CONCURSO E EMPREGO
4 situações que tornam ilegal a eliminação do candidato na avaliação médica de um concurso público
Ser eliminado do concurso público na avaliação médica depois de conseguir a aprovação nas difíceis provas de conhecimento, testes físicos e exame psicológico, não é fácil de aceitar.
Embora seja uma fase eliminatória, é comum que o candidato relaxe na avaliação médica.
O que é um grande erro.
Isso porque, a conclusão de inaptidão pela junta médica da banca examinadora põe tudo por água abaixo.
Entretanto, acontece que, em determinadas ocasiões, a Administração Pública age com arbitrariedade na etapa de avaliação médica, violando princípios e normas, ou seja, excluindo o candidato do certame de forma ilegítima.
Neste artigo eu vou te falar 4 situações que tornam ilegal a eliminação do candidato na avaliação médica de um concurso público, possibilitando que você peça na justiça o seu retorno ao certame.
1 – Rigor excessivo e apego à formalidade
A avaliação médica tem como único objetivo aferir se o candidato goza de boa saúde física e psíquica para desempenhar as atividades típicas do cargo.
Diante disso, entende-se que as medidas a serem adotadas pela junta médica da banca examinadora devem se voltar apenas para o alcance de tal finalidade.
Contudo, o que por muitas vezes ocorre é da Administração Pública em vez de visar o verdadeiro propósito da avaliação médica, se prende a um rigor excessivo e apego à formalidade.
Explico melhor.
Na maioria das vezes, o pretexto utilizado pela banca examinadora é o princípio da vinculação ao edital, no entanto, eu já informei em outros artigos que tal princípio, embora tenha a sua relevância, não deve ser observado de forma isolada.
Na verdade, também compete à Administração considerar outros princípios, como os da razoabilidade e da proporcionalidade.
Ou seja, cabe depreender ser ilegal a eliminação do candidato que não tenha seguido estritamente os ditames do edital, mas que, ainda assim, conseguiu demonstrar que possui uma saúde que lhe possibilita exercer as atribuições do cargo a que concorreu.
Uma situação que acontece bastante é a da banca examinadora eliminar o candidato apenas por ele ter deixado de entregar um exame ou um laudo, sendo que, com base nos exames entregues, já é possível atestar que ele possui aptidão para desempenhar as funções do cargo.
Ou quando, neste caso, ainda não é viável constatar a aptidão somente com os exames encaminhados, o elimina sem lhe oportunizar a complementação da documentação, sendo que há uma fase específica para tanto.
Neste contexto, o Judiciário já vem se posicionando fortemente em favor dos candidatos, reconhecendo tais medidas como um excesso de rigor e formalismo da Administração Pública, veja:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL (PRF). EDITAL N. 1-PRF/2013. AVALIAÇÃO DE SAÚDE. APRESENTAÇÃO DE EXAMES SEM LAUDO CONCLUSIVO EM APARTADO. POSTERIOR COMPLEMENTAÇÃO DOS EXAMES APRESENTADOS. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO. EXCESSO DE FORMALISMO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. DESATENÇÃO.1. O impetrante, ora apelado, alega que a banca examinadora incorreu em ato ilegal ao eliminá-lo por não ter apresentado avaliação clínica cardiológica na fase de avaliação de saúde do concurso público que prestou. A autoridade impetrada alega que o candidato não apresentou todos os exames exigidos pelo edital, tempestivamente, tendo a banca examinadora apenas cumprido as normas editalícias ao eliminá-lo do certame. 2. Não subsiste a alegação de estrita vinculação ao edital. Os exames apresentados inicialmente pelo impetrante, mesmo antes de serem complementados pela avaliação clínica cardiológica, são conclusivos e demonstram a aptidão física do candidato para exercer o cargo a que concorreu. A desconsideração dos exames tão somente por não terem sido acompanhados de laudo conclusivo em apartado é medida que desatende aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. O apelado juntou documentos que cumpriram a finalidade estabelecida no edital e realizou posterior complementação para atender às exigências da Administração, tendo a banca examinadora, ao eliminá-lo do certame, incorrido em excesso de formalismo, passível de correção pelo Poder Judiciário. Precedentes. 4. Negado provimento à apelação e à remessa necessária. (TRF-1 – AMS 0040460-92.2013.4.01.3400, Desembargador Federal João Batista Moreira, 6T, PJe 26/08/2020) (grifo nosso)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NO CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL. FASE DE AVALIAÇÃO MÉDICA. NÃO ENTREGA DE TODOS OS EXAMES. PREVISÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAMES COMPLEMENTARES. ENTREGA DOS EXAMES FALTANTES NA FASE RECURSAL. EXCLUSÃO DO CANDIDATO. FALTA DE RAZOABILIDADE. 1. Carece de razoabilidade e de proporcionalidade a eliminação sumária de candidato, em virtude de haver deixado de apresentar apenas dois exames previstos no edital do certame, quando verificado que houve convocação de candidatos para apresentação de exames complementares, da qual não constou seu nome. 2. Constatado que o candidato, por ocasião da interposição do recurso administrativo contra a sua eliminação do certame, apresentou os exames faltantes, comprovando a sua aptidão para o exercício do cargo para o qual concorreu, deve lhe ser assegurada a continuidade nas demais etapas do concurso. 3. Remessa Oficial e Apelação Cível conhecidas e não providas. (TJDFT 20140110047019 DF 0000942-21.2014.8.07.0018, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Data de Julgamento: 07/02/2018, 1ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 16/02/2018. Pág.: 276-283) (grifo nosso)
2 – Ambiguidade no edital
Outra situação que torna ilegal a eliminação do candidato na avaliação médica é quando o texto do edital é ambíguo.
Isto é, quando a redação do regulamento do concurso dá margem para uma dupla interpretação, contribuindo para o equívoco do candidato, que acredita ter atendido aos requisitos constantes do edital, ao apresentar os exames à banca.
Exemplo: edital que não indica precisamente ser necessária a apresentação de laudo médico em separado como condição para o cumprimento da exigência, e o candidato entrega o exame com o laudo incluído no próprio exame.
Nesta ocasião de ambiguidade, a justiça entende que deve prevalecer a interpretação mais favorável ao candidato, veja:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. FASE DE AVALIAÇÃO DE SAÚDE. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR ALEGADA FALTA DE APRESENTAÇÃO DE AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDAS.
1. O edital que rege o certame (Edital n. 01, de 11 de junho de 2013) em questão não foi preciso ao indicar a necessidade de laudo médico de avaliação clínica cardiológica como requisito para aprovação na fase de avaliação de saúde do certame, deixando margem à interpretação de que, para tanto, bastaria a apresentação dos exames que individualiza – teste ergométrico e ecocardiograma bidimensional com Doppler.
2. Constatada a ambiguidade no presente caso, sendo que o comando do edital possui duas interpretações possíveis, a presunção deverá recair contra a Administração Pública, prevalecendo a interpretação mais favorável ao candidato.
3. Não se coaduna com o princípio da razoabilidade que o impetrante, que pelos exames apresentados, goza de saúde compatível para o desempenho do cargo, seja excluído do certame apenas por “ausência” da entrega de um dos documentos que validamente poderia ser entregue na fase recursal administrativa, o que foi de fato efetuado.
4. Remessa oficial e apelação da União conhecidas e, no mérito, não providas.
(TRF-1: AC 0008972-85.2014.4.01.3400, Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, 6ª Turma, e-DJF1 10/11/2017).
3 – Conferência da documentação não realizada no momento da entrega
Igualmente, é ilegal a exclusão do candidato do concurso público sob o argumento de que não foi entregue um dos exames solicitados, sendo que a conferência da documentação pela banca não foi realizada no momento da entrega, e sim em momento posterior.
Ora, ao não conferir os exames na hora em que recebe, a Administração Pública retira do candidato qualquer possibilidade dele suprir a falta de um eventual exame ou laudo no prazo estipulado no edital.
Que pode se dar por uma interpretação equivocada decorrente de uma ambiguidade no edital, conforme dito anteriormente, ou até mesmo por erro de terceiros (ex.: clínica, laboratórios, médicos).
À vista disso, o candidato só fica sabendo que está faltando algum exame ou um laudo quando é divulgado o resultado de inaptidão na avaliação médica, o que é plenamente desarrazoado.
Aliás, há decisões no Judiciário com este mesmo entendimento, como exemplo, veja o julgado abaixo:
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ENTREGA DE EXAMES LABORATORIAIS. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE UM DOS EXAMES. CANDIDATO EXCLUÍDO DO PROCESSO SELETIVO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, DESPROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Age com excesso de rigor a banca examinadora que exclui o candidato do processo seletivo, sob o argumento de que não foi entregue um dos exames laboratoriais, especialmente ante a falta de conferência da respectiva documentação, a qual, segundo disposição do edital, somente ocorreria em momento posterior e seria levada a efeito pela Junta Médica. 2. Apelações e remessa oficial, desprovidas. 3. Sentença mantida. (TRF-1 – AC: 00004852920144013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/03/2016, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 30/03/2016) (grifo nosso)
4 – Concessão de pouco prazo para apresentação dos exames médicos
Do mesmo modo, a concessão de prazo exíguo pela banca examinadora para a entrega dos diversos exames médicos viola o princípio da razoabilidade.
E isso acontece com frequência nos certames país afora.
Já teve editais de concursos públicos que estabeleceram o prazo de 1 dia útil, de 2 dias úteis, para a entrega de uma lista extensa de exames.
Ora, prazos como estes praticamente inviabilizam o cumprimento pelo candidato, e acabam lhe retirando indevidamente o direito de acesso ao cargo público.
Por esta razão, é ilegal a eliminação do candidato na etapa de avaliação de saúde, por falta de apresentação de determinado exame, quando o prazo concedido para tanto foi bastante reduzido.
E neste sentido, a justiça também vem reconhecendo tamanha ilegalidade e determinando que a banca conceda um novo prazo para o envio dos exames, veja:
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. EXAMES COMPLEMENTARES. PRAZO EXÍGUO. ELIMINAÇÃO DO CERTAME. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. I Embora os atos administrativos gozem dos atributos que lhes são próprios, não encontra amparo no princípio da razoabilidade a concessão, a candidato, em concurso público, de prazo de dois dias para apresentação de diversos exames que, sabidamente, não teriam como ser realizados em tempo exíguo ou, se possível fosse, não teriam seus resultados divulgados tempestivamente. Precedentes dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª Regiões. II Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF-1 – REOMS: 10074125720154013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Data de Julgamento: 12/06/2017, SEXTA TURMA, Data de Publicação: 20/06/2017)
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Então é isso, espero que com as informações deste artigo você consiga retornar ao concurso público e possa confirmar a sua aprovação.
Marconne Celestino – Advogado – Especializado em concursos públicos Marconne Celestino é advogado especialista em concursos públicos distritais, estaduais e municipais. – Sócio-fundador do Celestino Advogados Associados. – Membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos e da Comissão de Seleção, ambas da OAB/DF. – Servidor público federal, exercendo a função de Chefe de Serviço de Prevenção e Instrução Prévia da Corregedoria do Ministério da Infraestrutura. WhatsApp: (61) 98447-2091 E-mail: marconne@celestino.adv.br