Educação & Cultura
Ensino é mais eficiente quando dialoga com o perfil geracional do aluno
Quando as estratégias em sala de aula dialogam com as características e interesses das crianças e jovens, o processo de ensino-aprendizagem se torna muito mais engajado e assertivo
Pessoas que nasceram e cresceram em cenários políticos, sociais, econômicos e tecnológicos distintos estão o tempo todo interagindo. Elas possuem hábitos influenciados por esses fatores e, na educação, não é diferente.
Nas escolas de Educação Básica, professores, em sua maioria das gerações baby boomers, X e Y, se misturam aos estudantes das gerações Z e Alpha – as duas últimas consideradas nativas digitais. Apesar de desafiadora, essa coexistência é extremamente enriquecedora. “Em um ambiente seguro, pessoas diferentes podem compartilhar seus conflitos geracionais e encontrar meios de conviver com eles no presente. E isso é algo que não tem a ver apenas com as tecnologias”, diz Sabrina Gonçalves, gestora na área de Tecnologias Educacionais na Weducation Grupo Educacional, líder do programa de Hackathon Educacional da Foreducation EdTech e formadora da Associação NOVA ESCOLA.
Quais gerações convivem nas escolas de Educação Básica?
Baby boomers
Nasceram entre 1946 e 1964 e hoje estão com idades entre 59 e 77 anos. No Brasil, viveram o auge da Ditatura Militar (1964-1985), os movimentos por igualdade, justiça social e a ascensão da contracultura. Tendem a ser mais conservadores quando se trata de educação.
Geração X
Compreende os nascidos entre os anos 1965 e 1980, que cresceram assistindo à televisão e acompanharam a chegada dos computadores e videogames. Eles têm entre 43 e 58 anos e entre as suas características de aprendizagem, está a adaptação às tecnologias e a valorização da troca de experiências.
Geração Y ou millennials
Os millennials nasceram entre 1981 e 1996, portanto, hoje têm de 27 a 42 anos. Diferentemente das gerações anteriores, já chegaram ao mundo com vários recursos tecnológicos e um enorme fluxo de informações à disposição. São mais dispostos a quebrar regras e ao aprendizado informal.
Geração Z
É a primeira geração de nativos digitais. São os nascidos entre 1997 e 2009, com idades de 14 a 26 anos. Estão sempre conectados aos celulares, preferem conteúdos visuais – como vídeos, jogos e fotos – e possuem facilidade para aprender em plataformas diversas. Valorizam pautas como gênero, sustentabilidade, minorias e saúde mental.
Geração Alpha
São aqueles que nasceram a partir de 2010 e nascerão até 2025, bombardeados por estímulos sonoros, visuais e interativos (a exemplo dos tablets, smartphones e metaverso). Com o Google à disposição, as crianças e adolescentes dessa geração, que têm no máximo 13 anos, são curiosas, adeptas ao ensino híbrido e à gamificação.
Por mais que não se trate apenas do comportamento em relação à tecnologia, os nativos digitais representam desafios para a gestão escolar. Isso porque estas são gerações acostumadas ao excesso de estímulo, que gostam de explorar espaços e ferramentas online, como aplicativos e outras plataformas, além de apresentarem um perfil multitarefa. Assim, adaptar o ensino em sala de aula e oferecer estratégias de aprendizado mais conectadas às expectativas dessas crianças e jovens se tornam essenciais. Em outras palavras, não basta incorporar o uso das ferramentas digitais, é preciso ter intencionalidade pedagógica nesta abordagem.
“Não basta usar o recurso tecnológico apenas com o objetivo de tornar a aula mais lúdica ou de substituir o analógico pelo digital. É preciso que o aluno saiba por que vai usá-lo e como aquilo traz valor para a sua aprendizagem”, alerta Sabrina. Ela explica que um erro comum entre os professores é decidir por uma tecnologia sem considerar o perfil do aluno ou sua faixa etária. “A intenção precisa estar presente para que a escolha da tecnologia não se torne algo aleatório”, argumenta. Por exemplo: antes de propor uma gravação de podcast no estúdio, existe uma série de processos, como escolha do tema, construção de roteiro e outras etapas que devem estar de acordo com o desenvolvimento da turma.
Outro exemplo citado por Sabrina é o uso de PDFs, especialmente com a geração Alpha. “O PDF, nesse caso, talvez não seja a melhor alternativa, pois oferece pouca interação, e esses alunos têm uma demanda muito alta pela interatividade com a tela”, diz. Segundo a especialista, é preciso entender que os hábitos de leitura das gerações Z e Alpha estão muito ligados ao comportamento na internet, o que envolve o consumo de parágrafos rápidos e objetivos. Justamente por isso, o educador deve realizar uma curadoria de recursos digitais que exercitem nos alunos habilidades voltadas para o foco e atenção a textos mais complexos.
Formar para entender e trocar
A simples incorporação de equipamentos digitais pela escola, no entanto, não basta. Sem formação docente para seu uso, a prática pouco mudará. Taís Bento, pedagoga especializada em Aprendizagem Baseada no Funcionamento do Cérebro, afirma que [sem formação] uma atitude automática do profissional é dar a mesma aula a qual está acostumado, apenas incluindo os novos recursos. “Para que isso não aconteça, é essencial haver formação contínua, além de uma conscientização desse professor de que não é necessário começar os processos do zero. [Quando se trata do uso das ferramentas digitais] há muitas aplicações disponíveis na internet, planos de aula com exemplos de metodologias ativas, sala de aula invertida e outras práticas”, indica.
Ela também chama atenção para a preocupação que os educadores têm sobre dominar todas as tecnologias antes de implementá-las. “Os alunos Z e Alpha sempre estarão atualizados em relação às ferramentas, mas não é preciso saber mais do que eles para utilizá-las. A vivência tecnológica que essas gerações têm pode agregar ao que está faltando por parte do professor”, defende Taís. Ela sugere, por exemplo, que o aluno seja desafiado a trazer contribuições digitais para a solução dos problemas em sala de aula.
A respeito dos coordenadores pedagógicos e o papel que eles desempenham nesse contexto, a pedagoga acredita que, em meio a tantas demandas abraçadas pelos profissionais, uma saída é encontrar bons parceiros. Ou seja, buscar especialistas em ferramentas digitais para possibilitar trocas de aprendizado. Por sua vez, Sabrina, gestora na área de Tecnologias Educacionais na Weducation Grupo Educacional, lembra que isso deve aparecer de forma integrada à formação continuada, “que precisa ser menos tradicional e mais experimental, oferecendo repertório suficiente para que o professor consiga selecionar as melhores dinâmicas”.
Outra orientação da especialista é evitar uma postura restritiva ou proibitiva. “Não faz sentido proibir o uso de celular entre os alunos, mas é preciso fazer a sua mediação. O adulto enxerga os riscos que um adolescente não consegue. Então, [conscientizá-lo] é importante para desenvolver cidadania e comportamento ético no ambiente virtual”, defende Sabrina. A partir daí, o ideal é que esses profissionais conheçam também o que os alunos estão consumindo (redes sociais como o TikTok, por exemplo) e promovam trocas de aprendizagem nesses ambientes.
Porém, a velocidade com que as gerações Z e Alpha se interessam e desinteressam por um assunto, influenciados pelo uso constante de telas e pela quantidade excessiva de informações, é algo que as equipes pedagógicas precisam contornar. Taís acredita que os alunos estão com capacidades de foco e concentração cada vez menores. A própria rotina das famílias favorece essa perda, diz ela, que cita outras habilidades afetadas como paciência, empatia e saber lidar com frustrações. “Por muito tempo, as crianças precisavam esperar para assistir a um desenho na televisão que, às vezes, era a única da casa. Esse aluno já ia para a escola com uma base [de habilidades] naturalmente desenvolvida, algo que não acontece mais. Agora, o professor precisa envolver esse indivíduo para fazê-lo prestar atenção”, afirma.
No dia a dia: o que os professores têm feito
Linaldo Oliveira atua na rede municipal de Mogeiro (PB) e foi eleito, em 2021, educador do ano pela 24° edição do Prêmio Educador Nota 10. O professor de Ciências da Natureza na EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo conta que tem se deparado com alunos ativos e cheios de criatividade. De acordo com ele, esse cenário é desafiador, porque qualquer metodologia mais tradicional tende a não engajar a turma. “Eles enjoam fácil e a monotonia se torna o pior vilão. São determinados, competitivos e buscam sempre um significado para o que estão aprendendo”, diz.
Por isso, Linaldo reforça que, ao buscar alternativas de acordo com o interesse desses alunos, é importante ter clara a relação das ferramentas escolhidas com as habilidades que se deseja desenvolver. “Usar tecnologia em sala vai muito além de aplicar formulários do Google, mostrar slides ou vídeos”, resume.
Atualmente, entre os recursos utilizados pelo professor está o Minecraft, jogo eletrônico por meio do qual é possível criar mundos tridimensionais diversos e que faz parte do dia a dia dos estudantes. Um dos projetos desenvolvidos em Física com os alunos foi a estruturação de um átomo – o que, até então, era reproduzido por meio de maquetes físicas. Em outra ocasião, o professor aliou dois interesses dos adolescentes em um projeto só. “No 8º ano, sei que eles adoram Naruto [série de mangá que conta a história de um jovem ninja]. Então, para ensinar energias renováveis, usei a geografia das aldeias do desenho como base para pensar uma matriz energética e, depois, os alunos puderam construir sua usina hidrelétrica no Minecraft”, relata.
Por sua vez, a professora Roberta Duarte, que é mestre em História e dá aulas para os Anos Finais do Ensino Fundamental na rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE), aproveita a leitura de mundo que o seu componente oferece para desenvolver a criticidade dos alunos. “Tento criar pontes com o que acontece hoje para que eles vejam a História não como um conhecimento estático, mas como algo que conversa com o presente. Essa geração é hiperconectada, imperativa e anseia por aprender de maneira dinâmica, mas precisamos embasá-los e ajudá-los a ter um olhar mais crítico sobre sua própria realidade. Aí conseguimos dialogar”, defende.
Em 2022, Roberta fez uma proposta de avaliação que trazia esse dinamismo. Os alunos tiveram que produzir um vídeo para o TikTok explicando a temática da aula – no 9º ano, o assunto foi 1ª Guerra Mundial. “O resultado foi muito bom e aproximou estudantes que não se engajavam tanto nas aulas expositivas. E quando eu percebi que alguns tinham dificuldade em mexer na rede social, propus um momento para conhecermos esse recurso juntos, ajudar o colega e trabalhar o aspecto colaborativo”, explica.
Segundo ela, além de escolher as ferramentas digitais certas, a personalização do ensino deve ser uma constante, a fim de adequar as propostas à linguagem de cada turma. Assim como já reforçaram as especialistas e o professor de Ciências, Roberta considera que conhecer o que os estudantes gostam – as músicas, os youtubers, as séries, etc. – representa uma etapa do planejamento. A professora faz essa intervenção por meio do diálogo, logo no início do ano, e cria um perfil com as especificidades de cada turma: “Quando eu realizo o diagnóstico das atividades e os tipos de interações que eles mantêm [fora da sala], consigo me conectar [dentro dela]”, conclui.