Educação & Cultura
Gestão escolar: como planejar e conduzir um conselho de classe participativo
Encontro deve ter foco no processo de aprendizagem dos alunos, propiciar reflexões sobre as práticas docentes, orientar ações para o ano seguinte e envolver os estudantes e suas famílias
Anote na agenda: analisar o desempenho individual e coletivo dos alunos de uma turma, discutir os resultados alcançados, refletir sobre as estratégias pedagógicas utilizadas e garantir espaço de fala aos estudantes, famílias e professores. Se você, gestor escolar, estiver planejando um conselho de classe para encerrar o ano letivo de 2022, essas são algumas das condições para que o encontro seja propositivo e participativo. Assim, ele deixa de ser um mero momento de “fechar notas” e definir a situação dos alunos ou até mesmo de julgamento das crianças e dos adolescentes.
Isso porque o conselho de classe é uma instância de acompanhamento das aprendizagens dos alunos. Ele surge a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, que embasa todas as práticas da Educação em princípios democráticos, de participação e colaboração. É o que explica Angela Luiz Lopes, coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC. “O conselho de classe passa a ser esse lugar onde as pessoas vão olhar para o projeto da escola e para os resultados dos estudantes e pensar em boas intervenções.”
Com o final de 2022 despontando no horizonte, é fundamental considerar alguns fatores para organizar um bom conselho de classe e garantir condições para melhores resultados no ano que vem. Um bom ponto de partida, segundo Angela, é o chamado continuum curricular. A medida, prevista pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), permite que habilidades e competências essenciais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sejam priorizadas, flexibilizando os currículos das redes e garantindo um desenvolvimento contínuo das aprendizagens de 2020 a 2022. “Isso quer dizer que eu posso ter organizado minha proposta já pensando em não reprovar os estudantes, que foram muito prejudicados na pandemia”, observa.
Agora, conforme ela, mais do que nunca, é primordial usar o conselho de classe para pensar nas condições de ensino que foram ofertadas e o quanto deram conta de assegurar ou não as aprendizagens de todos. “Esse é o momento crucial de as escolas pararem para olhar o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e verem o que foi possível, o que foi oferecido e quais resultados foram obtidos nas aprendizagens. E aí o conselho de classe serve para identificar nominalmente os estudantes que não alcançaram as expectativas de aprendizagem e para pensar em conjunto o que precisa ser garantido a eles em 2023”, enfatiza Angela.
Discussão coletiva
A escola também precisa levar em conta os inúmeros fatores extraescolares que podem implicar na aprendizagem dos alunos, como insegurança alimentar, vulnerabilidade social e doméstica, trabalho infantil e violação de outros tipos de direito, situações que foram agravadas pela pandemia de Covid-19. Nesse sentido, o conselho de classe é o lugar ideal para essa discussão do que está impactando o projeto da escola.
É assim que tem funcionado na EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo (SP). A unidade, que conta com 650 alunos do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA), realiza conselhos de classe a cada bimestre. O objetivo é discutir e tomar decisões coletivamente sobre as necessidades de revisão do apoio pedagógico e da mediação das aprendizagens para cada estudante. “É um momento deliberativo com o coletivo de professores de cada turma, apoiados pela gestão escolar e pelo conjunto de funcionários da escola. É nesse fórum que reavaliamos a necessidade da busca ativa pelos estudantes evadidos ou com faltas reiteradas”, conta Carlos Eduardo Fernandes Junior, coordenador pedagógico da instituição.
Segundo ele, o que já era um momento crucial na vida escolar ganhou novos contornos com a pandemia. Com isso, veio a necessidade de ampliar os conselhos para que mães, pais e responsáveis pudessem participar mais ativamente dos encontros. “Procuramos articular a ideia de que é preciso uma vila inteira para cuidar de uma criança”, afirma. Neste ano, a escola investiu todas as energias nos conselhos de classe, especialmente por conta de um cenário preocupante: no terceiro bimestre de 2021, cerca de 220 estudantes estavam com baixa frequência ou evadidos da unidade escolar só no Fundamental.
Ele conta que a comunidade foi assolada pela pandemia, excluída socialmente, e muitos sequer tinham condições de entregar os documentos no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região. As evidências do trabalho infantil, a fome e a miséria chamavam a atenção diariamente. “Com frequências irregulares, era preciso concentrar o máximo de informação sobre cada um dos estudantes, não apenas sobre suas aprendizagens, mas sobre as condições nas quais se davam os encontros com a escola e com as aprendizagens”, recorda.
Foi com esse ímpeto que a gestão escolar começou o ano letivo de 2022, e, para cada sala, a equipe despendeu, em média, três horas de reunião para acompanhar os estudantes. “Foi preciso entender os limites da assistência social, buscando caminhos paralelos e permanentemente pautando as formas como nós deveríamos atuar para que crianças, adolescentes e adultos continuassem seus estudos com os novos contextos de vida”, frisa o coordenador. Os esforços valeram a pena, e a escola chegou ao quarto bimestre de 2022 com 22 estudantes do Fundamental evadidos e 24 com faltas reiteradas. “Ainda é um número alto. Manteremos a mesma lógica de conselhos de classe em 2023”, reforça.
Participação da comunidade e alunos como protagonistas
A importância dada aos conselhos de classe também é a base do trabalho da equipe escolar na EM Waldir Garcia, em Manaus (AM). Há seis anos, o conselho de classe participativo é um dos elementos que compõem a gestão democrática da escola. As reuniões acontecem bimestralmente com toda a comunidade.
“No conselho de classe da nossa escola, o aluno é o protagonista. Ele mesmo faz a sua autoavaliação, e a turma avalia junto com o professor, que é o mediador. Com a equipe, ele valida a nota que o estudante se dá, e não há reprovação”, explica a diretora Lúcia Cristina Santos, finalista do Prêmio Educador Nota 10 de 2020 com um projeto de gestão escolar. No momento em que está fazendo a sua autoavaliação, a turma também trabalha suas dificuldades, analisa onde está bem e onde precisa melhorar para consolidar as aprendizagens.
A gestora comenta que os conselhos de classe trazem impacto muito grande à escola por envolver a todos, dos funcionários às famílias. “O conselho deve ter a participação de toda a comunidade, então é muito importante que tenha um objetivo e que seja bem planejado, que a gente coloque o aluno na centralidade desse processo. O foco é na aprendizagem, para garantir que os estudantes aprendam, elevando sua autoestima e identificando as estratégias que podemos adotar para superar suas dificuldades.”
Lúcia conta que, para organizar um bom conselho de classe, ela se senta com a coordenadora pedagógica, com quem irá conduzir o processo, além de assessoras e assistente social, para fazer um primeiro alinhamento. Em seguida, reúnem-se com os professores para coletar dados. Juntos, observam aspectos como frequência e dificuldades dos alunos, de modo que o olhar não esteja voltado apenas para a nota. Com um planejamento coletivo, a equipe parte para o conselho de classe para ouvir a todos.
Subsídios para os educadores
Todas as etapas que antecedem o conselho servem também para apoiar os professores para o dia do encontro. Agora, em novembro, a coordenadora Joice Lamb, da EMEB Professora Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), está organizando a reunião, que deverá acontecer pela primeira vez nas próximas semanas. Embora o conselho de classe da escola seja anual, a gestora reforça que as conversas com os professores ocorrem no decorrer de todo o ano, seja em grupo ou individualmente, e servem para falar sobre avaliação, planejamento e como estão as aulas de toda a equipe.
“Com isso, identificamos os estudantes que têm mais dificuldades, que estão sendo mais difíceis de lidar, que não estão evoluindo em todas as áreas. Com tempo hábil, conseguimos conversar com esses alunos e chamar as famílias para fazerem as intervenções necessárias”, ressalta a gestora, que venceu o Prêmio Educador Nota 10 na edição de 2019. “Como aqui na escola nunca deixamos os professores sozinhos, quando chega o dia do conselho de classe, eles não estão desesperados para falar sobre os estudantes, pois já fizeram isso antes. No conselho, eles têm a cabeça fria e tranquila para analisar os avanços dos alunos e onde precisam melhorar”, acrescenta.
Para Angela, do CEDAC, o suporte ao trabalho dos professores depende muito de qual o cenário da escola, mas o ideal é que os docentes já venham debatendo sobre suas ações e participando de discussões coletivas. Graças a esses momentos, a equipe do coordenador Carlos Eduardo já tem os apontamentos sobre como vai atuar em 2023 – por exemplo, a definição de quais estudantes deverão ter apoio pedagógico especializado, mesmo sem ainda ter realizado o último conselho do ano.
4 dicas para planejar um bom encontro
- Mapeie os casos que serão levados ao conselho. Para planejar e conduzir o encontro de forma propositiva e participativa, o primeiro passo é o diretor e o coordenador pedagógico estarem alinhados para, junto com toda a equipe, fazer o mapeamento dos casos que precisam ser discutidos no conselho de classe. Para gestores que se reúnem mais de uma vez por ano com professores, alunos e familiares, pode ser que esse momento seja facilitado, pois possivelmente já terão em mãos os indicadores de aprendizagem e os resultados dos estudantes a partir do que foi previsto no início do ano.
- Combine com os professores quais documentos irão subsidiar a conversa. A seguir, a gestão deve definir, junto com os professores, quais documentos são importantes para serem levados ao conselho a fim de favorecer a conversa. Podem ser, por exemplo, diário de classe, portfólio do aluno, avaliações realizadas ou outros instrumentos de acompanhamento que a escola tenha. “E aqui, vale frisar, é sobre o ensino e sobre a aprendizagem, ou seja, o que eu fiz enquanto professor dentro do PPP da escola e o que meu aluno me deu de retorno, o que apresentou de resultados e de trajetória”, aponta Angela Luiz Lopes, do CEDAC. O mais importante é que isso seja combinado.
- Se for a primeira experiência participativa, discuta sobre a decisão. Se essa for a primeira experiência participativa da escola, ou seja, que o conselho estará aberto às famílias e aos alunos, é preciso discutir com os professores sobre essa decisão, especialmente porque pode haver conflitos. Um bom caminho é explicar que a experiência pretende envolver estudantes e familiares para que a escola tenha mais elementos para sua tomada de decisão. “A princípio, pode ser que não seja a lista toda de alunos, mas alguns casos em que teremos essa experiência de ouvir o estudante e a família para pensarmos juntos em como seguir”, diz Angela.
- Faça um cronograma para otimizar o tempo de todos. Se a sua escola for grande, o ideal é preparar um cronograma para realizar os conselhos de classe, de modo que os encontros sejam otimizados. Uma boa dica é organizá-los por turma ou por turno dos professores.
Gestão escolar e mediação durante o encontro
Tendo em vista tudo o que foi levantado, discutido e planejado nas semanas anteriores ao encontro, no dia do conselho de classe, a gestão escolar tem o papel fundamental de mediar o encontro. Ela deve garantir o bom andamento das discussões e evitar que se torne um momento de reclamações, lamentações ou julgamentos. O primeiro passo, de acordo com Angela Luiz Lopes, é assegurar que todos que foram convidados para o conselho de classe saibam o porquê de estarem ali e tenham clareza de seu lugar. Inclusive, é importante se atentar à linguagem do convite para que alunos e familiares se sintam acolhidos, e não amedrontados.
É essencial ainda fugir da ideia de trabalhar com a perspectiva de “bons ou maus” alunos e de considerar o conselho de classe como um espaço de exclusão. “Se não houver esse cuidado por parte da gestão escolar, o encontro pode se tornar um momento que legitima a exclusão dos alunos que têm dificuldades – e que geralmente são os mais pobres e mais vulneráveis”, alerta a especialista.
Joice, por sua vez, defende que também é necessário que o grupo tenha tempo suficiente para abordar todas as questões pertinentes ao encontro. Ela observa que, às vezes, um estudante tem mais proximidade com determinado professor do que com outro e consegue se desenvolver mais em sua disciplina. “Esse tempo no conselho também é para falar disso, sobre como alguém conseguiu se aproximar de determinado aluno e quais estratégias utilizou, para que possam ser usadas por outros. O ponto é: precisamos evitar que os alunos sejam olhados como casos perdidos”, destaca.
E depois do conselho, o que fazer?
Após o conselho de classe, há um trabalho importante de pensar as devolutivas para alunos e famílias. Também é o momento de registrar discussões sobre a aprendizagem dos alunos e quais foram as experiências de sucesso e os desafios. Esses dados serão úteis para pensar o planejamento de 2023.
A recomendação, conforme Angela, é sempre colocar todas essas sugestões em um plano, no qual se definem: ação necessária, encaminhamento para realizá-la, prazo, responsável e, sobretudo, o resultado esperado. “Depois tenho que acompanhar esse planejamento, e é preciso antecipar o que espero com cada ação para poder, ao longo do percurso, avaliar se o que estamos fazendo é suficiente ou não”, diz. Caso não seja, é preciso planejar novas intervenções. Do conselho, pode surgir um plano de ação colaborativo e pode ser que sejam necessários ajustes na formação dos professores”, exemplifica.
A diretora Lúcia considera importante, após o conselho, pensar em devolutivas não só para os estudantes, uma vez que, em muitas escolas, eles participam do conselho, mas também para as famílias. “Que a gente as chame para conversar e mostrar as dificuldades que estamos tendo com as crianças durante o ano, até mesmo para compartilhar essa responsabilidade. É importante que as famílias se vejam como parte do processo de ensino e aprendizagem e também dos desafios. Educar uma criança não é responsabilidade só da escola, mas da escola com a família e com toda a comunidade”, finaliza.
9 problemas comuns a serem evitados nos conselhos de classe
- Avaliar apenas as notas e o comportamento
- Permitir que a reunião vire um desabafo coletivo
- Não levantar material prévio sobre as turmas
- Julgar o aluno em vez de refletir sobre as dificuldades dele
- Esquecer os resultados positivos
- Deixar de compartilhar práticas bem-sucedidas que possam ser replicadas
- Sair da reunião sem um plano de ação
- Não conversar com os alunos
- Não socializar com os responsáveis