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Educação & Cultura

Professor iniciante: como fazer uma boa gestão da sala de aula nos Anos Finais do Fundamental

Educadores com mais de 20 anos de experiência em escolas públicas compartilham estratégias para lidar com os desafios do início da carreira

A carreira docente apresenta desafios que exigem dos professores uma reinvenção constante. Além da atualização quanto a novos conhecimentos, recursos e ferramentas no dia a dia, a prática docente demanda disposição para aprender sempre e uma reflexão contínua sobre o que se faz. Diante dos estudantes, que atravessam momentos diferentes de desenvolvimento e de vida e cujos comportamentos se modificam de acordo com o contexto social e com o passar do tempo, são necessárias intervenções variadas – o que funciona em uma turma ou escola pode não funcionar em outra. Há, ainda, as imprevisibilidades que podem acontecer ao longo de uma aula e o fato de que a formação inicial tem lacunas e certo distanciamento do chão da escola.

Assim, começar a lecionar pode ser especialmente desafiador. Para apoiar os professores em início de carreira, ouvimos quatro educadores com mais de 20 anos de experiência em escolas públicas. Eles compartilham as estratégias que os auxiliam na gestão de sala de aula e na formação integral dos alunos e, em depoimentos distribuídos ao longo desta reportagem, revelam as principais dificuldades que enfrentaram e como conseguiram superá-las.

Conhecimento do contexto e intencionalidade pedagógica

O primeiro passo é conhecer o território, a escola, os estudantes e as suas famílias. “É preciso refletir sobre o que podemos oferecer de melhor para os estudantes e ouvir o que eles desejam, cientes de que eles podem enfrentar todos os males que a sociedade produz: fome, violência, desemprego na família”, afirma Luiz Felipe Lins, professor há 27 anos na rede municipal do Rio de Janeiro (RJ). Segundo ele, essa aproximação traz uma percepção inicial que vai se transformando conforme a convivência aumenta e as relações se estreitam. Ela também é importante para dar mais sentido à intencionalidade pedagógica, que diz respeito ao que o estudante precisa aprender e, portanto, ao que o professor deve trabalhar na sala de aula.

Para que o processo de ensino e aprendizagem vá além do cognitivo e seja significativo, é preciso ainda definir qual o perfil de estudante que se deseja formar e planejar cada uma das ações pedagógicas, tendo em mente que as várias dimensões dos sujeitos são indissociáveis. Assim, como aponta a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é preciso promover o desenvolvimento cognitivo, social, físico, emocional e cultural de forma integrada, levando em conta o contexto e a cultura específica de cada território.

“Eu achava que, como matemático, tinha de ensinar o conteúdo, mas não a partir das demandas dos alunos. Inverter isso fez toda diferença na minha prática, porque primeiro somos professores, depois somos professores de algo, já que não se trata só do conteúdo, mas de formar seres humanos. Para mim, esse é o grande objetivo”, conta Fabio Menezes, professor há 23 anos na rede municipal de Duque de Caxias (RJ).

O peso das referências e a importância de estudar sempre

“A minha formação inicial não me preparou para a realidade da Educação Básica. Por muito tempo, eu fui os professores que tive, não o que eu gostaria de ser, porque acabamos reproduzindo as práticas que temos como referência enquanto alunos e que hoje já estão ultrapassadas. Tive de estudar metodologias, concepções de Educação, os teóricos da área e Psicologia, além de aprender a ouvir e a praticar a inclusão. Escola é lugar de acolhimento, de integração, de se sentir bem, e raça, gênero, orientação sexual e religião são partes fundamentais do processo educativo. Então pense no ser humano que você deseja que seus estudantes sejam e em como usar seu conhecimento a favor disso.”

Luiz Felipe Lins, professor com 27 anos de experiência na rede municipal do Rio de Janeiro (RJ)


Escolhas metodológicas e planejamento

Com essa ideia em mente e conhecendo o perfil da turma, é preciso então pensar em como fazer o estudante aprender com qualidade. É aqui que entram as escolhas metodológicas – por exemplo, se o professor vai trabalhar com um projeto, dar uma aula expositiva ou propor uma atividade em grupo.

“A formação continuada pode ajudar nessas escolhas porque existe muita oferta de metodologias, muitas coisas novas sendo estudadas e pesquisadas. Então, é interessante [o professor] fazer cursos, ir a eventos e congressos e ouvir pessoas que pensam a Educação”, diz Luciana Gomes, professora há 22 anos em escolas públicas das redes municipal e estadual do Rio de Janeiro (RJ). Ela comenta que costuma anotar dicas de jogos, aplicativos e metodologias, experimentar com os estudantes e depois avaliar o que deu certo e o que precisa ser adaptado.

Mas, antes de entrar em sala de aula, é necessário ainda mais uma etapa, que vai consolidar e organizar as reflexões feitas até aqui: o planejamento. “Podemos pensá-lo considerando que a sala de aula é um laboratório onde o aluno pode errar, e, na verdade, se espera que ele erre. E que o planejamento pode dar diferentes oportunidades de aprendizado e de os estudantes mostrarem como estão pensando e se desenvolvendo”, indica Ana Cláudia Santos, professora na rede estadual de Santo Antônio do Monte (MG) há 20 anos.

No planejamento, é preciso considerar os objetivos de desenvolvimento e de aprendizagem dos estudantes em determinado período, as intervenções que serão realizadas, os agrupamentos que podem ser feitos, os espaços e os tempos de cada ação, qual vai ser o papel do professor e dos aluno em cada etapa e os materiais e recursos necessários. Em relação às avaliações, os especialistas recomendam aplicá-las em momentos diferentes e com diversidade de propostas. Uma única prova escrita no bimestre, por exemplo, não contempla os estudantes que se expressariam melhor oralmente ou por meio de projetos. Também se corre o risco de o aluno, por algum motivo, não estar bem naquela única oportunidade de mostrar seus conhecimentos.

Ana Cláudia também sugere não deixar um espaço de tempo muito longo entre uma atividade e outra, porque os estudantes se dispersam. É bom sempre ter uma atividade extra na manga para atrair a atenção da turma e promover mais aprendizagens.

Flexibilidade para replanejar e participação dos estudantes

Ainda sobre planejamento, outro ponto relevante é que, apesar de servir como guia, ele deve ser alterado sempre que necessário para se adequar às demandas da turma. “Quando somos recém-formados, há uma angústia de ter de cumprir totalmente o currículo, mas tudo bem dar um passo para trás para depois avançar. Já tive de replanejar tudo e adaptar os materiais para dar conta de problemas com alfabetização e só depois voltar o conteúdo, mas as aprendizagens fluíram bem”, relata Luciana.

“Meu papel é dar condições para que o estudante adquira novos conhecimentos e cresça, cada um no seu tempo, de jeitos diferentes. E eu vou crescendo junto com ele, dando apoio, dialogando e replanejando”, complementa Luiz Felipe. “O importante é que o aluno se sinta acolhido e confortável no que está produzindo, porque a escola deve promover oportunidades de aprendizagem respeitando as individualidades.”

Também é importante compartilhar com os estudantes o planejamento e incentivá-los a intervir, a construir coletivamente essa rota para que essas particularidades sejam contempladas. Rodas de conversa, por exemplo, funcionam bem para isso. Na experiência de Luciana, essa postura ajuda a conquistar os alunos e despertar a vontade de aprender.

Para Fabio, isso proporciona o pertencimento dos estudantes à escola e ao trabalho pedagógico. “Se chego impondo certas coisas, como um ato colonizador, isso gera indisciplina, desprazer, desinteresse. É preciso muita atenção à personalização do ensino e à participação do aluno, não só para que todo mundo possa aprender, mas também porque, se faço uma aula em que ninguém pode me questionar, estou dizendo implicitamente que a sociedade não pode ser questionada”, ressalta. “Se proponho discussões e ouço todos os estudantes sobre um conteúdo, regras de convivência, avaliação e planejamento, estou dizendo que importa o que eles pensam e sentem e que estamos promovendo uma democracia, uma sociedade mais respeitosa e desenvolvida.” 

Conhecer o contexto dos alunos e os processos
internos da escola

“Tive dificuldade de tornar a teoria acessível para meus estudantes – por exemplo, relacionar termos da gramática com a vivência deles. O que me ajudou foi entender a realidade dos alunos, do que gostam e os seus interesses, e aí ficou mais fácil fazer essa relação. Além de conhecer esse contexto exterior, tem também o interno. Então vale saber sobre o regimento interno, o PPP [Projeto Político-Pedagógico] da escola, como usar os livros da biblioteca, que espaços podem ser aproveitados, quais recursos tecnológicos costumam usar e como funciona a parte burocrática de diários e planilhas.”

Ana Cláudia Santos, professora da rede estadual em Santo Antônio do Monte (MG) há 20 anos

Conflitos e problemas disciplinares

Todas essas reflexões, ações e planejamentos são fundamentais para o professor se preparar para chegar a uma sala de aula. Mas isso é o que ele pode controlar, pois há imprevistos que podem surgir e assustam especialmente os educadores iniciantes, como situações de conflitos.

Para os casos mais simples, Ana Cláudia recomenda usar a voz de comando: “É para mostrar que você está seguro dos motivos que o levam a pedir algo, que é o melhor para todos naquele momento. E que você está preparado para a aula que vai ministrar”.

No caso de conflitos com o próprio professor, a orientação dos mais experientes é manter a calma: a questão provavelmente não é pessoal, é só como ela pôde aparecer. “Um aluno chegou batendo a porta e me respondendo mal. Deixei a turma fazendo exercícios, chamei-o para fora da sala de aula e perguntei o que estava acontecendo. Ele começou a chorar e contou das dificuldades que estava passando fora da escola”, lembra Luciana.

Na experiência do professor Luiz Felipe, problemas disciplinares também estão relacionados a dificuldades e defasagens. Ele conta que, neste ano, três de seus estudantes rotulados como bagunceiros se enquadravam nessa situação. “Parece ser mais fácil [para esses alunos] se mostrarem levados do que revelar que não sabem ler e escrever direito. Eles têm vergonha disso, então é preciso se aproximar, mostrar que você não está ali para julgar, mas como um parceiro para construir junto.”

Convidá-los a tomar uma posição mais protagonista e ativa na sala também ajuda nessas situações – ser monitor, por exemplo, favorece a autoestima desses estudantes. “Também [fazer] muitos elogios, mostrar onde eles estão acertando, seus pontos fortes. E para chamar a atenção, conversas individuais funcionam melhor”, pontua Luciana.

O papel do professor e o frio na barriga até hoje

“Eu estava muito preocupado em ensinar Matemática para os alunos e deixava de lado todo o resto, o que dificultava as relações e a aprendizagem. Conversando com professores mais experientes da escola, pude repensar a profissão e o nosso papel. Outra coisa bem comum é o frio na barriga quando a gente chega à sala de aula, que parece um território desconhecido – e que bom! É isso que dá a possibilidade de fazer o nosso trabalho bem feito. A experiência oferece condições melhores para lidar com essa ansiedade, mas ela não passa. Até hoje sinto isso em toda primeira aula com uma nova turma.”


Fabio Menezes, professor há 23 anos na rede municipal de Duque de Caxias (RJ)

Brigas, bullying e racismo: como lidar

Recorrer à arte para promover reflexões e aflorar a sensibilidade e a empatia da turma tem sido a estratégia da professora Ana Cláudia nos episódios de brigas entre estudantes. “Na vivência [do dia a dia] é difícil perceber o que está acontecendo, então trago músicas, vídeos e histórias para ajudá-los a interpretar a situação e a lembrar que o outro também tem sentimentos.”

Já os casos de bullying e racismo demandam uma atuação conjunta de toda a escola e das famílias. Eles não podem ficar apenas sob responsabilidade de um educador, nem o trabalho deve ser apenas com os estudantes envolvidos. É necessário que o enfrentamento ao bullying e ao racismo faça parte do Projeto Político-Pedagógico da escola, que todos os profissionais recebam formação nesse sentido e que o trabalho pedagógico seja promotor de debates e de conhecimento sobre relações raciais, diversidade e respeito. Na prática, além de abordar esses temas relacionando-os aos conteúdos específicos de todas as áreas e à realidade local, atividades como júris simulados, rodas de conversa, trabalhos colaborativos e gincanas podem ajudar.

Paralelamente a esse trabalho, que deve ser contínuo e transversal na escola, é preciso acolher tanto as vítimas de bullying ou de racismo quanto quem praticou esses atos, já que crianças e adolescentes reproduzem essas violências que aprenderam em algum contexto social e demandam da escola um trabalho para desconstruí-las. Vale lembrar que bullying e racismo são violências diferentes. O primeiro ocorre exclusivamente nas relações interpessoais como um fenômeno psicológico e comportamental escolar, e todo estudante está sujeito a sofrer ou a praticar bullying. Já o racismo é um crime que permeia toda a sociedade e os espaços, e apenas estudantes e professores negros e indígenas sofrem racismo – embora possam inclusive praticá-lo – e podem ser vítimas de bullying ao mesmo tempo. 

“Quando acontece algo assim, a escola precisa parar e pensar ações que não sejam punitivas, mas reflexivas, para que todos aprendam verdadeiramente que o outro tem direito de ser o que quiser, o que se é, e isso deve ser respeitado”, finaliza Luiz Felipe. 

Transformar o mundo a partir da sala de aula

“Quando me formei, achava que iria mudar a Educação do país, e acabei me sentindo angustiada e impotente, porque as possibilidades e os recursos são escassos. Então, entendi que preciso estar bem, me cuidar e me cercar de professores otimistas, engajados, que lutam por uma Educação melhor, se ajudam e trocam experiências. Só assim consigo pensar em como usar o que tenho para dar a melhor aula possível para os estudantes, a aula que eu gostaria de ter. No final, a gente transforma o mundo, mas a partir da sala de aula.”

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