Educação & Cultura
As oportunidades e os desafios do balanço de final de ano para a gestão escolar
O que gestores precisam levar em consideração neste momento de finalização das atividades escolares e como essa ‘revisão final’ pode determinar as metas para o próximo ano letivo
O fechamento do ano letivo é um momento decisivo para a gestão escolar consolidar os impactos e resultados das avaliações, das reuniões com os responsáveis e com os conselhos de classe e para ponderar se o planejamento feito lá no início do ano foi cumprido. Esse olhar é fundamental para que a equipe consiga avaliar o trabalho realizado e projetar as possibilidades do ano letivo que se avizinha.
Mas 2022 – o ano letivo mais presencial de todos, desde a instauração da pandemia, em 2020 – também impôs grandes desafios para a Educação. Nesse contexto, reflexões importantes precisam estar no radar de diretores, coordenadores pedagógicos e professores nesta época do ano. Entre as principais, está o quanto a retomada do ensino presencial fez a gestão escolar e a gestão de sala de aula reverem o processo de ensino para que os estudantes pudessem continuar aprendendo e, ao mesmo tempo, recomporem suas aprendizagens.
Para Maura Barbosa, coordenadora pedagógica na área de gestão educacional e escolar da Comunidade Educativa CEDAC, essa questão deve ser considerada a grande prioridade do balanço da escola, neste fim de ano. Isso porque o contexto atual trouxe novidades como a priorização de conteúdos, também chamada continuum curricular.
Ela destaca que o diretor precisa ter clareza dos registros de aprendizagem dos estudantes ao final de cada ciclo. E, para isso, necessita ter respostas para três perguntas-chave: o que fizemos que foi relevante? O que fizemos que não deve ser repetido? E o que não fizemos e que precisamos planejar para o ano que vem?
Nesse balanço final, o diretor assume a tarefa principal de alinhar e organizar todas as informações, junto com a equipe de coordenadores pedagógicos e professores, para que todos consigam visualizar o retrato da escola naquele momento, no que diz respeito à aprovação, evasão, distorção idade-série, entre outros pontos. “Eu costumo dizer aos diretores e à equipe da secretaria com a qual trabalho que o diretor é o implementador da política pública. Mas ele não faz a gestão sozinho”, aponta.
Sidecleia Oliveira dos Anjos, especialista em gestão e coordenação, e técnica da rede municipal de ensino de Bonito, na Chapada Diamantina (BA), concorda. Ela defende que o balanço de fechamento de ano envolva uma gestão democrática, isto é, a participação e a colaboração de todos da comunidade escolar, pois esse é um movimento de monitoramento de um trabalho coletivo e, portanto, precisa acontecer de maneira colaborativa por todos os envolvidos no processo.
“O gestor não é o único responsável pela escola. A gestão democrática parte da ideia de que o diretor escolar vai coletar dados e ouvir todas as pessoas que fazem parte dessa comunidade escolar para construir o projeto da escola”, explica.
A premissa também vale para o momento de encerramento e revisão das atividades do ano letivo. O Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola – documento norteador do trabalho da instituição – deve ser revisitado no final do ano coletivamente. “Esse é o documento no qual todos da comunidade escolar dizem qual escola querem ter, quais os objetivos para aquela instituição etc. Então, não faz sentido que o balanço de final de ano desconsidere essa construção colaborativa e participativa”, analisa a educadora, que produziu um material complementar sobre o tema especialmente para a NOVA ESCOLA, e que você pode baixar gratuitamente abaixo.
Acompanhamento ao longo do ano
Mas como ter certeza de que as ações planejadas no início do ano geraram impactos positivos? E que as metas foram alcançadas? Além disso, dentre tantas tarefas que envolvem o trabalho dos gestores no fechamento do ano, o monitoramento e a avaliação do trabalho pedagógico são fundamentais e precisam ser realizados ao longo de todo o período letivo para garantirem ações eficientes e de real mudança no cenário escolar.
“Quem não monitora não cuida.” Sidecleia cita a frase da educadora Heloísa Lück para destacar a importância do acompanhamento das aprendizagens e também do cotidiano de toda a comunidade escolar. “Assim, a equipe que está acompanhando o desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico (PPP) e que participa de todo esse balanço vai conseguir enxergar o que estava previsto para ser executado no ano, o que de fato foi executado e até onde, quais metas foram alcançadas ou não, quantos estudantes deixaram de aprender o que deveriam e o que pode ser feito para o próximo ano. Então, esse balanço é essencial para a tomada de decisões, para o plano de ação da escola no próximo ano. Sem esse balanço, a escola vai planejar no escuro”, analisa.
João Paulo Pereira de Araújo, diretor da EE Doutor Pompílio Guimarães, localizada em Piacatuba, distrito de Leopoldina (MG), trabalha atualmente para mapear o quanto os 170 alunos da instituição, localizada na zona rural, evoluíram, principalmente no contexto da recomposição das aprendizagens, no último um ano e meio. “A gente não está olhando por ano. A gente está olhando para um bloco grande que é esse da recomposição da aprendizagem”, diz.
João Paulo conta que as avaliações das reuniões pedagógicas da escola e as avaliações externas do estado já mostram como os alunos estão registrando uma curva positiva de evolução. “A gente considera que, agora, eles vão muito melhor preparados para o próximo ano do que foram do ano passado para este”, diz.
Além disso, o mapeamento de dados e as conversas com equipe, professores e responsáveis ao longo de todo o ano vão mostrando ao gestor quais rotas já podem ser mudadas e quais precisarão de mais tempo de reflexão. Sobre o primeiro caso, João Paulo exemplifica: “Combinamos com os professores um modelo de avaliação comum a todos para 2022. Mas, no segundo bimestre, percebemos que ele não estava coerente. Então a gente mudou com base no mapeamento contínuo que fazemos na escola. O monitoramento deu para a gente essa percepção e pudemos fazer essa modificação”.
Os mesmos dados ajudaram a gestão a idealizar um projeto para ser aplicado em breve, possivelmente em 2023. “Os alunos estavam com muitas notas baixas no primeiro bimestre. Além disso, percebemos que eles estudam muito dentro da escola, mas em casa isso não acontece. Então, estamos pensando em criar uma espécie de ‘escola de pais’, para convidá-los a assistirem às aulas com os filhos e perceberem o quanto a Educação pode mudar a vida dos estudantes. A ideia é que eles incentivem os alunos no estudo [em casa] a partir daí”, conta.
Maura ressalta ainda que esse levantamento de dados e as discussões geradas em torno do balanço não têm por objetivo procurar culpados. “Existem muitas interferências externas na jornada de aprendizagem dos estudantes, mas o que cabe a nós, enquanto instituição, é fazer essa análise e rever o nosso projeto para 2023. Não precisa ser já para o ano todo, mas para os primeiros seis meses é importante. E pensar ainda em como a gestão acompanhará o percurso dos estudantes”, aconselha.
Sistematizar para visualizar
Na semana em que foi entrevistada para esta reportagem, a última de novembro, Josiane Porto, diretora da CEI Jardim Macedônia, localizada na região do Capão Redondo, na capital paulista, estava organizando a agenda para cumprir as conversas com todas as 56 professoras da instituição que, neste ano, teve 220 bebês e crianças pequenas matriculados.
É com base nos retornos dados pelos docentes e no acompanhamento das informações sobre a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que a gestora monta gráficos e tabelas com os dados que irão incitar as discussões entre ela e a coordenação pedagógica, mas também apoiar as primeiras reuniões de planejamento do próximo ano letivo com o grupo completo de professoras.
“Ainda que o balanço de final de ano acabe sendo mais da gestão – porque mapeamos, colocamos em gráficos e analisamos os caminhos possíveis –, no ano que vem, quando a gente retorna, o trabalho é conjunto porque levamos os dados consolidados para o grupo todo de profissionais da escola. E, assim, podemos traçar juntos os planos e as metas do PPP”, explica.
Josiane gosta de colar esse mapa com as principais metas na parede da sala dos professores para olhá-las ao longo de todo o ano, rabiscar e ir fazendo ajustes. Ela pretende, no próximo ano, usar uma estratégia parecida para tornar públicas essas metas para toda a comunidade escolar. “Queremos fazer um mural fixo na área externa da escola, no portão, especificando trechos importantes do PPP, mostrando qual é a concepção de criança da escola, além de ir informando as ações que vão acontecer e que vão sendo modificadas ao longo do ano, porque o PPP é vivo. Daí os pais vão conseguir ter esse acesso logo na entrada, e não só quando forem até a escola para uma reunião ou via comunicados postados nas redes sociais”, diz.
Para cada ano, um caminho
Outra máxima que perpassa o trabalho de balanço de final de ano é que ele sempre é diferente. A cada ano, um novo dado pode ser mapeado, uma nova ferramenta pode ser adotada, uma nova abordagem pode ampliar e aprofundar a visão do gestor e de todos os profissionais envolvidos. Esses elementos vão formando um histórico, um inventário que ajuda os gestores a enxergarem o percurso da instituição até ali.
João Paulo conta que o balanço que fez no final de 2019, quando assumiu a direção da escola, não é o mesmo que planeja realizar para o fechamento de 2022. “De lá para cá, já temos elementos que nos estruturam e podemos nos aprofundar em outros. Temos a possibilidade de refletir sobre outros pontos que antes não eram trabalhados. Então, essa variação vai acontecendo acompanhando também as mudanças da cultura da escola”, analisa.
Ao mesmo tempo em que o mapeamento de dados essenciais da escola, exigidos como prestação de contas pelas secretarias de ensino, mostra o compromisso da gestão com metas básicas, como alfabetização, merenda e material escolar, ele também fornece insumos para a atuação específica de cada membro da comunidade escolar. Por exemplo, Josiane já percebeu a necessidade em sua escola de reforçar a formação das professoras para as atuais concepções de infância e de Educação Infantil. Já João pretende reforçar um programa escolar voltado para Projeto de Vida, ou seja, para trabalhar juntamente com pais e estudantes a noção do quanto a escola pode ser transformadora das trajetórias daqueles alunos.
Assim, para além de um trabalho burocrático, a análise dos números, dados e informações, a ser fechada no fim do ano, representa um universo precioso de possibilidades para a gestão. “Eu sou apaixonado pelo final de ano porque tenho acesso ao consolidado das informações sobre o trabalho que a gente fez em 2022, e, ao mesmo tempo, [este período] me permite sonhar o que a gente vai fazer em 2023”, diz João Paulo.
Consultoria pedagógica: Sidecleia Oliveira dos Anjos, especialista em gestão e coordenação e técnica da rede municipal de ensino de Bonito, na Chapada Diamantina (BA).