele consiste numa construção côncava englobando a ruína e prevê uma área total de 3,5 mil metros quadrados. Além das exposições permanentes e temporárias, está prevista uma “sala do local”, que contará a história da Anhalter Bahnhof. Também será criado um espaço para atividades culturais e de lazer.
Museu também para exilados desconhecidos
O foco das exposições não será tanto em objetos, e sim em biografias em formato multimídia. “Na história do exílio, não há nenhuma Nefertiti que possa ser exibida”, disse o diretor do futuro museu Christoph Stölzl, que por muitos anos chefiou o Museu Histórico Alemão em Berlim, em alusão ao famoso busto que a cidade tem sob sua custódia. As histórias de vida, portanto, terão que ser recuperadas. “Será uma narrativa emocionante.”
O número de emigrantes alemães famosos, como Thomas Mann e Albert Einstein, por exemplo, que puderam continuar seu trabalho no exterior e que em alguns casos obtiveram grandes sucessos na arquitetura, literatura ou no campo da ciência, é consideravelmente menor do que o de refugiados da Alemanha nazista que não deixaram obras significativas para a posteridade e permaneceram anônimos.
Muitos deles não tinham permissão para trabalhar nos países de destino, muito menos em suas profissões verdadeiras. Com isso, acabavam perdendo casa, amigos e família, bem como sua identidade cultural e profissional. Muitos empobreciam ou eram agredidos no novo ambiente e alguns chegaram a tirar a própria vida, pois não conseguiram construir uma nova no exílio.
Há décadas, pesquisas documentam a história do exílio na Alemanha, com cerca de 500 mil nomes registrados atualmente em um banco de dados, segundo Stölzl. Ele se diz confiante de que, em alguns casos, até mesmo as biografias de emigrantes desconhecidos poderão ser reconstruídas.
O projeto do museu partiu de uma ideia da escritora Herta Müller, que, em 2009, defendeu sua criação em uma carta aberta à chanceler federal alemã, Angela Merkel.
Criada posteriormente, a “Fundação Exilmuseum Berlin” é uma iniciativa puramente privada. A ideia é que a construção seja financiada principalmente por meio de doações, com custos atualmente calculados entre 25 e 30 milhões de euros.
Para o financiamento inicial, o negociante de arte berlinense Bernd Schultz, que também faz parte da presidência da fundação, leiloou em 2018 valiosas obras de arte de sua coleção particular. O leilão arrecadou 6,3 milhões de euros, montante que servirá de base financeira para o novo edifício. O terreno pertence ao distrito de Friedrichshain-Kreuzberg, que também apoia o projeto e pretende arrendar o local para a fundação por um período inicial de 99 anos.