CONCURSO E EMPREGO
Quando é possível anular questões de concurso público na justiça?
A concorrência nos concursos públicos está cada vez mais acirrada.
Por isso, cada ponto relativo a uma ou duas questões tem a sua relevância.
Pois pode significar se o candidato passou para a próxima fase, se vai ter a sua redação corrigida, se passou dentro das vagas ou no cadastro de reserva.
Ou seja, são diversas as situações em que o acréscimo de um ponto na nota pode mudar o destino do candidato no certame.
Acontece que, embora tenhamos boas bancas organizadoras de concursos públicos, é comum ocorrerem erros nos gabaritos das questões das provas, perguntas com duas respostas corretas, e até mesmo questões que fogem do conteúdo programático previsto no edital.
Aqui no escritório, recebemos diariamente candidatos que, ao constatarem alguma das situações acima, desejam ingressar uma ação na justiça para anular questões e terem as suas notas aumentadas.
Diante disso, vou lhe esclarecer neste texto quando realmente é possível anular questões de concurso público na justiça.
A supremacia dos critérios de formulação e correção de provas adotados pela banca examinadora
Eu compreendo perfeitamente a sua revolta quando se depara com questões passíveis de anulação no concurso público.
Até porque, como disse anteriormente, cada ponto significa muito.
E ser prejudicado por erro da banca não é nada fácil depois de vários meses ou anos de preparação.
Questões mal formuladas, com mais de uma resposta correta, ambíguas, e que cabem várias interpretações, são frequentes nos certames.
O que não deveria ser.
No entanto, mesmo diante de tais falhas, é baixa a probabilidade de êxito no pedido de anulação de tais questões através de uma ação judicial.
Ainda que você se valha de pareceres de especialistas no assunto abordado nas questões.
Falo isso porque, apesar de eu não concordar, o judiciário entende que deve prevalecer os critérios de formulação e correção das provas utilizados pela banca examinadora.
Não cabendo ao juiz substituí-la para renovar a correção das questões ou reavaliar as respostas apresentadas pelos candidatos para determinar o que é certo ou errado, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes.
Aliás, este assunto foi debatido pelo STF no julgamento do RE nº 632.853/CE, no qual fixou a seguinte tese:
“Os critérios adotados por banca examinadora de um concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário.”
Enfim, você até poderá encontrar decisões judiciais em que se anulou questões com os erros mencionados anteriormente, mas, infelizmente, são casos isolados.
Então, afinal, em qual situação é realmente cabível recorrer à justiça para anular uma questão de concurso?
Segundo o STF e o STJ, só é admitida anulação judicial de questões de concurso público quando flagrante a ilegalidade, por desrespeito às regras do edital, ou havendo erro grosseiro.
Mas o que seria isso?
Explico.
A primeira situação ocorre quando a banca examinadora insere uma questão na prova referente à matéria que não estava prevista no conteúdo programático do edital.
Por exemplo, cito a falha ocorrida no concurso público da PMDF para Oficiais Administrativos, Especialistas e Músicos (CHOAEM), de 2017:
- No edital ==> no tópico de Direito Constitucional, havia previsão no item 11 de: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas: segurança pública e organização da segurança pública, disposto no Capítulo III, do Título V, da CF.
- Na prova ==> tinham duas questões que faziam menção às Forças Armadas, que é um tema abordado no Capítulo II, do Título V, da CF.
Logo, este equívoco da banca violou os princípios da legalidade e da publicidade.
Uma vez que a matéria exigida na prova tinha que estar expressamente estabelecida no edital (lei do concurso), da forma mais clara possível, já que é dever da banca conferir total transparência ao certame.
A segunda hipótese para anulação acontece quando a questão ou a correção possui um erro manifesto, evidente.
Exemplos:
- Erro na questão ==> não ter uma resposta correta; questão formulada com base em norma revogada; etc.
- Erro na correção ==> o gabarito diverge diretamente do que está previsto na lei, súmula, ou qualquer outra norma; etc.
A propósito, na ocorrência das situações anteriores, isto é, ilegalidade ou erro grosseiro, posso te afirmar que o judiciário vem acolhendo os pedidos de anulação de questões. Veja esse recente julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. EDITAL N. 1/2009. PROVA OBJETIVA. MATEMÁTICA. ANULAÇÃO DA QUESTÃO 22. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. ERRO GROSSEIRO. POSSIBILIDADE. QUESITO QUE NÃO OFERECE ALTERNATIVA CORRESPONDENTE À RESPOSTA CERTA. SENTENÇA MANTIDA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL DESPROVIDAS. 1. Não se conhece de agravo retido, que não foi reiterado para apreciação como preliminar da apelação. 2. A intervenção do Poder Judiciário, em matéria de concurso público, somente tem lugar na hipótese de flagrante ilegalidade na elaboração ou correção de provas, por parte da banca examinadora, sem o respeito às normas veiculadas no edital. 3. Não constando entre as alternativas apresentadas pelo examinador aquela que corresponda à resposta correta, deve ser anulada a questão eivada de vício. Precedentes. 4. Agravo retido não conhecido. Remessa oficial e apelação, desprovidas.
(TRF-1 – AC: 00165932120094013300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 05/07/2021, SEXTA TURMA, Data de Publicação: PJe 09/07/2021 PAG PJe 09/07/2021 PAG) (grifei)
O ponto da questão anulada é atribuído a todos os candidatos?
Esta dúvida também persiste entre muitos candidatos.
Contudo, saliento que aquele que se achar prejudicado pela banca examinadora, deve buscar a justiça para resguardar o seu direito.
Tendo em vista que os efeitos de uma decisão concedida em favor de um candidato não se estendem para todas as pessoas que participaram do concurso.
Isso se dá em razão da lei processual civil que determina que os efeitos da coisa julgada deve se limitar às partes do processo.
Portanto, o ponto da questão anulada judicialmente só será atribuído ao candidato autor da ação.
Aliás, não confunda a anulação judicial com a anulação administrativa realizada pela própria banca examinadora.
A anulação administrativa, prevista no edital, a qual ocorre na fase apresentação de recursos administrativos após a divulgação dos resultados, ou de ofício pela banca, de fato, beneficia a todos os candidatos.
Porém, superada essa fase administrativa, somente aqueles que ajuízam a ação é que se beneficiam da anulação judicial.
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Então é isso, espero que com essas informações você possa avaliar melhor quando ingressar com uma ação judicial para anular questões de concurso público.
Até a próxima!
Marconne Celestino – Advogado – Especializado em concursos públicos
Marconne Celestino é advogado especialista em concursos públicos distritais, estaduais e municipais. – Sócio-fundador do Celestino Advogados Associados. – Membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos e da Comissão de Seleção, ambas da OAB/DF. – Servidor público federal, exercendo a função de Chefe de Serviço de Prevenção e Instrução Prévia da Corregedoria do Ministério da Infraestrutura.