Judiciário
Considerações acerca do crime de bigamia: ficção e realidade
Uma Rede televisão transmitiu em seu horário nobre a novela denominada amor a vida, em suma, nesta trama, o personagem Gentil (Luis Melo), após sofrer um grave acidente e perder a memória, casa-se com a personagem Márcia (Elizabeth Savalla), ocorre, porém, que o mesmo já era casado e seu nome verdadeiro era Atílio e não Gentil.
Diante das esdrúxulas situações vivenciadas pelo personagem, é de notória relevância estudar o crime de bigamia e suas peculiaridades, objetivando analisa-lo para assim fazer um paralelo entre a ficção e a realidade.
O crime encontra-se albergado no Código Penal, Título VII dos Crimes Contra a Família, sendo capitulado dos Crimes Contra o Casamento. O Brasil adota a teoria monogamista, portanto, o indíviduo pode contrair somente um casamento, tendo em vista determinações legais, e nosso ordenamento jurídico vigente.
A bigamia esta esculpida no Código Penal, artigo 235, que reza que:
Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena – reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º – Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2º – Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.
O Código Civil pátrio também preconiza tal impedimento, o inciso IV do artigo 1.521 certifica que:
Art. 1.521 Não podem casar:
(…)
VI – as pessoas casadas.
O processo de habilitação para o casamento encontra-se no artigo 1.525 do Código Civil, vejamos:
Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos:
I – certidão de nascimento ou documento equivalente;II – autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;
III – declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar;
IV – declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;
V – certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.
Como se vê, o processo de habilitação é um dos meios de coibir o matrimônio com uma pessoa casada. O nubente casado que atesta declarações afirmando ser solteiro incorre no crime de falsidade ideológica.
Na trama, o personagem é processado por bigamia e falsidade ideológica, todavia, vale lembrar que no caso em tela o crime fim absorverá o crime meio, sendo o crime meio a falsidade ideológica e o crime fim a bigamia, o nubente casado responderá somente por bigamia.
Vejamos o pensamento jurisprudencial acerca do tema. A quinta Turma do STJ assim decidiu:
FALSIDADE IDEOLÓGICA. ABSORÇÃO. CRIME DE BIGAMIA. O delito de bigamia exige a falsidade precedente – que se declare em documento público ser solteiro, viúvo ou divorciado. Assim declarada a atipicidade da conduta do crime de bigamia pelo Tribunal a quo, não pode subsistir a figura delitiva da falsidade ideológica em razão do princípio da consunção. A bigamia (crime-fim) absorve o crime de falsidade ideológica (crime-meio). Com esses esclarecimentos, a Turma concedeu a ordem para determinar a extensão dos efeitos do trancamento da ação penal do crime de bigamia ao crime de falsidade ideológica. HC 39.583-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 8/3/2005
Acerca do bem juridicamente protegido o autor Rogério Greco aduz:
O objeto material e bem juridicamente protegido: A instituição do matrimônio, relativa ao casamento monogâmico, é o bem juridicamente protegido pelo delito de bigamia. No entanto, busca-se, também, proteger a família com a incriminação da bigamia, haja vista que o tipo penal em exame encontra-se inserido no Título VII do código, que prevê os chamados crimes contra a família. A Constituição Federal, por meio de seu art. 226, alerta que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, e uma dessas proteções estatais é realizada, justamente, por intermédio do Direito Penal.
Não se admite a modalidade culposa, o elemento subjetivo para concretização da bigamia é o dolo.
Na época dos fatos o personagem não tinha potencial consciência dos fatos. Em tese, o mesmo, a meu ver, seria albergado pelo erro de tipo, vejamos:
Erro sobre a ilicitude do fato
Art. 21 O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único – Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
Portanto, no caso em comenta a ficção é totalmente diferente da realidade, essas informações são de grande valia tanto para iniciantes na arte do direito penal, quanto para os leigos que assistem a novela.