CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Jack Dorsey: a trajetória nada comum e as polêmicas do fundador do Twitter
Além de ser co-fundador de uma das redes sociais mais usadas do mundo, ele é conhecido por seu estilo de vida alternativo
Nome completo: | Jack Patrick Dorsey |
Ocupação: | Empresário e desenvolvedor de software e fundador do Twitter |
Local de nascimento: | Saint Louis, Missouri, Estados Unidos |
Data de nascimento: | 19 de novembro de 1976 |
Fortuna: | US$ 10 bilhões* |
*Estimativa da Forbes em setembro de 2020
Quem é Jack Dorsey?
O fundador e atual presidente do Twitter, Jack Dorsey tem um estilo de vida que pode ser considerado excêntrico até mesmo quando comparado com outros fundadores de gigantes da tecnologia como Steve Jobs, Steve Wozniak, Mark Zuckerberg e Elon Musk.
Sua rotina diária inclui longos períodos de jejum, banhos de gelo intercalados com sauna, meditação, bebidas a base de água, limão e sal e muita tecnologia.
Ele passa o dia todo conectado ao Twitter, rede social que criou em 2006, junto com milhões de pessoas que publicam bilhões de postagens na rede – incluindo Donald Trump, que se aproveitou do alcance de seus tuítes para chegar à presidência dos Estados Unidos e se comunicar ao longo de seu mandato.
Por causa do ilustre usuário, Dorsey foi criticado e acabou intimado a prestar esclarecimentos no Congresso americano. Nos momentos finais da campanha presidencial, na qual Joe Biden saiu vencedor, o Twitter bloqueou um artigo do jornal New York Post que trazia acusações sem provas sobre supostas negociações entre Hunter Biden, filho de Joe, e empresários ucranianos.
O argumento para o bloqueio do conteúdo era a ausência de comprovação da denúncia. Mas a atitude, por seu ineditismo, teve um impacto negativo. Dorsey tentou consertar, afirmando que a empresa errou na comunicação da decisão. Senadores republicanos, contudo, já haviam exigido que Dorsey fosse intimado a se explicar sobre o caso.
Depois de ser afastado da empresa que criou em 2008 – e retornar em 2015 – Dorsey correu novamente o risco de perder a cadeira mais importante da rede social neste ano, quando investidores pediram sua saída. Mas o caso foi revertido e, pelo menos por enquanto, Jack Dorsey segue no comando de uma das principais redes sociais da atualidade.
Família e formação
Dorsey nasceu e cresceu em Saint Louis, no estado americano do Missouri, em 19 de novembro de 1976. Jack era uma criança quieta e que dava pouco trabalho aos pais quando comparado a seus irmãos – ambos mais novos. Minimalista desde a infância, Dorsey insistiu em ficar com o menor quarto da casa.
Seu pai, Tim, trabalhava em uma fábrica de espectrômetros, instrumentos científicos usados na medição de componentes de fenômenos físicos. Sua mãe, Marcia, era dona de casa e era proprietária de um café onde, ocasionalmente, trabalhava como barista. Jack, algumas vezes, era convocado a ajudar a mãe e relembrou, em uma entrevista, que o primeiro cappuccino que fez foi um desastre, mas foi elogiado pelo cliente. Com seu peculiar humor autodepreciativo que demonstra em diversas entrevistas, Jack conclui essa história afirmando que não havia muitos cafés em Saint Louis naquela época.
Com dificuldades na fala, Dorsey desenvolveu uma aversão a conversas casuais. Para vencer a sua deficiência, entrou para o time de debate, uma disciplina comum nas escolas americanas.
Jack começou a se interessar por programação ainda durante a infância, depois de ganhar um computador dos pais. Sozinho, aprendeu a programar. Aos 15 anos, desenvolveu um software que é usado até hoje por empresas de táxi nos EUA.
Depois de um curto período estudando na Universidade de Ciência e Tecnologia do Missouri, Jack encontrou o site de uma empresa que gerenciava mensageiros e entregadores de bicicleta em Nova York. Ele hackeou o site da empresa e encontrou uma falha no software. Escreveu, então, ao presidente da companhia, informando-o sobre o problema. Como resposta, recebeu uma oferta de emprego. Dorsey deixou a faculdade para se mudar para Nova York e receber um salário semanal de US$ 600.
Depois de muita pressão dos pais para voltar a estudar, Jack se matriculou na Universidade de Nova York. No entanto, seguindo os passos de outros grandes empreendedores americanos, como Steve Jobs e Mark Zuckerberg, que abandonaram seus cursos antes da graduação em algumas das melhores universidades do mundo, Dorsey não chegou a concluir o ensino superior. Ele abandonou o curso faltando um semestre para se formar.
Em 1999, Jack foi para Oakland, na Califórnia, para criar uma companhia que oferecia um serviço de logística que teve vida curta e “explodiu” junto com a bolha das pontocom.
Dorsey então se mudou para Richmond, na Virginia, para morar com uma namorada. Depois que esse relacionamento acabou, foi a Cambridge, em Massachusetts, morar com outra namorada. Mais uma vez, a relação terminou e, aos 26 anos, Jack decidiu voltar para a casa dos pais.
Sentindo-se um fracassado, Jack trabalhou desenvolvendo códigos para seu pai, que tinha começado sua própria fábrica de espectrômetros e começou a estudar ilustração botânica. Passava seus dias no Jardim Botânico de Missouri, desenhando. Ao sentir dores nas mãos pelos anos que tinha passado escrevendo códigos, passou a estudar massoterapia como uma alternativa terapêutica.
Intenso em tudo que faz, Dorsey logo começou a pensar na possibilidade de abrir um negócio especializado em fazer massagem em programadores, com dores específicas nos braços e mãos. Estudou, recebeu seu certificado e quis voltar para São Francisco para implantar seu novo projeto. A ideia, no entanto, não era inovadora: praticamente todo seu público-alvo já tinha um massoterapeuta.
Ele deixou o negócio de lado, fez uma tatuagem no braço, colocou um piercing no nariz e, em busca de uma nova oportunidade para voltar ao mercado, procurou seu antigo chefe na empresa de entregadores. O trabalho que ele tinha para oferecer era fora da área de preferência de Dorsey, mas ele topou mesmo assim: cuidar da filha do amigo.
Enquanto isso, procurava novos trabalhos como programador. Um deles foi refazer o sistema de bilheteria de Alcatraz, presídio desativado que é um dos principais pontos turísticos de São Francisco.
Até que em 2005, Jack Dorsey encontrou Evan Williams, um conhecido empreendedor da internet que havia vendido a Blogger, uma das primeiras plataformas de publicação de blogs, para o Google dois anos antes. Desde então, Williams havia fundado uma empresa chamada Odeo, que permitia que usuários criassem e compartilhassem podcasts e buscava, justamente, um programador para sua empresa.
Pouco depois da chegada de Dorsey na companhia, a empresa começou a buscar outros rumos e fez um hackathon para que os programadores apresentassem quaisquer projetos para a direção. Era a chance de Dorsey tirar do papel uma antiga ideia de combinar uma mania nacional – enviar mensagens de texto – com uma rede social de visual simples.
Do primeiro tuíte ao além
Em menos de duas semanas, Jack e Florian Weber, outro programador da Odeo, desenvolveram um site em que os usuários poderiam postar mensagens curtas de até 140 caracteres, um limite um pouco menor do que era permitido em um SMS à época. Nascia o Twitter.
Os sócios do novo negócio compraram o domínio por US$ 7 mil. Com a companhia oficialmente lançada, Dorsey retirou seu piercing do nariz para parecer mais maduro e assumiu o comando como CEO.
A conta de Jack (@jack) é a 12ª criada na rede social. Como as 11 anteriores eram testes, sua conta é oficialmente a primeira da rede social. E foi dela que partiu o primeiro tuíte, publicado em 21 de março de 2006: “just setting up my twttr”, que pode ser traduzido para “apenas configurando meu twitter”.
Inicialmente, a plataforma foi alvo de piadas como um lugar para egocêntricos compartilharem detalhes de suas vidas. Mas, aos poucos, com celebridades usando a ferramenta para criar um simulacro de intimidade com os fãs e figuras importantes da política e do meio empresarial usando a ferramenta como uma plataforma de comunicação, o Twitter passou a ganhar relevância.
Noah Glass, um dos fundadores da Odeo, foi um dos maiores apoiadores do Twitter no seu início, mas desavenças com outras pessoas do projeto o fizeram perder os créditos de fundador da empresa, que ficaram com Biz Stone, Williams e Dorsey. Apesar de ter recebido algumas ações do Twitter depois do seu IPO, Glass afirmou diversas vezes em entrevistas que se sentiu injustiçado. Na sua “bio” no Twitter, está escrito, traduzido livremente para o português, “eu comecei isso”.
Ainda em 2008, nas eleições americanas que levaram Barack Obama à presidência dos EUA, o microblog serviu como um meio de atualização quase em tempo real dos apoiadores das campanhas tanto do democrata quanto de seu oponente, John McCain.
No ano seguinte, outra eleição fez a ferramenta ganhar importância mundial: a do Irã. Em junho, milhares de pessoas tomaram as ruas iranianas para protestar contra o resultado das eleições que reconduziram o presidente Mahmoud Ahmadinejad ao cargo de presidente do país.
Com suspeita de fraude, as manifestações duraram vários dias, com uma série de confrontos entre manifestantes e policiais. Com a violência aumentando, as autoridades iranianas proibiram jornalistas estrangeiros de fazer a cobertura e restringiram o acesso à mídia local. Na capital, a principal operadora de telefonia, controlada pelo estado, ficou inoperante. Sem meios de comunicação tradicionais, a população usou a internet e, principalmente, o Twitter para transmitir informações para o resto do mundo. Com a importância do Twitter para o movimento político que acontecia no Irã, a empresa adiou sua rotina de manutenção que tiraria o Twitter do ar.
Em 2010, o Twitter já tinha mais 105 milhões de usuários que postavam 55 milhões de mensagens por dia na plataforma. Com o crescimento explosivo, a empresa começou a ter dificuldades de acompanhar e o serviço saia do ar com frequência. A página com a “fail whale”, que avisava que a plataforma estava indisponível, era frequentemente visualizada por quem tentava acessar o serviço.
Nesse período, Jack já tinha sido afastado da rotina da empresa. Depois da crise de 2008, os investidores começaram a pressionar a empresa a criar um plano para rentabilizar seu negócio e Dorsey era visto como um entrave. Evan Williams assumiu a presidência da companhia e anunciou que a empresa entrava em uma nova e desafiadora fase e que havia a necessidade de ter um líder único, focado.
Jack partiu, então, para outros negócios. Aparentemente, ele não estava pronto para ser CEO do Twitter. Mas Williams também não parecia tão preparado. Três anos depois, também foi forçado a sair e substituído por Dick Costolo, um executivo da companhia.
Outros negócios
Em 2009, enquanto o Twitter crescia sozinho, Jack se tornou um investidor da rede social Foursquare, uma rede geossocial e de microblogging que permite ao usuário indicar onde ele se encontra, e procurar por contatos seus que estejam próximo desse local e, com isso, coletar distintivos relativos a lugares específicos, como se tornar “prefeito” de um determinado restaurante.
Ele também criou, junto com outro sócio, Jim McKelvey, a Square, uma empresa de serviços financeiros e agregadora de serviços comerciais e de pagamento móvel, e assumiu o comando da companhia, dividindo sua atenção entre a Square e o Twitter. Em 2015, a Square fez seu IPO e Jack segue como seu CEO desde então.
Bilionário de repente
Após anos afastado do Twitter, Dorsey voltou ao dia a dia da empresa em 2011. Mas aos poucos. Ele retornou sem funcionários reportando a ele, apenas focado em melhorar a plataforma.
Em novembro de 2013, a fortuna de Dorsey se multiplicou consideravelmente com o IPO do Twitter. As ações da empresa começaram a ser negociadas a US$ 26, e, poucas horas depois, o preço chegou a US$ 45. Dono de mais de 23 milhões de ações, Jack Dorsey ficou bilionário.
Em 2015, ele foi nomeado CEO interino do Twitter e, pouco depois, assumiu o cargo de vez. Mas logo precisou dar um recado amargo aos funcionários: a empresa teria que cortar 8% de seus funcionários.
Apesar de ocupar o cargo mais alto da companhia, seu salário anual em 2018 foi de US$ 1,40. E esse valor foi, na verdade, um aumento comparado aos outros anos, quando Jack Dorsey não recebeu nada pelo trabalho.
Dorsey não é o único expoente do Vale do Silício a recusar salários: Mark Zuckerberg recebe US$ 1 no Facebook e Elon Musk, CEO da Tesla, afirmou que não queria receber um salário da montadora até que a empresa alcançasse a marca de US$ 100 bilhões em valor de mercado.
#Fakenews
Nas eleições americanas de 2016, o Twitter foi uma peça importante para as campanhas de Donald Trump e Hillary Clinton. Após a eleição do republicano, a plataforma praticamente se transformou no “diário oficial dos EUA”: heavy user da rede social, Trump publicava de tudo na sua conta – inclusive mentiras.
Depois que o microblog incluiu uma ferramenta de checagem de informações que destacava tuítes que continham informações equivocadas ou mentirosas, Trump ameaçou regular fortemente ou até fechar as redes sociais.
Nada disso aconteceu. Mas o Senado americano, convocou Dorsey a dar explicações quando a rede social bloqueou o compartilhamento de um artigo que mencionava supostas relações irregulares entre o filho do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Hunter Biden, e figuras importantes da Ucrânia.
Alegando que o artigo trazia informações que não poderiam ser confirmadas, a rede social bloqueou o perfil do jornal e não permitiu que o link da matéria fosse publicado. O argumento – usado pela primeira vez – não convenceu o Senado americano que pediu explicações.
O ano de 2020 também trouxe outra dor de cabeça a Dorsey. Depois de conseguir um alto percentual de ações do Twitter, o fundo de investimento Elliott Management exigiu a saída do fundador do mais alto cargo da companhia. O argumento principal é que a empresa precisava de um executivo focado em suas necessidades – Dorsey divide seu tempo entre o microblog e a Square, outra companhia que fundou e preside. Em tempos pré-pandemia, Jack passava as manhãs no Twitter e, no período da tarde, atravessava a rua e entrava no prédio da Square.
Para se manter no cargo, Dorsey concordou em adicionar dois novos membros ao Conselho de Administração da companhia, que agora passaram a avaliar a estrutura de liderança da empresa, além de outras condições que movimentaram a organização societária da companhia.
Filantropia
Em 2016, o bilionário deu quase um terço de suas ações no Twitter para os funcionários da companhia. Essa não foi a primeira vez que Jack tomou essa atitude: em 2013, ele deu 10% das suas ações na Square para os funcionários.
Em 2019, contribuiu com a iniciativa de combate às mudanças climáticas #TeamTrees patrocinando a plantação de 150 mil árvores e, em abril de 2020, em meio à pandemia de coronavírus, doou US$ 1 bilhão em participações na Square para apoiar programas de auxílio a pessoas impactadas pela doença.
Estilo de vida
Jack Dorsey tem interesses diversos. Embora não tenha terminado a graduação nem na Universidade do Missouri nem na Universidade de Nova York, ele tem um diploma: o de massagista profissional – um interesse que quase transformou em negócio. Quando tinha 20 e poucos anos seu interesse foi para ilustrações botânicas.
Ele também já adotou diversas dietas: foi vegano (mas o excesso de betacaroteno deixou sua pele com aspecto alaranjado), depois seguiu uma dieta paleolítica, que proíbe consumo de açúcar e grãos; em entrevistas recentes, afirmou que virou adepto do jejum intermitente, se alimentando apenas uma vez por dia.
Na primeira vez que fez o jejum, Dorsey disse que teve alucinações, mas depois seu corpo se acostumou. Em uma entrevista à Wired, ele disse que atualmente faz sete refeições por semana: apenas o jantar.
Seu estilo de vida também inclui viagens para meditação (Jack passou 10 dias meditando em silêncio, seguindo a tradição Vipassana, em Myanmar) e banhos de gelo intercalados com alguns minutos na sua sauna particular três vezes ao dia. A primeira sessão de sauna e banho de gelo é sucedida por um “salt shake”, um drink composto por água, limão e sal.
A sua rotina ainda inclui meditações duas vezes ao dia, 7 minutos de exercícios diários, e uma caminhada de 1 hora e 15 minutos duas vezes por semana, e um momento para atualizar os diários que mantém.
Jack também costuma publicar muito da sua vida no Twitter – o que sua mãe adora, já que consegue, assim, acompanhar um pouco da vida do filho. Quando comprou uma mansão de US$ 10 milhões, publicou no Twitter um poema de Pablo Neruda: “Necessito do mar porque me ensina”.
Jack também não é fã de livros físicos. Quando os recebe de presente, doa o livro para alguém, baixa a versão eletrônica e, depois de ler, o deleta. É, de fato, um minimalista.