Judiciário
Consumo mínimo de água e sua cobrança
Os imóveis conectados à rede de distribuição de água distribuída pelo sistema público de abastecimento estão sujeitos ao pagamento da tarifa mínima, mesmo que seu consumo seja baixo. Serão esclarecidas neste artigo as principais dúvidas sobre “consumo mínimo”, propondo uma linguagem simples, sem deixar de lado a profundidade necessária para o esclarecimento.
O que é consumo mínimo?
Consumo mínimo é o “volume mínimo de água expresso em m³ (metro cúbico), que determina para cada categoria de uso, o valor da conta mínima a ser faturada por mês, por ligação ou economia”.
A definição foi estampada pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), responsável pela fiscalização dos serviços prestados pela Sabesp na maioria dos municípios paulistas.
É de se observar que para esclarecer o que é volume mínimo, deve-se também observar o significado de “categoria de uso”, além do conceito de “ligação” e “economia”.
Ligação é a interligação do ponto de entrega de água ou de coleta de esgoto às instalações da unidade usuária. O serviço de ligação deve ser solicitado à prestadora de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário de seu município.
Em São Paulo, o pedido de ligação é regulado e segue as determinações da Arsesp. Em síntese, o interessado deve comprovar a regularidade do imóvel com uma guia do IPTU, escritura pública, contrato particular de compra e venda ou locação, além de apresentar documentos de sua qualificação civil (RG, CPF, CNPJ etc.).
A ligação conecta a rede distribuidora da companhia de saneamento à Unidade de Medição de Água, conhecida como “caixa UMA” ou popularmente como “cavalete de água”.
No campo do abastecimento de água, Economia representa o “imóvel ou subdivisão de imóvel, com numeração própria, caracterizada como unidade autônoma de consumo, de qualquer categoria, atendida por ramal próprio ou compartilhado com outras economias” [Deliberação Arsesp 106/2009].
As “categorias” também advém da regulação da Arsesp e representam a classificação de consumidores relativa ao tipo de utilização da água.
Existem 5 (cinco) categorias de usuários: residencial, comercial, industrial, pública e outras, esta última representada pelas novas categorias que venham a ser criadas para as atividades exercidas que não se enquadrem nas anteriores (inciso V do art. 4º da Deliberação 106/2009).
É de ressaltar que quando uma única ligação servir a duas ou mais economias de categorias diferentes, por exemplo, uma residência e um bar, o prestador deve considerar o uso misto e dividir o consumo medido pelo número de economias e as respectivas tarifas ou separar as ligações ou até mesmo, fazer a cobrança pelo pela unidade usuária na categoria de maior consumo.
É do titular da unidade usuária o ônus de informar o prestador de serviços a natureza da atividade exercida na unidade usuária e a finalidade da utilização da água para enquadramento adequado na categoria de uso.
Cada categoria de uso tem valores estabelecidos para consumo de até 10 m³, de 11 a 20 m³, de 21 a 50 m³ e acima de 50 m³. Tarifas sociais são diferenciadas e possuem faixas de consumo diferenciadas.
Vê-se que o consumos menores que 10m³ atraem ao usuário a fatura de consumo mínimo (10 m³). Diante disso, no município de São Paulo, por exemplo, usuários que utilizam 1m³ ou 10m³ de água pagarão o mesmo valor em sua fatura, o qual seja, R$ 27,07 de água acrescentados de R$ 27,07 de esgotos.
Imóvel vago, ou seja, com consumo zero, está sujeito à cobrança pela fatura mínima, evitada apenas com a suspensão do abastecimento de água executada no cavalete, ramal ou ferrule, sem a retirada do hidrômetro. Haverá a suspensão da emissão de contas. O usuário interessado deve procurar o prestador e requerer a “supressão” da ligação, mediante pagamento de cerca de 40 reais (usuários da Sabesp).
No mesmo exemplo acima, se o usuário estiver classificado na categoria Comercial, receberá a fatura de R$ 54,36 pela água acrescidos de igual valor devidos pela prestação de esgotamento sanitário se consumidos até 10m³, conforme se observa na Deliberação Arsesp nº 1.021 de 15 de julho de 2020.
A cobrança pelo consumo mínimo tem justificativas econômicas fundadas na manutenção da infraestrutura necessária para a prestação do serviço. O prestador, como regra geral, emite a fatura cobrando de cada economia como se usuário único fosse.
Porém, a regra comporta exceção. É o caso de condomínio edilício com hidrômetro único. A jurisprudência consolidada veda a cobrança do consumo mínimo multiplicado pelo número de residências (REsp 1.166.561 / RJ).
O judiciário reconhece que a fixação de tarifas deve considerar o equilíbrio econômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento e que a Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços público é expressa ao permitir tarifas diferenciadas em função de características técnicas e de custos específicos para atendimento de segmentos distintos de consumidores.
Ademais, a Lei 11.445/2007, conhecida como marco legal do saneamento básico, autoriza, em seu art. 30, a estruturação da remuneração e cobrança dos serviços de saneamento básico que considere a quantidade mínima de consumo. Celso Antônio Bandeira de Mello explica brilhantemente a questão:
É que o serviço público, por definição, existe para satisfazer necessidades públicas e não para proporcionar ganhos ao Estado. Aliás, esta mesma Lei 8.987, em seu art. 6º, após considerar que toda concessão ou permissão pressupõe serviço adequado, no § 1º dele, esclarece que serviço adequado é o que satisfaz, entre outras condições, a ‘modicidade das tarifas’, a qual, de resto, é um princípio universal do serviço público. Assim, serviço público desenganadamente não é instrumento de captação de recursos para o Poder Público. Este não é um capitalista a mais no sistema.”(Curso de Direito Administrativo, 26ª edição, Editora Malheiros, São Paulo: 2008, p. 712)
Como bem observado pelo Excelentíssimo Ministro Hamilton Carvalhido, relator do Voto do Recurso Especial nº 1.166.561 – RJ:
(…) se a relação jurídica se estabelece tão somente com o condomínio-usuário do serviço público de fornecimento de água, o cálculo da tarifa, com desprezo do volume de água efetivamente registrado, implica a cobrança em valor superior ao necessário para cobrir os custos do serviço, configurando enriquecimento indevido por parte da concessionária.
A análise detida da questão atrai para as decisões judiciais mais recentes a mesma interpretação de que, mesmo reconhecendo a necessária tarifa mínima, em condomínio que possua apenas um hidrômetro na entrada, é ilícita a multiplicação da quantidade de economias ao valor mínimo de consumo, eis que traria o enriquecimento sem causa da prestadora, prejuízos ao incentivo de redução de gastos e ao consumidor usuário.
Conclusão
Resumindo, é legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo (Sumula 407 STJ).
A cobrança pelo consumo mínimo é autorizada, mas vedada se multiplicada pelo número de unidades autônomas existentes no condomínio quando houver único hidrômetro no local (Temas repetitivos 153, 154, 155 e 932 STJ).
Imóveis vagos podem ter a suspensão das tarifas mediante solicitação do usuário diretamente ao prestador dos serviços.
A cobrança pelo consumo mínimo detém importante instrumento de manutenção do equilíbrio econômico do prestador, além de proporcionar a expansão dos serviços e da qualidade da prestação, mas sua aplicação deve ser deve ser analisada à luz do caso concreto. O usuário que discorda da forma com que vem lhe sendo emitida fatura de água/esgoto tem a sua disposição, além dos canais de atendimento do próprio prestador, os serviços de atendimento das agências reguladoras e o próprio judiciário.
Nota sobre o autor: Rogério Reis é Advogado, Especialista em Regulação e Fiscalização de Serviços Públicos, Especialista em Direito Administrativo e Mestre em Direito Público