Internacional
Argentina vive dilema entre medidas mais duras e rejeição popular
Argentina enfrenta uma segunda onda da pandemia com sucessivos recordes, quase 28 mil registros de infecção em 24 horas
Diante de uma rápida escalada nos casos de coronavírus, atribuída principalmente à circulação das novas variantes, a Argentina enfrenta uma segunda onda da pandemia com sucessivos recordes, quase 28 mil registros de infecção em 24 horas e um total acumulado de mortos que ultrapassa os 58 mil.
E, nesse cenário, o governo de Alberto Fernández está emparedado entre a necessidade de tomar medidas mais duras e a rejeição popular decorrente delas.
“Assim é muito difícil”, escreveu o secretário da Saúde da província de Buenos Aires (que não inclui a capital), Daniel Gollán, em uma rede social no último fim de semana, comentando imagens de uma praça de alimentação de shopping completamente lotada.
Para o governador Axel Kicillof, o que o país enfrenta não é uma segunda onda, “é um tsunami”. Ele é um dos que mais pressionam o presidente por um lockdown de pelo menos 15 dias em todo o território.
O discurso das autoridades da província mais populosa da Argentina ganhou apoio de entidades médicas e científicas que enviaram uma carta a Fernández pedindo maiores restrições para tentar conter o avanço da doença, num ambiente de muitos hospitais já em colapso.
Segundo eles, o atendimento nas regiões metropolitanas de Córdoba e Rosário também está próximo da saturação completa.
“É possível dizer que estamos vivendo uma nova pandemia”, afirmou a ministra da Saúde, Carla Vizzotti, na manhã desta quarta-feira (14), em Buenos Aires.
A dificuldade para tomar as medidas necessárias -e impopulares- esbarra no custo político.
No ano passado, quando a crise sanitária se apresentou, o governo nacional e o da província de Buenos Aires, que são peronistas (assim como Fernández), sentaram-se à mesa com a oposição -cuja principal liderança é Horacio Rodríguez Larreta, chefe de governo da cidade de Buenos Aires.
As três instâncias de governo anunciaram juntas e de modo consensual cada nova fase do enfrentamento da pandemia, mas essa lua-de-mel terminou.
Diferentemente do que acontece no Brasil com a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), o governo nacional argentino quer impôr medidas duras de quarentena, mas encontra oposição de alguns governadores.
O principal deles é justamente Larreta, pré-candidato à Presidência em 2023, acompanhado dos líderes das demais províncias não-peronistas.
Na mira de todos, estão as eleições legislativas de outubro deste ano, que devem renovar parte do Congresso e sinalizar as tendências para 2023. Os peronistas lutam para manter sua maioria no Parlamento, apesar da alta inflação (35,8% ao ano), da crescente pobreza (42%) e das críticas à administração da pandemia.
A oposição, por sua vez, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, quer aproveitar a situação de desgaste do peronismo para ganhar espaço.
Em geral, os peronistas se colocam a favor das medidas drásticas contra o vírus, enquanto a oposição considera que a economia não aguenta outro choque como a longa quarentena de 2020 (que foi de março a setembro) e pede mais e mais aberturas.
Nas últimas semanas, a queda-de-braço tem se refletido nas tímidas restrições negociadas entre eles. Por exemplo, depois da Semana Santa, houve um anúncio de novas medidas. O governo nacional queria um toque de recolher das 21h às 6h.
A oposição pressionou, ao lado de sindicatos dos setores gastronômicos, e conseguiu estender o horário até as 23h. Larreta foi além –e interpretou a lei considerando 23h como o horário máximo para alguém entrar num bar ou restaurante, e não para sair.
O resultado é que bares e restaurantes em Buenos Aires estão lotados quase todas as noites, com frequentadores aproveitando os últimos dias de calor do ano e provocando aglomerações em vários bairros da capital.
Outra batalha se dá no transporte público. O governo nacional conseguiu se impôr no que diz respeito à limitação de seu uso por trabalhadores essenciais e docentes. O cumprimento da medida, no entanto, é atributo dos governos locais -para embarcar, é preciso mostrar um código QR em um aplicativo-, e a vigilância não tem sido rígida.
As aulas presenciais continuam em todo o país, mas há muita pressão dos sindicatos de professores, que pedem retorno ao ensino virtual até que a curva volte a baixar. O chefe de governo da cidade de Buenos Aires, por sua vez, insiste que as escolas não são foco de contágio.
Tentando reafinar o discurso, o chefe de gabinete de Fernández, Santiago Cafiero, reuniu-se com autoridades para uma longa reunião na Casa Rosada na noite desta terça-feira (13), tentando estabelecer um cronograma de novas medidas de enfrentamento da pandemia.
O presidente, que está com Covid, participou remotamente de Olivos, onde está em quarentena.
Mas não houve acordo. E o esperado anúncio de novas restrições da manhã desta quarta foi substituído por um pedido da ministra da Saúde de que precisa de cooperação das autoridades regionais. Vizzotti deu a entender que medidas mais duras podem ser anunciadas até o fim da semana.