Segurança Pública
Sistema prisional: sociedade civil e minorias expõem condições degradantes, violência e dificuldades de ressocialização
Representantes de instituições de defesa das garantias individuais e das populações negras e indígenas foram ouvidas na audiência pública no STF
Representantes da sociedade civil e de organizações não governamentais dedicadas aos direitos de pessoas encarceradas expuseram e de minorias expuseram diversos aspectos do sistema prisional em discussão na audiência pública promovida no STF sobre o tema. Em comum, as exposições abordaram a complexa situação de superlotação e as dificuldades de ressocialização dos egressos do sistema.
Pena autônoma
Ademar Borges, do Instituto de Garantias Penais (IGP), afirmou que a pena cumprida em situação degradante deve ser reduzida para compensar a violação de direitos fundamentais. Segundo ele, é necessário identificar o grau de superlotação do estabelecimento para efetuar a compensação, pois o encarceramento, nessas condições, assume o caráter de pena autônoma e deve ser computado para a detração do período.
Tortura
Monique Cruz, da ONG Justiça Global, destacou a seletividade do sistema carcerário, com grande maioria da população composta de pessoas negras e de baixa condição socioeconômica. Segundo ela, as condições degradantes equivalem à institucionalização da tortura.
Sua colega, Isabel Lima, ressaltou a falta de protocolos de uso da força nas prisões. De acordo com ela, a permissão da legislação brasileira quanto ao uso de equipamentos letais dentro dos estabelecimentos representa práticas coloniais racistas de imposição da dor como forma de controle.
Compensação
De acordo com o professor Rodrigo Duque Estrada Roig, a situação degradante das prisões equivale ao cumprimento de penas ilícitas. Ele defende a redução genérica da pena em função da situação degradante ou da superlotação das prisões.
Para o professor, não havendo respeito aos direitos dos presos, a compensação deve ser obrigatória. Ele defendeu, também, que o Supremo combata a superlotação das unidades prisionais, determinando sua limitação ao efetivo número de vagas.
Reinserção
Dandara Tinoco, do Instituto Igarapé, destacou a necessidade de uma política voltada para as pessoas egressas do sistema penitenciário, com o fortalecimento da rede de atenção. Segundo ela, o alcance das ações de reinserção é limitado e, na maioria das vezes, as pessoas saem sem preparação até mesmo para o restabelecimento de vínculos com os familiares.
Modulação
Para Hugo Leonardo, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o processo penal não tem sido democrático, e súmulas vinculantes e decisões do STF têm sido descumpridas. Segundo ele, o HC coletivo deveria ser modulado, com a definição de balizas objetivas para interpretar e conceder os direitos assegurados pela decisão.
Apacs
Valdeci Antônio Ferreira, diretor-geral da Federação Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), afirmou que as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) não são uma solução para o crime, a violência ou os problemas do sistema prisional, mas são uma alternativa simples para recuperação de pessoas que estejam no sistema. Ele destacou que essa modalidade de prisão não pode ser confundida com as prisões privadas, porque não visam lucro, mas a reintegração dos apenados na sociedade.
Recorte racial
Para o representante do movimento Educafro, Irapuã Santana, o debate sobre o sistema prisional brasileiro exige um recorte racial. Ele apresentou dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) apontando que 64% da população carcerária no país são de pessoas negras. “Nos últimos 20 anos, a prisão de pessoas brancas caiu 19%, enquanto a de pessoas negras subiu 15%”, observou.
Para Irapoã, o sistema penal procura criminalizar a população afrodescendente. Ele cita como exemplo caso que ocorreu no último final de semana, quando um jovem negro que passava em frente a um shopping com sua bicicleta eletrônica foi abordado por um casal que o acusou de não ser o proprietário do objeto.
Injustiças
Pelo Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela, Thaís Pinhata destacou a proteção de crianças e pessoas com deficiência como principal objetivo da audiência. De acordo com ela, a violação dessa proteção fere garantias fundamentais que se refletem na situação de vulnerabilidade da população negra. A presidente, Ana Paula Soeiro, lembrou que o fundador do instituto havia sido um sobrevivente do cárcere e criou a entidade para lutar contra as injustiças das quais foi vítima.
Desmonte
O Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) alertou para o desmonte do órgão, criado com base em tratados internacionais. Cândida de Souza e Caio César Klein pediram que os órgãos de controle, em especial o Ministério Público Federal, investiguem a interferência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no contexto da participação da sociedade civil nos conselhos e colegiados federais.
Criminalização indígena
Para a representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Michael Mary Nolan, os dados sobre a população indígena encarcerada são subestimados. Ela afirma que o número cresce ano a ano e, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, foram mais de 1.200 presos de origem indígena no Brasil. “Em grande parte, a criminalização dos indígenas tem a ver com a falta de demarcação de territórios”, alegou.
Ajustes nos protocolos
Eveline Araújo, da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, propôs ajustes nos protocolos judiciais para que, em caso de prisão provisória, seja dever do magistrado garantir ao réu a produção de provas documentais que possam beneficiá-lo com a prisão domiciliar. Além disso, ela sugere que seja determinado às Defensorias Públicas orientar o acusado sobre como proceder para adquirir essa documentação e seu encaminhamento aos autos.