Educação & Cultura
Como envolver crianças e famílias na construção de portfólios na Educação Infantil?
Educadores podem estimular o protagonismo dos pequenos, convidando-os a selecionar as produções que consideram mais significativas, e planejar a participação de pais e responsáveis em algumas atividades
Costuma-se dizer que “o tempo voa”, e a expressão parece ser especialmente verdadeira quando se trata da evolução de bebês e crianças. O balbuciar que vai se impregnando de sentido com as primeiras palavras, uma garatuja que aos poucos ganha forma e a própria transformação física de seus corpos. Daí a importância do registro na Educação Infantil. Se não documentamos essa trajetória, as experiências e os aprendizados vividos por cada criança e pela turma como um todo correm o risco de se perderem, bem como a memória afetiva de uma das fases mais ricas da vida.
Para cumprir essa função, um dos principais instrumentos de avaliação processual utilizado nessa etapa é a elaboração de portfólios. Se, à primeira vista, avaliação e Educação Infantil parecem ser duas dimensões incompatíveis, é porque ainda impera a noção de avaliar atrelada à aplicação de provas, ao desempenho e à classificação – o que não poderia estar mais equivocado. Nessa fase, a avaliação implica no acompanhamento do desenvolvimento infantil e na documentação desse percurso com intencionalidade pedagógica de forma a fornecer insumos para as equipes repensarem suas práticas e também informar os docentes dos anos seguintes sobre o caminho trilhado por aquela criança até então.
De formatos variados, os portfólios fazem parte dessa documentação pedagógica e dão conta de recontar a trajetória vivida pelos pequenos, seus desafios e suas conquistas. Além do aspecto documental, são também recursos fundamentais na hora de apresentar o trabalho desenvolvido para as famílias, ajudando-as na compreensão do papel da escola na aprendizagem dos bebês e crianças.
“O portfólio traz um olhar sensível do professor para o processo vivido por cada criança na escola. A partir desses registros, a gente consegue mapear o quanto cada criança já avançou em relação aos seus próprios desafios. Se há comparação, é sempre em relação a ela mesma”, explica Mariana Mas, professora da EM Iracema França Lopes, em Ilhabela, no litoral paulista.
Protagonismo infantil na construção dos portfólios
Apesar de consistir em um documento estruturado pelo professor, a elaboração do portfólio não só pode como deve ter a marca da autoria das crianças e suas famílias. Quando elas são convidadas a também serem agentes dessa construção, isso fornece subsídios importantes para o professor compreender e apoiar os interesses individuais e da turma e como ambos se relacionam com o que foi desenvolvido pedagogicamente na escola.
“Em geral, percebo que as crianças selecionam trabalhos que representaram propostas significativas para elas, e esse é um olhar individual – às vezes, o que foi para uma não foi tanto para outra”, opina Mariana, que também realiza formações na rede municipal de Ilhabela para públicos distintos, incluindo professores, gestores, famílias e funcionários das unidades escolares.
São diversas as estratégias que os educadores podem colocar em prática para envolver e dar protagonismo às crianças no momento da elaboração dos portfólios. Para começar, o mais importante é reiterar que os portfólios não devem surgir apenas como resultado da conclusão do ano letivo. “Eles podem ser construídos ao longo do processo vivido com as crianças, e não apenas como algo que, finalizado o processo, represente uma seleção das atividades”, recomenda a professora e formadora.
Para favorecer a centralidade das crianças nessa produção, ela indica incluir os pequenos na seleção daquilo que vão arquivar. “É interessante conversar com ela [a criança] para que possam justificar por que escolheram esses materiais e não outros. Claro que, chegado o fim do ano, a gente faz uma retrospectiva e pergunta o que mais gostariam de incluir.”
“Mini-histórias” e diferentes formas de participação
Essa prática de envolver os pequenos é adotada por Cristiele Borges dos Santos Cardoso, professora na EMEI Joaninha, em Novo Hamburgo (RS), onde trabalha com crianças de até três anos. A pouca idade das crianças não a impede de fomentar o protagonismo da turma. Elas participam ativamente do processo de construção de seus portfólios, ajudando a escolher aquilo que desejam apresentar para suas famílias. “Essa seleção dos materiais permite [às crianças] que se reconheçam dentro daquela documentação”, afirma.
Na categoria dos portfólios, uma estratégia usada por Cristiele são as chamadas “mini-histórias”, espécie de registro composto por um breve texto e imagens que constroem uma narrativa sobre uma criança, uma dupla de crianças ou um grupo. Esse registro, que é parte da documentação pedagógica, pode ter vários formatos, mas geralmente consiste em uma impressão em tamanho A4 ou em uma versão digital no formato PDF.
As “mini-histórias” são compartilhadas com as famílias uma vez por semana e também são apresentadas aos pequenos. “Eles adoram se ver nelas e reconhecer os colegas. Tiramos muitas fotos do cotidiano e costumamos projetar para eles; assim, eles podem escolher as de que mais gostam”, conta a professora.
Nesse processo de elaboração, alguns cuidados são considerados para se ter um retrato fidedigno da memória afetiva que a criança vai levar daquela etapa. “Por exemplo, a gente percebe no cotidiano quem são amigos próximos, e uma parte da documentação em fotos é com os melhores amigos. Fazemos isso porque entendemos que esse documento vai ficar para contar a história daquela criança”, destaca Cristiele. Ela foi uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 de 2022 com o projeto “A voz das crianças: conexões que aproximam”.
Estimular o protagonismo, no entanto, não é sinônimo de “forçar” a participação das crianças nas atividades envolvendo os portfólios. Diferentes personalidades podem exigir diferentes abordagens. “É preciso observar como cada criança se sente mais à vontade para se expor, falar. Às vezes, essa participação não precisa acontecer no grande grupo, mas em uma conversa individual na qual ela vai fazer a escolha do seu material”, acrescenta Mariana.
Participação começa no planejamento
Apesar de ser um instrumento avaliativo, um bom portfólio começa ainda no planejamento. Além de prever os momentos de interação com as crianças e famílias, esse exercício permite que os professores se organizem de forma a registrarem e arquivarem aquilo que será mais relevante. “Não dá para deixar tudo para o fim do ano. É um trabalho diário ir organizando esses documentos. Isso faz parte da rotina pedagógica. São muitas descobertas e muitos avanços em pouco tempo”, aponta Amanda Grispino, atelierista na Creche Baroneza de Limeira, em São Paulo (SP).
O planejamento também deve orientar a escolha das ferramentas e mídias que irão compor o portfólio. “Quanto mais multimídia ele for, melhor. É possível enviar vídeos e inserir fotos, entre outras ferramentas, para dar voz às crianças”, diz Amanda.
Outra dica da educadora para colocar as crianças no centro desse processo é saber como se comportar na hora de fazer esses registros. “Um bom vídeo, por exemplo, é aquele no qual a gente fica mais calada e deixa a criança narrar a cena, aquilo que ela está fazendo.”
Envolvimento das famílias
As “mini-histórias” desenvolvidas por Cristiele ajudam também na compreensão e no acompanhamento, pelos responsáveis, do trabalho pedagógico feito na Educação Infantil. Essa compreensão, aliás, é peça-chave para o envolvimento, observa a professora. “As famílias entenderem que a aprendizagem por campos de experiências [da Base Nacional Comum Curricular] é essencial para que compreendam o trabalho que está sendo feito na escola e o portfólio como documento pedagógico.”
A escola também organiza os chamados “círculos de comunicação difusos”, que são encontros ao longo do ano para informar e apresentar aos pais e responsáveis esses materiais. Nessa empreitada, as ferramentas digitais entram como grandes aliadas. “Usamos comunicações digitais no Instagram e no Facebook da escola para que as famílias vejam e participem desses momentos”, conta a professora.
Além de dialogar para conhecer quem são as famílias das crianças, outra forma encontrada por Amanda de envolver os responsáveis na construção dos portfólios é incluir em seus projetos desdobramentos de atividades que podem ser realizadas fora da escola. “Eu coloco indicações de passeios para fazerem com as crianças. Se os projetos são mais longos e têm mais camadas, é possível gerar uma resposta das famílias, trazer a informação de como isso se deu em casa. Isso tudo vai nutrindo o portfólio”, salienta. Um exemplo de projeto desenvolvido assim foi uma biblioteca móvel cujos livros ficavam disponíveis para as famílias levarem para casa.
Mariana também acredita que a participação das famílias ocorre dando espaço para que possam acompanhar o desenvolvimento dos portfólios ao longo do ano. “Outro caminho é permitir que as crianças levem para a casa esses portfólios”, sugere.
Dessa forma, chegado o fim do ano, não há surpresas. Com o fechamento das atividades, é interessante construir um momento de apresentação para as famílias, com a participação ativa das crianças, que podem trazer sugestões sobre o que querem mostrar e como.
Na EMEI Joaninha, é organizado um espaço para receber os pais e responsáveis, e as crianças são convidadas para apresentarem os portfólios, desenhos e histórias. “Nesse momento coletivo, há uma síntese daquilo que foi vivido, mas que as famílias já estão sabendo. Também fazemos uma comunicação individual na qual as famílias visualizam os momentos de suas próprias crianças”, finaliza Cristiele.
Boas práticas para portfólios participativos
Confira sugestões para envolver as crianças na elaboração dos portfólios e para a integração das famílias nesse momento
– Preveja os momentos de interação com as crianças e famílias ainda no planejamento dos portfólios. Reserve tempo para dialogar e trocar com ambos ao longo do ano letivo. Não deixe para informar sobre o trabalho pedagógico realizado apenas no final do ano;
– Convide as crianças para escolherem os trabalhos que desejam arquivar e mostrar às famílias. Ao oferecer esse protagonismo, será possível perceber quais propostas foram mais significativas para elas;
– Ainda que as crianças devam co-construir os portfólios ao longo dos meses, chegado o final do ano, vale fazer uma retrospectiva e perguntar o que mais gostariam de incluir;
– Considere diferentes estratégias de acordo com o perfil de cada aluno para estimular a participação de todos na elaboração do portfólio. Com os mais tímidos, vale fazer conversas individuais em vez de expô-los no grande grupo.
– Insira vídeos, fotos, textos e links – quanto mais multimídia for o portfólio, melhor. E deixe as crianças assumirem a centralidade dos registros. Na hora de gravar um vídeo, por exemplo, a criança pode narrar o que está fazendo.
– Inclua propostas que podem ser realizadas fora da escola para envolver os responsáveis na construção dos portfólios, como passeios, perguntas que devem ser respondidas pela família e atividades para casa.