Judiciário
Mandado de Segurança contra lockdown funciona?
A prática de fechar inteiramente o comércio e impedir o livre trânsito das pessoas (lockdown) tem gerado repercussões muito nefastas. É claro que temos um grave problema de saúde pública que precisa ser controlado, mas, na prática, este controle tem custado o emprego e a renda de muitas pessoas.
Dentre estas pessoas há o empresário/empreendedor que, por causa do lockdown, teve de diminuir ou cessar totalmente as atividades, mas tem de continuar a pagar seus impostos, funcionários, bancos, contas, etc. Mesmo que o caixa esteja vazio.
É muito difícil dizer quer atividade X ou Y é essencial quando enfrentamos uma crise que levar alimentos para dentro de casa tornou-se tão difícil. Os preços sobem absurdamente e a população fica desesperada sem saber como será o dia de amanhã.
Desde o início do estado pandêmico o STF deu seu aval para que Municípios e Estados tenham maior liberdade para decidir o que é melhor para a saúde local. A partir de então vários casos de lockdown surgiram no país.
O complicado é que se cada Município ou Governo decreta locdown, o que pode funcionar em um determinado lugar não necessariamente funcionará em outro. É o caso, por exemplo, das escolas, que abrem em determinados Estados mas permanecem fechadas em outros.
Uma consideração importante a ser levada em conta é que a Lei 13.979/20 dispõe sobre medidas de enfrentamento ao Covid, mas não trata do lockdown. A Lei, por sua vez, estabelece o que é isolamento e quarentena:
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.”
Porém o lockdown, com medidas muito mais severas, que repercute até no direito de ir e vir, e no direito ao trabalho do cidadão, não tem base legal, a não ser em Estado de Sítio, por isso alguns autores dizerem que essas medidas tomadas por prefeitos e governadores são inconstitucionais.
Imagem: Andrea Piacquadio
Mandado de Segurança para abertura de setores comerciais no lockdown
Pois bem, depois da publicação de decretos municipais e estaduais contendo as medidas de lockdown, percebe-se que o judiciário foi “invadido” com essa pauta através de Mandados de Segurança impetrados por comerciantes que desejam manter suas atividades funcionando.
O Mandado de Segurança é previsto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal:
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
O direito de ir e vir, juntamente com o direito ao trabalho, são direitos líquidos e certos, estão assegurados, inclusive na própria Constituição, como direitos fundamentais. A partir deste raciocínio, algumas pessoas têm manejado o Mandado de Segurança na tentativa de reabrir os seus comércios.
E tem funcionado?
Como toda boa advogada, eu vou responder: depende!
Vi casos que deram errado e alguns que deram certo. Vamos entender melhor a situação.
Imagem: Ekaterina Bolovtsova
Mandados de segurança contra lockdown que deram certo:
A OAB da seção Goiás ingressou com Mandado de Segurança sobre o decreto municipal que impedia a abertura dos escritórios de advocacia (processo: 5096894-36.2021.8.09.0051)
Disse a Ordem, em resumo, que a atividade da advocacia é essencial à justiça, que os escritórios não promovem aglomerações (os atendimentos são individualizados), e que o Tribunal de Justiça de Goiás não encerrou as atividades, mas apenas reduziu o quadro de funcionários e adotou os protocolos de segurança.
Diante desses argumentos, o juiz entendeu favoravelmente à AOB/GO e determinou a inserção da atividade de advocacia entre as essenciais, permitindo os escritórios permanecerem abertos.
Outra decisão positiva foi a de uma empresa que fornece material de construção, no Maranhão, que impetrou mandado de segurança questionando o Decreto Estadual que não incluiu a atividade de comércio de materiais de construção entre as atividades essenciais. (Processo: 0805083-13.2020.8.10.0000)
Disse a empresa, resumidamente, que ela fornece materiais inclusive para a iniciativa pública, que sempre necessita realizar reformas, fazer reparos, ampliar a rede hospitalar através da construção ou melhoramento de seus postos de atendimentos, e que proibir o comércio de materiais de construção é prejudicial não só à iniciativa privada mas até a própria iniciativa pública.
Neste caso, também entendeu o juízo favorável à empresa para incluir a atividade de venda de materiais de construção como atividade essencial.
Imagem: Gustavo FringQual é a tendência desses Mandados de Segurança? Ao que percebo, como advogada que sempre estou pesquisando casos concretos e entender melhor as decisões das cortes de nosso pais, um Mandado de Segurança Coletivo (como no caso da OAB/GO) tem muito mais peso que o Mandado de Segurança Individual – que foi o segundo caso narrado acima. Mas entenda que não há regra! Por isso mesmo falei de um caso em que um Mandado de Segurança Individual deu certo.
Enquanto o Mandado de Segurança Individual é proposto por uma única pessoa que se sente lesada, os Mandados de Segurança Coletivo são impetrados por uma entidade que representa uma coletividade de pessoas, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma, na Constituição Federal:
Art. 5º, inciso LXX . O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação, legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, ou direito de natureza política, decorrentes das regras do art. 14 a 17 da Constituição Federal.
Portanto, as pessoas que se sentem lesadas em seu direito, principalmente os comerciantes, usando-se também do bom senso, podem procurar uma entidade de classe, associação ou até mesmo o sindicato para conversar e avaliar se é o caso de se ajuizar um Mandado de Segurança Coletivo.