ECONOMIA
Presidenciáveis miram tributação de lucros e dividendos
As medidas em gestação também miram os superricos, bem como o chamado PJ de alta renda, o profissional com ganho elevado que vira pessoa jurídica, ou seja, uma empresa, para efeito de tributação.
Propor tributação sobre a renda do capital já foi de tabu no Brasil, mas agora é prioridade. Os quatro presidenciáveis com melhor desempenho nas pesquisas, bem como grupos que trabalham para apresentar sugestões aos candidatos, preveem mudanças na tributação sobre lucros e dividendos distribuídos aos acionistas de empresas.
As medidas em gestação também miram os superricos, bem como o chamado PJ de alta renda, o profissional com ganho elevado que vira pessoa jurídica, ou seja, uma empresa, para efeito de tributação. O fenômeno é conhecido como pejotização e atrai, para o Simples Nacional ou o regime de lucro presumido, advogados, médicos, executivos de empreendimentos de médio porte e até de grandes companhias.
O Brasil parou de tributar a distribuição de lucros e dividendos em 1996, e ainda há quem defenda a isenção. Para um grupo de juristas, seria bitributação cobrar, ao mesmo tempo, sobre o lucro empresarial e o ganho do acionista. Essa corrente também diz ser mais efetivo concentrar a cobrança na empresa, sem ter de se preocupar com a tributação pulverizada em inúmeros sócios na declaração de IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).
No entanto, se tornou majoritário o entendimento de que empresa e acionista são entes distintos que podem ter ganhos tributados. Também consolida-se o consenso de que o sistema brasileiro é socialmente injusto.
“O modelo atual referenda aquela percepção de que rico não paga imposto no Brasil porque quando se tributa apenas a empresa, nem sempre é o acionista que paga”, afirma o economista Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A tributação da empresa, explica ele, deveria reduzir a remuneração do acionista. No entanto, estudos mostram que o valor do tributo pode ser compensado com um aumento no preço final do produto ou do serviço, sendo assim, o consumidor seria o pagador do tributo.
Também pode ser abatido na forma de salário menor, o que transfere a conta para o empregado. Dependendo do repasse, o acionista até ficaria isento.
Appy faz parte do Grupo de Seis, junto com os economistas Francisco Gaetani, Marcelo Medeiros e Pérsio Arida, o professor Carlos Ari Sundfeld (FGV Direito SP) e o cientista político Sérgio Fausto. Eles redigiram uma proposta de governo com reformas para os presidenciáveis que inclui a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos.
O pesquisador Sérgio Gobetti, um dos primeiros a defender a volta dessa tributação, destaca mais um problema. Na prática, por causa de deduções, planejamento tributário e outros subterfúgios, a empresa no Brasil não chega a pagar o teto nominal de 34% sobre o lucro, mas um efetivo que varia de 22% a 24%. Gobetti chegou a identificar que a Petrobras conseguiu uma alíquota efetiva de 18% por oito anos.
Concentrar a tributação no lucro da empresa também coloca o Brasil em desvantagem internacional. Ainda que o percentual de 34% não seja efetivo, é ele que baliza decisões de investimentos estrangeiros.
Apenas a Estônia, por exemplo, não tributa lucros e dividendos na pessoa física no grupo de 38 países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Na média, a alíquota para o acionista é de 24%.
“Mesmo que a gente quisesse tributar apenas a empresa, o mundo caminha para outro lado”, diz Gobetti. “Estamos perdendo a guerra fiscal e tributária internacional, pois mesmo a maior alíquota lá fora ainda é menor que a nossa por causa desse modelo.”
Os presidenciáveis propõem um mesmo roteiro: reduzir a tributação da empresa e cobrar do acionista, calibrando as alíquotas para manter carga atual. O que varia é o como fazer a mudança.
O economista Guilherme Mello, um dos responsáveis pelo programa de governo do PT, afirma que a volta da cobrança de lucros e dividendos é essencial para modernizar a tributação brasileira. “Na nossa leitura, é preciso mudar a composição, mas sem elevar a carga”, explica.
Segundo Mello, há uma maior tributação sobre a renda do trabalho do que sobre a renda do capital, o que beneficia a alta renda e incentiva a pejotização.
“O Imposto de Renda da pessoa física é progressivo até as faixas entre 30 e 40 salários mínimos, a partir daqui, cresce a parcela da renda com capital, com isenção de lucros e dividendos”, diz Mello.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) já tentou resgatar a tributação de lucros e dividendos em sua reforma tributária e promete nova ofensiva em um segundo mandato. Os percalços mostram o desafio da mudança.
Inicialmente, propôs alíquota de 20%. O percentual, porém, foi caindo, primeiro para 15%, até ficar em 10%. Isso também mexeu na contrapartida. A redução da tributação do lucro da empesa foi mais tímida, de 34% para 30%.
A proposta excluiu uma série de entes, entre eles, micro e pequenas empresas do Simples Nacional e do lucro presumido. Ainda assim, sofreu forte oposição. Passou pela Câmara, após muitas alterações, e empacou no Senado.
Agora, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, querem desmembrar essa parte da reforma, tributando os mais ricos e conseguindo R$ 70 bilhões para manter os R$ 200 do Auxílio Brasil em 2023 e ampliar a faixa de isenção do IR.
“Qualquer reforma tributária contraria interesses, então, é preciso um governo bem conectado com um plano de desenvolvimento para resistir aos lobbies”, diz Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores da Receita Federal do Brasil). “Foi o que não aconteceu com esse projeto do atual governo, que, depois de ser desfigurado, foi abandonado.”
Em sua campanha, Ciro Gomes está entre os candidatos que mais reforça a necessidade de reduzir a carga tributária da produção e do consumo para gerar crescimento econômico.
Suas propostas passam pela volta da tributação sobre lucros e dividendos distribuídos e da tributação do patrimônio, explica o economista Nelson Marconi, que atua na coordenação do programa de governo do candidato.
“Começamos a falar sobre tributação de lucros e dividendos ainda na campanha de 2018 e fomos muito criticados, mas agora há um consenso de que é preciso alguma cobrança para fazer justiça tributária”, diz Marconi.
No grupo de Simone Tebet (MDB), coordenado pela economista Elena Landau, as propostas da área tributária ficam sob a gestão da advogada Vanessa Canado, ex-assessora especial do Ministério da Economia.
Canado explica que a isenção de lucros e dividendos precisa ser revista como aliada no combate da sub tributação do lucro corporativo nos regimes especiais, como o Simples Nacional.