Educação & Cultura
Como integrar a avaliação das competências socioemocionais à rotina?
Ao propor atividades desafiadoras e trabalhar com problemas autênticos, o educador valoriza o protagonismo da turma e coleta evidências sobre criatividade, engajamento, entre outros aspectos ligados ao socioemocional
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) determina dez competências gerais que devem ser desenvolvidas entre os alunos ao longo da Educação Básica. Além de guiar o trabalho curricular das escolas, estas diretrizes contemplam as competências socioemocionais. Neste âmbito, o documento prescreve o desenvolvimento dos seguintes eixos: abertura ao novo (curiosidade para aprender, imaginação criativa e interesse artístico); autogestão (determinação, organização, foco, persistência e responsabilidade); engajamento com os outros (iniciativa social, assertividade e entusiasmo); amabilidade (empatia, respeito e confiança); e resiliência emocional (autoconfiança e tolerância ao estresse e à frustração).
Silvia Lima, gerente de projetos de formação de educadores no Instituto Ayrton Senna, explica que, ao unir todas essas competências, prioriza-se uma educação integral e de pleno desenvolvimento do estudante, em suas múltiplas dimensões. “Em situações específicas dentro da sala de aula, o professor pode fazer com que o aluno vivencie situações que o desafiem nas competências socioemocionais. Para explorar o respeito, esse indivíduo pode ser colocado em contato com realidades diferentes a partir de uma leitura, por exemplo”, sugere.
A formadora reforça, porém, a importância da intencionalidade nas ações dos educadores e a consciência de que as competências socioemocionais não são um conteúdo a ser ensinado e avaliado com notas – elas devem ser vivenciadas: “Não se estuda sobre assertividade, ela é exercitada. Assim como o foco, a tolerância ao estresse, a persistência, entre outras”, explica.
É possível avaliar o socioemocional?
Na opinião de Elizabeth Gama, diretora do CEM Bom Jesus, localizado em Gurupi (TO), não é possível falar em avaliação de competências socioemocionais considerando formatos tradicionais como as provas. O acompanhamento e diagnóstico dos alunos neste caso acontece por outro meios. “Há discussões nas reuniões de fluxo e nos conselhos de classe sobre a evolução dos estudantes e as mudanças de comportamento em relação aos pilares [da educação, segundo a UNESCO] ‘aprender a conhecer, ser, fazer e conviver’”, explica a gestora, que é pós-graduada em Orientação Educacional e Neuropsicopedagogia.
O professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cesar Nunes, que pesquisa desenvolvimento e avaliação da criatividade, pensamento crítico e resolução de problemas, por sua vez, propõe que sejam feitas atividades a partir de temas polêmicos e problemas autênticos. “Ao demandar uma produção que necessite de criatividade, é possível desenvolver outras competências”, afirma. Outra estratégia, diz, é provocar a autorreflexão entre os alunos. “Um caminho é criar rubricas que especifiquem quais competências serão focadas e fazer com que os alunos gerem evidências e se autoavaliem, tornando o processo [a prática e seu resultado] visível para o professor e para a turma”, finaliza.
Para ajudar nesta empreitada, NOVA ESCOLA preparou um instrumento diagnóstico que pode servir como ferramenta de avaliação das habilidades socioemocionais da turma, disponível para download abaixo.
Construção de práticas visando o desenvolvimento socioemocional
Ainda segundo Cesar, quando se trata de aplicar as competências socioemocionais no ambiente escolar é necessário que elas estejam integradas às diversas áreas do conhecimento. O pesquisador explica que, entre as boas estratégias às quais o professor pode recorrer, está o uso de metodologias ativas, como a sala de aula invertida, discussões temáticas e aprendizado por problemas, propondo atividades que são desafiadoras para os alunos.
“[É preciso planejar esses desafios] tendo em mente quais competências socioemocionais deseja-se desenvolver com os alunos. Por exemplo, quando eles fazem produções próprias – textos, vídeos e performances – usando o conhecimento disciplinar para gerar um produto da classe, é necessária muita discussão. Esse tipo de atividade abre janelas para o educador incentivar colaboração, empatia e flexibilidade”, assegura Cesar. Ele diz ainda que é importante coletar evidências, que vêm dos próprios alunos, conversar e refletir sobre as emoções afloradas no processo, como estão lidando com elas e dar devolutivas.
Para Helder Guastti, professor de Língua Portuguesa do 5º ano na EMEF Pedro Nolasco, em João Neiva (ES), e do 3º ano do CMEB Mário Leal Silva, em Aracruz (ES), é essencial considerar a heterogeneidade das turmas a fim de estabelecer relações interpessoais que permitam essa abordagem “para que as crianças se sintam acolhidas e pertencentes ao ambiente, bem como seguras o bastante para se expressarem de maneira livre, sem receio de represálias”.
Em 2022, devido ao processo de readaptação das crianças à rotina escolar presencial após os anos pandêmicos, Helder priorizou ainda mais o ambiente de afeto e respeito mútuo, onde os alunos conseguem participar das tomadas de decisões e dos desdobramentos do que acontece no dia a dia da sala.
Ele conta que usa a Literatura para mediar diálogos sobre “as sutilezas poéticas que fazem parte da vida, mas que, muitas vezes, não conseguimos enxergar”. A cada leitura juntos, o objetivo é ter boas histórias que auxiliem os alunos a florescer e trabalhar as competências socioemocionais. “Um exemplo recente foi a leitura do livro Castelos de areia, escrito por Márcia Leite e ilustrado por Odilon Moraes, publicado pela Editora Ozé. É uma espécie de narrativa com ilustrações das memórias de férias da escritora que, em sala de aula, direcionou conversas sobre solidão, memórias afetivas e o impacto da saudade em nossas vidas”, conta o professor. O exercício resgatou temáticas necessárias em meio às perdas que a covid-19 provocou.
Acolhimento e gestão de emoções
O CEM Bom Jesus, onde funciona desde 2017 um Programa de Fomento à Educação em Tempo Integral, criou o projeto “Gestão de Emoções” como forma de promover o acolhimento dos alunos durante a pandemia e desenvolver competências socioemocionais necessárias para que eles conseguissem manter o interesse nas aulas à distância.
Com esta perspectiva, encontros semanais online começaram em 2020 para ajudar os alunos a gerenciar seus pensamentos de forma positiva, protegendo emoções, melhorando o rendimento escolar e as relações. Cada reunião durava cerca de 50 minutos, possuía roteiro disponibilizado previamente e era liderada pela diretora da escola, Elizabeth Gama. Além dela, a aluna egressa e estudante de Psicologia, Tiffanny Araújo Cirqueira, também passou a atuar no acolhimento desses jovens, estimulando o diálogo e o protagonismo juvenil. Os encontros chegaram a reunir até 200 alunos e envolver pais e responsáveis, que participaram a convite dos filhos.
Atualmente, a iniciativa continua de maneira presencial. Elizabeth conta que, toda semana, as turmas definem temas que são debatidos nas salas de forma a sensibilizar os alunos, por exemplo, violência contra a mulher. Há ainda os grupos tutorados – até 15 jovens por tutor – com discussões mais individualizadas para entender como tem sido o desenvolvimento de cada um deles em relação aos componentes curriculares e o dia a dia escolar.
“A gente entende que trabalhar competências socioemocionais é extremamente importante para formar o indivíduo. Antigamente, o olhar era apenas técnico, hoje, é combinado à inteligência emocional, com uma pedagogia da presença que diz ‘olha, eu faço parte da sua vida’”, afirma Elizabeth.
Paralelamente, são feitas reuniões de fluxo, lideradas por professores coordenadores de cada área, que avaliam o que deu certo ou não; e os pré-conselhos, nos quais são levantados apontamentos sobre alunos específicos – sejam preocupações ou evoluções – a fim de fazer um trabalho individualizado. Depois, explica a diretora, “há o momento da devolutiva, quando os tutores falam com seus alunos a respeito do que é positivo e do que é preciso melhorar. E o plantão pedagógico, que é uma manhã à disposição dos responsáveis que desejam conversar com a equipe”. Os professores ficam divididos por área do conhecimento e é feito um café da manhã de acolhimento para pais e filhos serem recebidos juntos.
Na opinião tanto da diretora quanto de Tifanny, que acompanha uma sala com 22 alunos especiais, o projeto “Gestão de Emoções” e outros que são realizados visando o desenvolvimento do lado socioemocional do estudante fazem diferença na evolução das competências gerais propostas pela BNCC. “O objetivo é fazer com que eles encontrem equilíbrio para aprender, estabelecer diálogos e se sentirem parte de seu próprio processo de aprendizagem”, assegura Elizabeth.
Para a diretora, o modelo de escola integral permite mais tempo para executar todas essas iniciativas, mas é necessário pensar também em estratégias para escolas regulares. A começar pela conscientização dos professores sobre a importância das competências socioemocionais. “Às vezes, uma roda de conversa com intencionalidade vai fazer com que a aula renda muito mais”, diz.