Internacional
O que Putin quer com “referendos” no leste da Ucrânia?
Áreas ocupadas pela Rússia devem ser anexadas por meio de pseudorreferendos. Processo lembra o ocorrido na Crimeia em 2014, mas há diferenças
A intenção para isso já havia sido manifestada há alguns meses, mas agora a Rússia tem urgência em anexar as áreas ocupadas no sul e leste da Ucrânia. A votação sobre a anexação está programada para ocorrer simultaneamente nas regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporíjia, entre 23 e 27 de setembro. Em um pronunciamento nesta quarta-feira (21/09), o presidente russo, Vladimir Putin, deu a entender que Moscou reconheceria os resultados.
Assim como ocorreu em relação à anexação da Crimeia em 2014, a Rússia atribui grande importância a parecer imparcial. Foram os políticos ucranianos locais nomeados e apoiados militarmente por Moscou que anunciaram os chamados “referendos”.
Assim como no caso da Crimeia, há oito anos, a votação foi antecipada. Antes se falava em 4 de novembro como data possível.
Referendos regionais são proibidos na Ucrânia. Não haverá monitoramento independente da votação – assim como não houve na Crimeia.
Votação com escolta policial
Apesar dos paralelos, as diferenças em relação à votação na Crimeira predominam. Donetsk e Lugansk são repúblicas separatistas que estão efetivamente sob controle russo desde 2014 e foram reconhecidas como Estados independentes por Putin pouco antes da invasão da Ucrânia em fevereiro. As regiões de Kherson e Zaporíjia, por outro lado, foram ocupadas quase total ou parcialmente pela Rússia somente após a invasão.
Os combates prosseguem em todas as quatro regiões até hoje. Um pseudorreferendo também foi planejado nas áreas a leste de Kharkiv que estavam ocupadas até alguns dias atrás. A bem-sucedida contraofensiva ucraniana foi aparentemente capaz de evitar isso.
Segundo a mídia russa, haverá diferenças regionais entre os “referendos”. Em Donetsk e Lugansk, a cédula tem apenas uma pergunta: Ingresso na Federação Russa − “sim” ou “não”. Em Kherson e Zaporíjia, são três perguntas que só podem ser respondidas em conjunto com “sim” ou “não”: deixar a Ucrânia, fundar um Estado independente e ingressar na Rússia. A votação também está ocorrendo na própria Rússia, para onde centenas de milhares de ucranianosfugiram desde 2014. No entanto, a maioria, vários milhões, fugiu para as regiões da Ucrânia controladas por Kiev.
Não há previsão de votação eletrônica. Na região de Zaporíjia, por exemplo, equipes eleitorais móveis com escolta policial devem fazer visitas domiciliares, disse o chefe da administração Yevgeny Balizki, nomeado pela Rússia, em entrevista à emissora estatal russa Rossiya-24 na terça-feira.
Objetivos da Rússia nos pseudorreferendos
Depois que a união tiver sido formalizada, os combatentes de Donetsk e Lugansk deverão ser incluídos no Exército russo. Mas para Kherson e Zaporíjia os planos de Moscou são diferentes: lá serão recrutados voluntários.
A anexação das novas áreas daria à Rússia a oportunidade de usar “todas as suas forças para autodefesa”, escreveu o ex-presidente Dmitri Medvedev em seu canal no Telegram. Muitos observadores interpretaram isso como uma ameaça de emprego de armas nucleares. No entanto, um ataque ucraniano a um aeroporto militar russo na Crimeia há algumas semanas não resultou em uma reação imediata da Rússia.
O cientista político russo Dmitri Oreshkin disse à DW que o plano original da Rússia, de uma votação aparentemente ordenada, foi descartado. Esta votação “durante a guerra, quando quase metade da população fugiu”, não deve ser levada a sério.
Enquete no Donbass em 2019
Não há informações confiáveis sobre o clima atual nas áreas ocupadas pelos russos na Ucrânia.
Em uma pesquisa encomendada pelo Centro Berlinense de Estudos Internacionais e do Leste Europeu (ZOiS) em 2019, menos da metade dos moradores das áreas separatistas de Donetsk e Lugansk se manifestaram a favor da anexação à Rússia – um total de cerca de 45%. Muitos dos defensores apoiam um status de autonomia − cerca de 27%. Na época, 54% das pessoas questionadas nessas duas regiões defendiam o retorno à Ucrânia.