CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Guerra nos streamings: a volta da pirataria
Promessa de redução na pirataria feita por serviços de streaming tem se mostrado irreal com aumento da prática ilegal
Nos primórdios dos serviços de streaming, a promessa da redução massiva da pirataria parecia real. Contudo, o aumento constante dos usuários da prática ilegal demonstra o extremo oposto. A propriedade intelectual, encontra-se, então, no seu tão conhecido combate à circulação ilegal de informações.
A existência de uma plataforma que reuniria, mediante o pagamento de um valor acessível, conteúdos de vídeo ou de áudio de diversas origens e gêneros era a alternativa que parecia solucionar o velho problema. É de entendimento geral que, na maioria dos casos, as pessoas escolhem as práticas de pirataria para atender melhor às suas necessidades. Quão mais caro e elitizado torna-se o conteúdo cultural, mais pirataria ocorre. Por essa razão, a promessa de preços baixos por muito conteúdo reduzia os números de praticantes da pirataria no início do serviço, mas o cenário alterou-se, acarretando o estado atual[1].
Antes de entender a mudança nos números, cabe explicar o estado da arte em relação ao streaming de música. No caso deste, as plataformas continuam sendo um ambiente que reúne músicas de diferentes estilos e gravadoras por preços acessíveis. Ainda que não seja propriamente barato, a diferença entre o custo e o ganho é suficiente para tornar a pirataria desinteressante. O cenário, contudo, alterou-se profundamente em relação ao streaming de vídeo. Os dados mostram que, quando de seu surgimento, as plataformas diminuíram de modo significante a pirataria de vídeo, porém analisando a partir de 2020, a tendência que vinha sendo observada alterou-se profundamente[2].
A entrada no mercado de diversos competidores tornou mais custosa para o consumidor a escolha que era simples. Assinava-se um serviço e tinha um grande catálogo à sua espera. Atualmente, a diversificação de plataformas trouxe a redução de um catálogo mais diverso em apenas uma empresa. A Disney, que anteriormente disponibilizava diversas produções para a Netflix, parou quando criou seu próprio serviço de streaming. O mesmo ocorreu com as produções da Warner, que foram integralmente retiradas do catálogo da Netflix em situação similar. Essa mudança foi responsável por destituir uma das características essenciais das plataformas: a generalidade em um só lugar.
Configurada a situação, o consumidor encontrou-se em novos dilemas. Cada serviço apresenta sua parcela de produções queridas, mas a seu preço, que deixou de ser acessível, uma vez que assinar os principais serviços em suas modalidades mais básicas custa R$ 156,20. Somado a isso, a perspectiva de custo-benefício reduziu significativamente também, pois o custo de assinar uma plataforma ficou menos atraente, visto que os ganhos dela oriundos são menores. Cada plataforma lança sua parcela de “séries imperdíveis” por ano, mas que se resumem à casa das unidades, portanto, a sensação de pagar mensalmente por um lançamento, sabendo que outras produções “imperdíveis” estarão disponíveis em outras plataformas com outras assinaturas deteriora o benefício de comprometer-se com a empresa.
Na mesma seara do custo-benefício, encontra-se o cansaço que vem da sobrecarga de serviços. Encontrar um filme específico no mundo das plataformas se tornou mais cansativo, todavia, no mesmo ensejo, tem-se que acompanhar as novidades. Assim, as frustrações reduzem – cada vez mais – o benefício que era prometido pelos serviços de streaming: praticidade, generalidade e acessibilidade.
A pirataria, nesse sentido, volta a seu antigo lugar atraente e, sem os preços mensais, os sites de pirataria voltaram a crescer significativamente. Apesar de não terem estudos extensos recentes no Brasil sobre o aumento da pirataria, estudos europeus, norte-americanos e asiáticos indicam no sentido da crescente demanda. Um dos mais destacáveis estudos afirma que a pirataria digital custa à economia norte-americana US$29,2 milhões por ano[3].
Apesar de estar em alta, a pirataria não era a mesma que se conhecia no início dos anos 2000. Atualmente, ela não apenas se dá no acesso a sites que disponibilizam ilegalmente conteúdo, mas nas novas maneiras que usuários encontraram para driblar os serviços de streaming. Como maior exemplo, tem-se o compartilhamento de senhas. O usuário pagante divide sua senha com outras pessoas – as quais não moram com ele –, atividade vedada pelos termos da plataforma. Essa prática, conhecida como “rachadinha de senha” está sendo combatida pela Netflix, que está desenvolvendo meios para torná-la menos recorrente.
Além disso, tem-se o uso interminável do período de teste. Usualmente, os serviços apresentam certos dias de período de teste gratuito, em que será cobrada a assinatura após a expiração do tempo determinado. A nova prática entre os usuários é criar uma série de contas falsas, vinculadas a e-mails inventados com o objetivo de ludibriar os serviços. Com um novo endereço de e-mail, pode-se criar novas contas e explorar, de modo indeterminado, períodos de teste gratuito com acesso à plataforma completa.
Os novos meios, contudo, demonstram a insatisfação do consumidor em relação à situação atual expressa na forma de pirataria. A pirataria não se sustenta por si, ela depende de uma série de fatores exógenos, como o preço e a dificuldade de acessar o conteúdo desejado. É compreensível que as empresas estudem métodos de dificultar a pirataria de seus próprios serviços, mas este não deve ser o único caminho utilizado pela plataforma.
O afastamento entre os streamings e os usuários vai continuar aumentando exponencialmente a pirataria de vídeo, que sempre consegue uma forma de disponibilizar os conteúdos ilegais em primeira mão. Parece que os esforços deveriam se concentrar em criar planos mais acessíveis e democratizar o conteúdo. Não se destrói um mal combatendo seus efeitos, mas desconstruindo suas causas. Enquanto a situação correr dessa forma, a propriedade intelectual continuará prejudicada, assim como todos aqueles que trabalham em sua cadeia.
Acesso a sites de pirataria aumentou em 16% em 2021. Canaltech. Disponível em: https://canaltech.com.br/pirataria/acesso-a-sites-de-pirataria-aumentou-16-em-2021-208086/.
Consumo de pirataria aumentou no Brasil. ANID. Disponível em: https://www.anid.org.br/site/noticia/508-consumo-de-pirataria-na-internet-aumentou-no-brasil.html.
‘Dramatic’ rise in digital piracy: US Chamber of Commerce. TBO. Disponível em: https://www.trademarksandbrandsonline.com/news/dramatic-rise-in-digital-piracy-us-chamber-of-commerce-54.
[1] Acesso a sites de pirataria aumentou em 16% em 2021. Canaltech. Disponível em: https://canaltech.com.br/pirataria/acesso-a-sites-de-pirataria-aumentou-16-em-2021-208086/. Acesso em 6 ago. 2022.
[2] Consumo de pirataria aumentou no Brasil. ANID. Disponível em: https://www.anid.org.br/site/noticia/508-consumo-de-pirataria-na-internet-aumentou-no-brasil.html. Acesso em 6 ago. 2022.
[3] ‘Dramatic’ rise in digital piracy: US Chamber of Commerce. TBO. Disponível em: https://www.trademarksandbrandsonline.com/news/dramatic-rise-in-digital-piracy-us-chamber-of-commerce-54. Acesso em 6 ago. 2022.