Educação & Cultura
Textos multimodais: 3 práticas para avançar na aprendizagem
Confira estratégias para apresentar diferentes formatos de texto, aguçar a curiosidade da turma e garantir o aprendizado
Vemos, lemos, ouvimos e interagimos com os textos todos os dias, o dia todo. Eles nos servem nos mais diversos contextos e nos convidam a olhar através deles para nos aproximarmos de suas finalidades comunicativas. Digo no plural porque os textos em nosso cotidiano são múltiplos, podem ser sons, palavras, imagens estáticas ou em movimento. Enfim, eles circulam e nos confrontam com leituras diversas. E saber como interpretá-los é fundamental.
Você já recorreu a um aplicativo para orientá-lo quanto às direções e caminhos que deve tomar enquanto dirige? Ou procurou um tutorial que ensina como executar aquela receitinha para o almoço de domingo? Os textos, seus contextos e finalidades comunicativas se inscrevem nas narrativas que construímos em nosso dia a dia. Nosso desafio é elaborar estratégias pedagógicas que façam com que nossos alunos leiam os textos multimodais que circulam nos mais diversos domínios discursivos, provocando-lhes o estranhamento que, por outro lado, os motiva a ler impulsionados pela vontade de desvendar potencialidades sobre o que foi dito, interdito e até pelo não dito.
A competência geral de número 5 da BNCC prevê o trabalho com gêneros multimodais a partir do uso de tecnologias digitais, estimulando a reflexão e dialogando com a 3ª competência de Língua Portuguesa, que aborda diferentes linguagens (oral, visual, corporal, sonora, digital) para a resolução de conflitos e na cooperação entre eles. E mais: na 6ª competência específica de linguagem, a BNCC atualiza o uso dos gêneros de textos quando registra a necessidade de compreender e utilizar tecnologias digitais para se comunicar e desenvolver projetos autorais e coletivos.
Tecendo saberes: visita virtual ao museu
Aproveitando que tivemos recentemente a 16ª Primavera dos Museus promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), amplie o horizonte de percepção de seus alunos. Comece traçando um perfil da turma para ver quem já visitou um museu. Na cidade onde eles moram há algum museu? Se sim, veja se a cidade participou da Primavera. No site do Ibram, há um mapa que permite localizar os museus participantes, além da temática do corrente ano.
Feito isso, mostre a possibilidade de acesso aos acervos virtuais do mundo todo disponíveis para nossa visitação. Você, professor, poderá guiar uma visita e abordar os pontos mais relevantes. Minha sugestão é uma visita ao Inhotim, na seção Arte ao ar Livre do Google Arts, com uma visão panorâmica das exposições que permite um passeio e a observação das obras. Cada uma delas traz uma descrição em áudio que poderá despertar ainda mais o interesse dos alunos.
Para melhor explorar as obras, a intertextualidade proposta pela artista Yayoi Kusama em Narcissus Garden é um convite a refletirmos sobre o mito de Narciso e os valores cultivados pela sociedade contemporânea. É interessante compartilhar com a turma a história do personagem grego, levantar hipóteses e relacionar a obra em estudo.
Para recordar e sumarizar as informações estudadas, peça para que os alunos construam um mapa conceitual, que é também um recurso visual de estudo, e registrem as evidências de aprendizagem, a capacidade de sìntese e de representação de suas ideias construídas a partir da expedição virtual. Se julgar conveniente, o mapa pode ser elaborado em aplicativos próprios como o MindMeister ou, se preferir, feito livremente à mão valendo-se de imagens e palavras.
Linguagem verbal e não verbal: leitura de infográfico
Uma outra opção de atividade é com um gênero de texto que está bastante em evidência na atualidade: o infográfico. Ele é muito utilizado por revistas e jornais e tem despertado interesse entre os leitores que buscam objetividade. Isso porque sua construção utiliza ferramentas capazes de passar de modo mais visual as informações.
No infográfico, são explorados os recursos multimodais – cores, formatos e espessuras de letras – que complementam as informações veiculadas nas notícias e reportagens. Além disso, pode apresentar-se sem estar ligado a esses gêneros de texto, como quando é usado para explicar determinado conteúdo.
Mostre aos alunos as vantagens de aprender a ler um infográfico, já que a leitura desse gênero de texto nos leva à interpretação de diversas informações, verbais e não verbais. É importante que os alunos percebam que esse é um recurso utilizado para ampliar a divulgação de informações e a compreensão dos leitores sobre determinado assunto.
Sugiro, professor, que a análise seja feita com infográficos publicados recentemente e, antes, a turma realize uma breve discussão acerca do texto a ser explorado. Que tal aproveitar o ano eleitoral e analisar os infográficos publicados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que apresentam o perfil do eleitorado apto a votar em 2022? Além de dados como grau de instrução e faixa etária, o texto que acompanha os números apresenta avaliações sobre o vigor cívico que as eleições provocam. Pode render boas discussões!
Incentive a curadoria, proponha uma lista de tópicos que pretende abordar e como eles se conectam, tais como: uso das redes sociais no Brasil, fake news e a credibilidade das mídias sociais, cyberbullying. Ao analisar com eles a pesquisa realizada, observe os níveis contextual, discursivo e textual/imagético, aproveite a oportunidade para mostrar aos estudantes que o levantamento de dados e números associados às informações complementares dão um suporte para melhor entendimento do assunto.
Pensando sempre em ampliar as possibilidades de criação e entendimento, proponha a produção de um infográfico, saliente a importância do estado do conhecimento, ou seja, quais dados já estão disponíveis para pesquisa e que podem ser reunidos em um painel. Reforce a ideia de que a disposição das informações é muito importante, esquematize como será veiculado o texto e qual público pretende alcançar. Esboço pronto, ouse e solte a imaginação na diagramação! Se julgar oportuno, utilize ferramentas com templates próprios para o gênero. Se não, proponha recortes de jornais e revistas, desenho e escrita livres.
Criatividade e persuasão: interpretação de anúncios
Por fim, mas não menos importante, os anúncios publicitários são textos multimodais que nos seduzem cotidianamente. Eles reproduzem historicamente os ideais difundidos pela poesia concreta em meados de 1950. Em comum, utilizam especialmente os recursos linguísticos, com destaque para as figuras de linguagem como metáforas, eufemismos, hipérboles e repetições. Incorporam, conscientemente, elementos argumentativos que tornam o discurso mais persuasivo e exploram a criatividade com o jogo visual e a desconstrução das palavras.
Anúncios, folhetos, spots, jingles, comerciais e todo tipo de peças publicitárias trazem em si um discurso semiótico a ser desvendado e que revelam ideologias que constituirão formas básicas de comunicação. Antes de analisar os anúncios propriamente ditos, levante hipóteses sobre os discursos que circulam por detrás da publicidade. Explore trechos do poema Eu, Etiqueta, de Carlos Drummond de Andrade. Analise a voz que fala e como deixa pistas de sua criticidade consciente, lúcida capaz de perceber sua condição de objeto que se deixa seduzir pela vaidade de andar na moda, ao ostentar várias marcas.
Uma boa alternativa é relacionar o texto de Drummond ao poema visual extraído da obra da poesía visual Las seductoras formas de la poesía na qual o artista defende o meio ambiente e traz no slogan o alerta sobre o desmatamento de florestas com a utilização do código de barras na imagem, evidenciando a obtenção de lucros que tantos malefícios traz para a humanidade.
Depois de entender o que os discursos por trás da publicidade provocam em nós, é hora de analisar uma peça publicitária que pode ser também de cunho social e reflexivo como as campanhas realizadas em junho para abastecer os bancos de sangue. Há um spot de rádio que foi veiculado pelo Ministério Público de Santa Catarina e pode ser facilmente acessado no site e relacionado a outras campanhas difundidas pelo Brasil. Analise os elementos textuais e extratextuais, assim como a intenção do discurso propagado.
Depois, pode ser a hora de explorar as múltiplas linguagens e valer-se dos recursos de áudio para difundir uma ideia. Oriente seus alunos para que criem um spot publicitário que nada mais é do que um propaganda veiculada no rádio. Como são textos curtos e devem captar o público-alvo, oriente a redação de um texto que utilize uma linguagem objetiva, rápida e eficiente. Trocadilhos, metáforas e outras figuras de estilo devem ser exploradas em favor do propósito comunicativo e do público que se pretende alcançar. O Audacity é um editor de áudio de fácil manuseio que pode ajudar nessa atividade. Depois de gravar, não esqueça de socializar com a turma!
Agora, despeço-me com Drummond: “você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma palavra ou locução atual, pelo seu ouvido, sem registrá-la. Amanhã, pode precisar dela.” Explore as potencialidades e os sentidos da linguagem: palavra, imagem, cor, som e movimento! Até a próxima!
Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestranda em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guimarães Rosa, da Academia de Letras da PMMG.