Nacional
Seria possível a adoção do voto online no Brasil?
A tecnologia de Blockchain como elemento fiduciário em um novo processo eleitoral
A discussão sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 135-A, de 2019, que previa o retorno do voto impresso no Brasil, sofreu três derrotas sequenciais na Câmara dos Deputados, sendo rejeitada pelo Plenário da Casa Legislativa em agosto deste ano. Todo esse debate ampliou a noção de outras perspectivas acerca dos processos eleitorais no Brasil, incluindo expectativas e estudos para um modelo de votação online, cuja ideia vem ganhando força e aderência ao redor do mundo, pelas mesmas justificativas daqueles que defendem o voto em papel: transparência e confiabilidade.
Apesar de não encontrar indicações proibitivas à alteração na maneira de votar junto às normas constitucional e infraconstitucional, pesquisas demonstram que as dificuldades para as mudanças, na verdade, se verificam nos limites sociopolíticos, derivados da percepção do brasileiro acerca das práticas de corrupção no país e a consequente falta de confiança institucional.
O posicionamento do brasileiro que desacredita no poder público, de acordo com a análise do cientista político José Álvaro Moisés, em “Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas”, atesta que, proporcionalmente, quanto maior a observância do cidadão acerca da corrupção, menor a percepção sobre as práticas referentes às liberdades civis e políticas.
A partir desses estudos e pesquisas, é possível entender que o desconfiar do brasileiro, diante dos processos corruptivos aos quais foi exposto, integra o inconsciente coletivo da população. De fato, a posição ocupada pelo Brasil no Índice de Percepção da Corrupção (94ª posição), pior que os demais países da América Latina (em média 41ª), e a percepção da corrupção como um dos maiores problemas do país (em 2015, em pesquisa do Instituto Datafolha, a corrupção ocupou a 1ª posição) corroboram com a aferição dessa desconfiança generalizada.
Na esteira das dúvidas e ao longo das décadas, desde a estreia do registro digital em urnas eletrônicas, há 25 anos, o Supremo Tribunal Federal teve de se manifestar duas vezes quanto à possibilidade de retorno ao voto impresso, afastado desde a promulgação da Lei 10.470, de 2003. O contínuo impasse, ainda presente na agenda de congressistas, vai na contramão do recrudescimento de um cenário de disrupção, em favor da implementação do voto à distância e online nos processos eleitorais em outros países. Neste sentido, o Poder Legislativo brasileiro deveria estar atento ao futuro e não ao passado.
Dois exemplos relevantes vêm da Suíça e dos Estados Unidos. Os países preparam os ambientes jurídico e regulatório para a adoção do sistema de votação online. Enquanto os estados-membros suíços já foram autorizados à implementação de projetos-pilotos de votos online, no estado americano de Nevada foi permitida, por lei, a utilização de um sistema eleitoral lastreado na tecnologia de blockchain.
No Brasil, do ponto de vista legal, a utilização de blockchain tem recebido bastante atenção no âmbito do governo federal. No ano passado, dois decretos foram promulgados com determinações quanto ao uso da nova tecnologia. O Decreto 10.332/2020, por exemplo, orienta a implementação da estratégia de Governo Digital até 2022. O normativo prevê a disponibilização de, pelo menos, nove conjuntos de dados por meio de soluções de blockchain na administração pública federal, a partir da implementação de “recursos para criação de uma rede blockchain do Governo federal interoperável, com uso de identificação confiável e de algoritmos seguros”.
A avaliação das disposições legais estrangeiras traz o condão de proporcionar interessante base comparativa à possível norma que estabeleça o voto online na jurisdição brasileira. O principal ponto de convergência entre as normas comparadas foi a da necessidade de demonstração de que o novo sistema é “tamper-resistant”, ou seja, que tem baixa propensão a ser alvo de fraudes — além da necessidade de que seja escalável. Esses tipos de dispositivos encontram lugar importante na legislação brasileira, que deve esclarecer a idoneidade do novo procedimento e proporcionar a inclusão de todo o eleitorado.
Ainda quanto à aceitação e capilaridade da tecnologia de blockchain no país, é relevante mencionar o esforço do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema. A Corte, que vem acompanhando o movimento de modernização eleitoral crescente no mundo, lançou o projeto “Eleições do Futuro”, para avaliar as condições no país para eventual implementação de inovações no sistema eletrônico de votação.
No caso do uso de blockchain, concebida para atribuir fidúcia a operações de compra e venda de ativos virtuais, a tecnologia já é considerada a mais potente inovação desde a apresentação da Internet.
Ao contar com elementos que potencializam a checagem minuciosa de dados, a imutabilidade das informações prestadas e a transparência para os processos e resultados, a tecnologia de blockchain surge como uma alternativa para a exequibilidade de uma votação online, ao menos pelo viés da confiança do eleitorado. Em propostas acadêmicas, como a do professor Marcelo Moro da Silva, já existem orientações para a adoção de um modelo de votação online por meio de aparelho celular e autenticação biométrica.
Assim, em resposta ao questionamento inicial, sobre a admissibilidade do modelo online de votação no Brasil, é aceitável considerar que seja um horizonte possível para o processo eleitoral brasileiro. Todavia, percebida a escassa confiança do eleitorado nas instituições democráticas do país, a nova maneira de votar deve ser orientada à demonstração de idoneidade do processo. Em compasso com o que se tem realizado em jurisdições estrangeiras, a tecnologia de blockchain pode ter as características necessárias à atribuição de fidúcia ao voto realizado à distância e online.