Educação & Cultura
Resumo de livro: Fogo Morto, de José Lins do Rego
Publicado em 1943, o livro Fogo Morto é considerado a obra-prima de José Lins do Rego (1901 – 1957), retratando, de maneira única, a ascensão e o declínio da produção de cana-de-açúcar no Nordeste e a decadência de uma sociedade que dependia economicamente da atividade canavieira.
Fogo Morto também se destaca por ser a última obra publicada no período literário conhecido como Neorrealismo Regionalista dos anos 1930, que deu continuidade às ideias empregadas pelo Modernismo no Brasil.
Realçando traços regionais e abordando problemas de desigualdade social, Fogo Morto demonstra muito bem os princípios de sua escola literária. Além disso, José Lins do Rego, como Graciliano Ramos (1892 – 1953) e Jorge Amado (1912 – 2001), foi um dos precursores da utilização da linguagem coloquial e de expressões idiomáticas regionais.
— Há duas noites que não durmo, comadre. A menina deu outra vez para a tristura e a doença de Zeca é uma coisa que não sei o que é. Avalie que ele deu agora para sair de noite, como um maluco, com esta friagem da tarde e, trasanteontem, me chegou o seu Lucindo com a notícia da morte do Zeca. Estava morto numa touceira de cabreira na beira do rio. Encontrei o homem quase que defunto. E o povão que acudiu! E o falaço do povo. Eu sei que estão falando de Zeca como lobisomem. É uma desgraça. Estão falando da menina também.
Resumo da obra
O enredo de Fogo Morto se divide em 3 partes, confira:
Primeira Parte: O mestre José Amaro
Esta é a 1ª fase da história, que começa falando sobre a vida de José Amaro, que vivia nas terras do conhecido Seu Lula. Pela dedicação exagerada ao trabalho e ao patrão, José Amaro parece ser muito mais velho e debilitado do que realmente é.
Ele mora com Sinhá e com sua filha, Marta, que acaba enlouquecendo no decorrer da história. A localização da residência de José Amaro, à beira da estrada, é favorável para que ele tenha contato com outros personagens da narrativa.
Existem muitas figuras que dialogam com José Amaro, como o capitão Carneiro Cunha, Alípio e Torquato, que era cego. Eles eram mensageiros do capitão Antônio Silvino, cangaceiro muito temido e respeitado em toda a região. Silvino era considerado o vingador dos desfavorecidos, um representante da resistência contra a burguesia local.
Marta, filha de José, não tinha a saúde boa e acaba sofrendo um ataque de convulsão nervosa. José Amaro não cuida dela, mas a espanca com “intenção de curá-la”. Ele também era chamado de lobisomem pelas pessoas da região, pois tinha insônia e vagava pelas estradas durante a madrugada.
José Amaro era muito orgulhoso, sempre se exibindo por tudo, inclusive por trabalhar apenas para aqueles que lhe eram interessantes. Contudo, ele foi expulso da terra onde vivia por se indispor com o patrão.
Essa era apenas a 1ª tragédia que lhe aconteceria. Tempos depois, sua mulher foge de casa, sua filha enlouquece com a fuga da mãe, é internada e começa a crer nas histórias contadas pelas pessoas que diziam que seu pai era um lobisomem.
José Amaro é preso e humilhado pela tropa do tenente Maurício. Ele perde seu orgulho, que considerava seu bem mais precioso, e é acusado de colaborar com o capitão Antônio Silvino. Amaro, então, resolve tirar a própria vida, fato que é revelado apenas na 3ª parte do livro.
Pela estrada passava um moleque, a cavalo, e quando viu o velho Vitorino, parou e largou a boca no mundo:
— Papa-Rabo, Papa-Rabo.
Vitorino levantou-se com o corpo mole, pegou de uma pedra e saiu correndo atrás:
— Papa-Rabo é a mãe.
E correu com tanto ímpeto que tropeçou nas raízes da pitombeira e foi ao chão como um jenipapo maduro. O mestre José Amaro levantou-se para ampará-lo. O velho quase que não podia falar. Estava branco como algodão, de corpo mole. Depois que se refez com o copo d’água que bebeu, disse com a voz ofegante:
— É isto que o senhor vê, meu compadre. Me perseguem deste jeito.
Chegara gente da casa para animá-lo.
— Caí com o corpo todo. Muito obrigado. Estes cabras me pagam. Isto é coisa do Juca do Santa Rosa. Estas desgraças me pagam. Corto a cara do safado de rebenque.
Segunda Parte: O engenho do Seu Lula
Ao contar a história de Seu Lula (Luís César Holanda Chacon), dono do engenho Santa Fé, o narrador recria o local e a época nos quais ocorre esse trecho da trama. O fundador do engenho foi o capitão Tomás de Melo, que ganhou muito respeito e admiração na região.
Considerado um homem sério, Tomás trouxe escravos e gado para a cidade e conseguiu ampliar sua imensa fortuna. Mas ainda faltava algo, que era casar sua filha única.
A filha do capitão tocava piano e estudou na capital, Recife, por isso, o pai queria encontrar um homem digno de sua educação. Ela, por sua vez, rejeitou todos os pretendentes por não cumprirem seus requisitos.
O capitão já estava preocupado com a idade de sua filha quando chegou de Pernambuco o filho de Antônio Chacon, homem distinto e admirado por muitos. Rapaz culto e estudado, Luís César de Holanda Chacon foi considerado o par ideal para a filha de Tomás.
Contudo, após o casamento, o capitão percebeu a falta de interesse do rapaz pelos negócios do engenho. Passado o tempo, a filha de Seu Lula se tornou motivo de chacota em toda a região, já que seu pai não permitia que ela namorasse qualquer homem de família humilde. Assim, a moça acabou dando excessiva importância ao dinheiro e gastando toda a herança deixada pelo avô.
O nome Fogo Morto foi escolhido, porque o capitão Tomás era cruel com os escravos e, com o fim da escravatura, eles sumiram da região, tornando o engenho um “fogo morto”. Além disso, essa parte especificamente termina com uma frase que dá sentido ao título: “Acabara-se o Santa Fé”.
Calaram-se. Ele não queria ouvir voz de ninguém. Queria ser só neste mundo que não lhe dava alegria. Agora percebia-se bem a voz da cantoria que o vento trazia. Aqueles diabos tinham corrido com medo dele. Por que tinham medo dele? A sua mulher teria também medo dele? Estaria assim tão monstruoso que espantasse o povo? Acendeu a luz do candeeiro e foi procurar um espelho que tinha na mala. Olhou-se bem. Viu os seus olhos inchados, de pálpebras como de peixe, a barba grande.
Terceira Parte: O Capitão Vitorino
Esse personagem pode ser considerado uma paródia de Dom Quixote de La Mancha, sendo alguém iludido que ostenta a dignidade e o poder que nunca teve. Isso fica claro quando ele luta contra o capitão Antônio Silvino, que invade o engenho Santa Fé.
Vitorino fica gravemente ferido, mas é salvo por José Paulino. Logo depois, a polícia chega e todos são detidos. Com tudo resolvido, Vitorino é liberado e decide entrar para a vida política da região.
Ele não respondeu. No outro dia sairia pelo mundo para trabalhar pelo povo. Para ele, Antônio Silvino e o tenente Maurício, José Paulino e Quinca do Engenho Novo, todos valiam a mesma coisa. Quando entrasse na casa da Câmara sacudiriam flores em cima dele. Dariam vivas, gritando pelo chefe que tomava a direção do município. Mandaria abrir as portas da cadeia. Todos ficariam contentes com o seu triunfo. A queda de José Paulino seria de estrondo. Ah, com ele não havia grandes mandando em pequenos. Ele de cima quebraria a goga dos parentes que pensavam que a vila fosse bagaceira de engenho.
Notas sobre o autor
José Lins do Rego nasceu na Paraíba, no município de Pilar, no dia 3 de junho de 1901, e faleceu em 1957, no Rio de Janeiro. Uma de suas principais obras foi Menino de Engenho (1932), que lhe rendeu o Prêmio Graça Aranha. Além disso, seu romance Riacho Doce (1939) foi transformado em minissérie de televisão. Lins do Rego também foi membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número 25.
Ele era filho de uma família da oligarquia nordestina açucareira. Seu avô materno tinha um engenho, no qual ele passou a infância. José foi para Recife em 1920, para estudar Direito. Ele conheceu o intelectual Gilberto Freyre (1900 – 1987) em 1923, fato que influenciou o resto de sua carreira literária.
Lins do Rego se casou com uma mulher chamada Filomena Massa em 1924 e, logo em seguida, mudou-se para Minas Gerais, onde exerceu o cargo de promotor público. Mas a carreira de magistrado durou pouco. José se mudou para Maceió, onde trabalhou como fiscal de bancos.
Então, ele publicou Menino do Engenho, seu 1º livro, romance premiado e reconhecido até hoje. José foi morar no Rio de Janeiro, onde lançou Pureza (1937), que foge de sua temática habitual, sem abordar o engenho e o ciclo da cana-de-açúcar. Em seguida, vieram os livros Pedra Bonita (1938) e Água-mãe (1941).
Lins do Rego foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1955 e faleceu no dia 12 de setembro de 1957, no Rio de Janeiro.
Outra gargalhada estrondou no alpendre. Mas seu Lula gesticulava no outro lado, indignado com as graças de Vitorino. Iria com a família para casa. O amigo, então, procurava convencê-lo do contrário. Com pouco mais o cabriolé saiu tilintando de estrada afora. A família de seu Lula voltava para o Santa Fé. No coração do velho ia aquela mágoa de, entre estranhos, uma pessoa referir-se aos seus parentes do Recife com aquela insolência. Não voltaria mais ao Santa Rosa. A mulher e a filha em silêncio, e ele pensando nas palavras de Vitorino. Aquilo era uma infâmia. Há tempo que não se enfurecia daquele jeito. Pensavam que o humilhavam. O Santa Rosa se enchia de riqueza, de muita gente, de prestígio. Mandavam aquele Vitorino insultá-lo, fazer referências que lhe doeram como chicotadas.
Espaço e tempo
A narrativa se passa no começo do século XX, quando o clico da cana-de-açúcar estava em alta no Nordeste. Por causa desse mesmo fato, o espaço do enredo é o interior da Paraíba. O romance se passa no município de Pilar, a 55 km de João Pessoa. Grande parte do enredo acontece nas terras do engenho Santa Fé, arredores de Pilar.
Foco narrativo, narrador e linguagem
O foco narrativo é em 3ª pessoa, ou seja, um narrador onisciente e onipresente é responsável por contar os acontecimentos do enredo. Sendo assim, o narrador também pode ser caracterizado como heterodiegético, que conta a história, porém não participa das ações.
A linguagem é outro fator importante que destaca o caráter regionalista da obra, trazendo expressões idiomáticas, gírias e palavras do linguajar popular nordestino.
Contexto histórico
O livro retrata o período de ascensão e de queda da produção canavieira no Nordeste brasileiro, que aconteceu entre o final do século XIX e o começo do século XX. Além disso, o coronelismo e a repressão policial e militar da época também podem ser encontrados no decorrer da narrativa.
O coronelismo surgiu no período colonial, quando algumas famílias foram presenteadas com terras que foram passadas de geração em geração, perpetuando a riqueza de poucas pessoas e a pobreza de grande parte da população.
A repressão policial e militar, por sua vez, é herança das incursões que combatiam os cangaceiros. A brutalidade desses conflitos deixou resquícios vistos até hoje no Nordeste brasileiro.
Relevância da obra
Fogo Morto é a última obra de destaque do Regionalismo Neorrealista da geração de 1930. Contudo, o romance é considerado especial por retratar de forma sutil, porém verdadeira, a situação de declínio econômico e social do Nordeste brasileiro.
O livro também mostra as raízes de mazelas que assolam o Brasil, como o coronelismo e a violência. A relevância de Fogo Morto para a literatura brasileira é trabalhar a arte como um instrumento de crítica social que ajuda a discutir problemas nacionais e regionais.
O bater do martelo do mestre José Amaro cobria os rumores do dia que cantava nos passarinhos, que bulia nas árvores, açoitadas pelo vento. Uma vaca mugia por longe. O martelo do mestre era forte, mais alto que tudo. O pintor Laurentino foi saindo. E o mestre, de cabeça baixa, ficara no ofício. Ouvia o gemer da filha. Batia com mais força na sola. Aquele Laurentino sairia falando da casa dele. Tinha aquela filha triste, aquela Sinhá de língua solta. Ele queria mandar em tudo como mandava no couro que trabalhava, queria bater em tudo como batia naquela sola. A filha continuava chorando como se fosse uma menina. O que era que tinha aquela moça de trinta anos? Por que chorava, sem que lhe batessem? Bem que podia ter tido um filho, um rapaz como aquele Alípio, que fosse homem macho, de sangue quente, de força no braço. Um filho do mestre José Amaro que não lhe desse o desgosto daquela filha. Por que chorava daquele jeito? Sempre chorava assim sem que lhe batessem. Bastava uma palavra, bastava um carão para que aquela menina ficasse assim. Um bode parou bem junto do mestre. O animal era manso. O mestre levantou-se, sacudiu milho no chão para a cria comer. Depois voltou para o seu tamborete e começou o serviço outra vez. Pela estrada gemia um carro de boi, carregado de lã. O carreiro parou para conversar com o mestre. Estava precisando de correame para os bois. O coronel mandara encomendar no Pilar. Ele gostava mais do trabalho do mestre José Amaro. O mestre olhou para o homem. E lhe falou, com a voz mansa, como se não estivesse com a alma pesada de mágoa.
— É encomenda do Santa Rosa? Pois, meu negro, para aquela gente não faço nada. Todo mundo sabe que não corto uma tira para o coronel José Paulino. Você me desculpe. É juramento que fiz.
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