AGRICULTURA & PECUÁRIA
Pecuaristas dizem que legislação no Pantanal é causa da tragédia ecológica
Essa é a primeira reportagem de uma série sobre o drama vivido pelos pantaneiros neste ano de 2020
Revoltados com a acusação de serem responsáveis pelos incêndios dentro do Pantanal, pecuaristas abrem a porteira para mostrar que também são vítimas. O setor aponta a atual legislação ambiental estadual imposta dentro do bioma como a principal causa da tragédia ecológica e econômica.
A atividade da pecuária no Pantanal existe há mais de 300 anos. Na década de 1940, mais de 80% do rebanho bovino do estado de Mato Grosso se concentrava no território dos municípios do bioma. De lá para cá, no entanto, alguns fatores mudaram essa característica e isso deixou de ser uma realidade. Atualmente, menos de 400 mil animais ocupam essas áreas.
“É um berço ainda de cria, mas nós temos índices zootécnicos muito inferiores ao restante do estado porque o bioma ele proíbe a adoção de grandes tecnologias”, disse Daniela Bueno, diretora-executiva da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat).
Essa mudança na região foi vivenciada pelo pecuaristas Ricardo Arruda, que explica como a pecuária na região foi se modificando. “Com o passar dos anos isso foi acontecendo. O gado foi subindo para as áreas de Cerrado e, depois, começou a ocupar as áreas de floresta. A ocupação do bioma floresta é uma realidade, mas foi deixando o Pantanal. Quando olhamos os municípios que compõem o bioma Pantanal, esse rebanho vem crescendo ou mesmo com tendência de uma leve estagnação, mas quando fazemos um recorte e olhamos única e exclusivamente dentro desses municípios, para áreas que são Pantanal de fato, menos de 15% desse rebanho desses municípios está nessas áreas de Pantanal”.
A indignação dos pecuaristas pantaneiros é com o rigor da atual legislação ambiental estadual vigente há 12 anos. Segundo o setor produtivo, isso impossibilita o manejo das áreas e um dos resultados é a existência de muitas propriedades abandonadas ou abaixo da sua capacidade de produção.
“Teve uma época que não podia nem criar o gado. Agora, pode criar o gado, mas você não pode limpar o pasto, você não pode usar o fogo controlado, você não pode formar pastagem naquelas áreas ruins. Então, essas áreas só vão acumulando matéria-orgânica, e essa matéria-orgânica é altamente inflamável, pegando fogo com muita facilidade, e você não tem controle dele. O Pantanal é um bioma diferente! Não se pode trazer leis de outros biomas e querer colocar aqui como foi colocado, então isso é incompatível para a nossa realidade. Em 1940, 1950 e 1960, era ‘povoado’ de gado. Hoje, o Pantanal está deserto e o homem pantaneiro está indo embora”, desabafou o pecuarista Cristóvão Afonso da Silva.
A nossa equipe visitou a região e acompanhou de perto algumas das propriedades abandonadas. O cenário é desolador, com muitos obstáculos, dificuldade de acesso e vegetação seca. Alvo fácil para a propagação do fogo
“A ausência do proprietário nos dificulta porque, nós bombeiros e toda a operação, necessitamos do apoio também dos fazendeiros em uma área privada. Eles têm corresponsabilidade de evitar que os incêndios avancem nas suas propriedades. Se possível, apoiar-nos com equipamento, logística e mão de obra para, de forma integrada, poder conter esses incêndios que ocorrem no bioma Pantanal”, ressaltou o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Jean Oliveira.
Já quem não consegue fazer a limpeza por causa da legislação está preocupado e indignado com o excesso de rigor ambiental.
“O Pantanal é tido como uma área de uso restrito. E o que é uso restrito? O que se pode fazer em uma área de uso restrito? Uso restrito não é uso impeditivo, então a gente precisa ter como saber o que, como fazer e para que fazer um manejo, para que a gente possa explorar de forma sustentável o bioma Pantanal. O Pantanal é o bioma mais preservado do Brasil e 95% das áreas no bioma Pantanal estão nas propriedades particulares. O pecuarista é o maior responsável pela preservação do Pantanal. São gerações e gerações de famílias que, infelizmente, estão convidadas a se retirar com um discurso único e exclusivamente ambientalista, preservacionista, sem olhar o homem pantaneiro, sem olhar a produção pantaneira, sem respeitar tudo o que já foi feito ali, por esse homem, pelo boi e pelo cavalo pantaneiro”, disse Ricardo Arruda, também pecuarista.
Breno Dorileo também é um guardião do meio ambiente que resiste à rígida legislação imposta dentro do bioma. Com muita dificuldade, tenta manter a atividade da cria extensiva, herdada do avô. O rebanho de 2.000 cabeças de gado espalhados pelos 9.000 hectares dividem o mesmo espaço com aves e animais silvestres em total simbiose. O boi bombeiro, como é chamado, também é responsável por eliminar o acúmulo de massa orgânica das áreas de pastagens e evitar risco de incêndios durante o período de seca.
“Melhor vocês verem isso na prática. O pasto bem manejado, baixo e que não tem o perigo de incêndio. É isso que é o Pantanal e é isso que queremos resgatar para o Pantanal: o boi pastando, mantendo baixa a vegetação, conservando a biodiversidade dentro dela. Mas essas leis duras que foram impostas ultimamente quebraram a maior parte das fazendas. Difícil você achar uma fazenda como está essa aqui, com o gado com o pastejo razoavelmente bem colocado. A maioria das fazendas é totalmente diferente. Você tenta fazer tudo como manda a lei, mas fica impossível você manter a fazenda limpa sob controle. Se não fosse a paixão, eu já tinha abandonado, porque o lucro é pouco. A verdade é que o lucro é quase zero. Se não mudar as leis, não sei se o meus filhos vão dar continuidade, se não acontecer nada acho difícil”, diz Breno Dorileo.
Daniela Bueno, da Acrimat, explica que a região precisa de políticas públicas para a pecuária voltar ao Pantanal. “Nós temos estudos que mostram que ela precisa estar lá. Esse boi fazendo esse pastoreio diminui consideravelmente essa matéria-orgânica que serve de combustível, e estas propriedades que estão abandonadas, sem dúvida alguma, aumentam ainda mais os risco de incêndio”.
Esse tema é conversado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso e, segundo a titular da pasta, Mauren Lazaretti, é possível que alguma mudança na legislação ocorra. ”Reconhecemos a necessidade de avaliar essa legislação, tanto que desde 2009 nós já vínhamos discutindo com o setor produtivo e com a Assembleia Legislativa um grupo de trabalho para tratar da temática, tanto que já alinhamos com a Embrapa, Sema e Assembleia um termo de convênio e um plano de trabalho para que a gente consiga rever dentro do reconhecimento científico essa legislação”, disse.
Segundo a secretária, não é apenas a política pública que vai solucionar o problema das queimadas na região. “Temos, de fato, de considerar o comportamento climático. O nosso desafio agora é, a partir deste cenário do conhecimento que nós temos desses eventos e desses fenômenos, estabelecer as medidas emergenciais a médio e longo prazo, para que esse cenário possa ser controlado. Se isso demandar trazer legislação nova, nós faremos, considerando o conhecimento científico e também o conhecimento do pantaneiro. Além disso, precisamos fortalecer as estruturas da região para que combate do próximo ano, que já se mostra inevitável, possa ser realizado com maior eficiência”, finalizou.