Internacional
Contra Trump, democratas tentam superar divisões
Partido Democrata é basicamente uma coalizão de diferentes grupos ideológicos, como ficou claro na convenção que selou a candidatura de Biden, Porém Trump une, “como um asteroide rumo à Terra”.
Conferências por vídeo estilo Zoom e clipes musicais inspiradores: a noite de abertura da convenção Democrata, nesta segunda-feira (17/08), foi diferente de todas as anteriores na história americana. A liderança do partido teve que transformar a grande festa originalmente planejada para Milwaukee, no Wisconsin, num evento inteiramente virtual por causa da pandemia de coronavírus.
Embora o raciocínio por trás dessa decisão tenha sido aceito por quase todos na festa, um ponto de discórdia tem sido a lista dos palestrantes que contribuiriam com entrevistas ao vivo ou mensagens de vídeo pré-gravadas para o evento que vai até esta quinta-feira,.
As principais atrações são claras: Joe Biden, candidato a presidente, e Kamala Harris, a postulante a vice. A ex-primeira-dama Michelle Obama e a atual presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, também são participantes de peso.
Mas quando foi revelado que a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, que ganhou fama nacional por sua franqueza e ideias políticas progressistas como o Green New Deal, teria apenas um minuto para falar, os democratas progressistas ficaram indignados.
Eles afirmam que o establishment democrata está tratando os progressistas com desrespeito, e criticam que AOC, como a deputada é conhecida, seja um dos poucas oradoras que não se enquadram no campo moderado dentro do partido.
A petição intitulada “Deixem a AOC falar”, que reuniu mais de 6.700 assinaturas antes da aparição dela, na terça-feira à noite, lembra: “A deputada Alexandria Ocasio-Cortez é uma das líderes do Partido Democrata mais respeitadas pelos jovens democratas e progressistas.”
“Ela é uma das três únicas oradoras latinas agendadas para a Convenção Nacional Democrata. É uma das duas conferencistas da convenção com menos de 50 anos de idade. No entanto, ganhou apenas 60 segundos para falar. É inaceitável.”
Emaranhado de ideias, pureza ideológica
A discussão da convenção é emblemática para os democratas como um todo: os Estados Unidos têm um sistema bipartidário, em que democratas e republicanos se alternam no poder. Porém o Partido Democrata consiste basicamente de uma coalizão entre diferentes grupos ideológicos. Num extremo do espectro, há moderados como Joe Biden, que esperam apelar para uma ala centrista de eleitores dos EUA.
Na outra ponta, mais à esquerda, estão progressistas como Bernie Sanders e Ocasio-Cortez. Já não muito entusiasmados em ter Joe Biden como candidato a presidente, vários de seus apoiadores se sentem excluídos pelos procedimentos da convenção.
Para Alan Minsky, diretor executivo da organização Democratas Progressistas da América, é preocupante que a mensagem da convenção tenha sido “marginalizar AOC”. “O que me preocupa é eles estarem desconsiderando a ala progressista do partido”, comentou à DW. “Eles estariam repetindo a estratégia de 2016, tentando captar eleitores indecisos de centro, e essa foi uma estratégia perdedora.”
Minsky está se referindo aos esforços de Biden para conquistar alguns ex-apoiadores de Trump. Com esse fim, na primeira noite da convenção alguns republicanos como o ex-governador de Ohio, John Kasich, explicaram por que votarão no candidato democrata, em vez de em Trump. Minsky e outros progressistas ficaram indignados com o fato de os republicanos estarem recebendo mais tempo para falar do que os próprios democratas.
A questão da convenção reforça a preocupação de que Biden e sua vice não estejam fazendo o suficiente para conquistar os jovens eleitores, notoriamente difíceis de serem levados às urnas. Muitos apoiaram a campanha de Sanders e são fãs de AOC, mas estão menos animados com Biden. Os democratas não podem se dar ao luxo de ignorá-los, diz Minsky.
Spencer Critchley, ex-conselheiro de campanha de Barack Obama, se diz um “progressista que acredita no progresso” ou um “radical moderado”. A seu ver, Biden e Harris não podem apelar apenas para um segmento do partido, “eles devem constituir uma coalizão vencedora”.
Segundo Critchley, nos últimos anos Sanders tem desempenhado papel importante em deslocar as posições políticas dos democratas mais para a esquerda, e o partido já é bastante progressista. Agora seria o momento para um consenso, e por isso incluir os oradores republicanos nos trabalhos da convenção foi uma ideia inteligente.
“Se pudermos trazer conservadores conscientes, temos que fazê-lo”, defende o estrategista. “Os progressistas são muitas vezes apegados demais a uma pureza ideológica. Eles deveriam atentar para a parte do ‘progresso’ do progressista. E aí você começa a progredir ganhando eleições”.
“Um asteroide gigante rumo à Terra”
Perder a eleição significaria mais quatro anos de Trump, e nada aproxima do que um inimigo comum. “Donald Trump é essencialmente o asteroide gigante em direção à Terra”, compara Critchley. “E isso unifica as pessoas.”
A democrata Cori Bush, por exemplo, candidata progressista a uma vaga na Câmara pelo Missouri, se diz apoiadora da Sanders desde 2015, “mas entendo que agora o senador Sanders não é candidato”, disse à emissora pública NPR. “Portanto, embora eu não concorde com tudo o que Joe Biden está apoiando, percebo que Donald Trump e seu governo estão prejudicando a minha comunidade”, argumentou a política negra.
No entanto, os democratas progressistas também deixaram claro que para eles a luta não terminará com uma eventual posse de Biden em janeiro de 2021. “Vamos ser grandes jogadores de equipe no apoio a Biden”, promete Minsky. “E então, uma vez realizada a eleição, não vamos ser tímidos em pressionar por políticas progressistas.”