ECONOMIA
ICMS na importação por encomenda: novos desdobramentos
As contradições entre o fisco estadual e a legislação federal
No julgamento do Tema 520, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o ICMS na importação de bens é devido ao Estado onde se situa o destinatário legal da operação que deu causa à circulação jurídica da mercadoria, com a transferência de domínio, o que, nas importações por encomenda, corresponde ao Estado onde se localiza o importador (em geral, uma trading company).
O que era para ser um capítulo final na chamada “guerra dos portos” ganhou novos desdobramentos. Após o precedente do STF, alguns Estados direcionaram sua atenção para as operações de importação por encomenda, buscando reclassificá-las como operações de importação por conta e ordem, a fim de viabilizar a exigência do ICMS pelo Estado onde está estabelecido o adquirente dos bens importados.
A importação por encomenda está prevista na Lei federal 11.281/06 e é regulamentada pela Instrução Normativa RFB 1.861/08. Pressupõe a existência de um contrato entre o importador e o encomendante, no qual o importador se compromete a adquirir no exterior e importar determinado bem, por sua conta e risco, para fins de posterior revenda a um encomendante predeterminado.
Na importação por encomenda, a trading é a importadora, que negocia diretamente com o fornecedor estrangeiro, fecha o contrato de câmbio, financia a operação e promove a nacionalização das mercadorias, cabendo ao importador e ao encomendante comprovar a sua capacidade financeira.
Já na importação por conta e ordem, que também conta com um intermediário (comumente, uma trading company), o importador presta um serviço de importação em favor do adquirente. Nessa modalidade, o adquirente é quem negocia diretamente com o exportador e adquire a mercadoria, efetuando o pagamento para o exterior. O importador atua apenas como prestador de serviço, promovendo o despacho aduaneiro de importação em seu nome, por conta e ordem do adquirente. Após o desembaraço, o importador apenas repassa a mercadoria ao adquirente (diferentemente da importação por encomenda, em que a mercadoria é vendida).
Embora a legislação federal defina os aspectos de cada modalidade de importação, alguns Estados, como São Paulo, vêm descaracterizando operações de importação por encomenda quando (i) o exportador e o encomendante pertencem ao mesmo grupo econômico; ou (ii) o bem importado não ingressa fisicamente no Estado em que se situa o importador, sendo desembaraçado em outra localidade e remetido diretamente ao encomendante.
Em ambas as hipóteses, os Estados criam presunções sem amparo legal ou jurisprudencial, invadindo a competência da União para legislar sobre comércio exterior (art. 22, inciso VIII da Constituição).
Nada obsta que os Estados questionem a validade de uma operação de importação por encomenda, reclassificando-a como sendo uma importação por conta e ordem de terceiro. Contudo, para que isso seja legítimo, cabe ao Fisco provar a ocorrência de fraude ou simulação, no sentido de que os aspectos formais do negócio não refletem seu verdadeiro conteúdo.
A legislação federal faculta a opção dos operadores por qualquer modalidade de importação, seja ela direta, por conta e ordem ou por encomenda, não havendo qualquer limitação da utilização da modalidade por encomenda em razão da mera existência de vinculação entre o exportador e o encomendante. Ao contrário, a Receita Federal prevê que, nessa hipótese, se aplicam as regras de valoração aduaneira entre partes vinculadas (necessária para apuração da base de cálculo dos tributos incidentes na importação).
No caso, a Receita Federal só descaracteriza a importação por encomenda quando há provas de uma interposição fraudulenta, visando à ocultação do real adquirente da mercadoria importada. São aqueles casos, por exemplo, em que o importador não possui capacidade financeira, não negocia com o exportador, não fecha o câmbio, não assume qualquer risco na operação, possui margem de lucro mínima, entre outros. Em tais hipóteses, o contrato de importação por encomenda não reflete a realidade, havendo um negócio jurídico simulado: de prestação de serviços de importação por conta e ordem.
Além disso, ao julgar o Tema 520, o STF declarou a inconstitucionalidade parcial do artigo 11, inciso I, alínea “d” da Lei Complementar 87/96, afastando o uso do local de entrada física do bem importado como critério para definição do Estado apto a cobrar o ICMS, tendo em vista a legalidade da entrada simbólica, desde que haja efetivo negócio jurídico.
Na importação, o ICMS é devido ao Estado onde se situa o destinatário jurídico do bem, independentemente do local do desembaraço. Não há irregularidade se o importador optar por nacionalizar as mercadorias em local mais próximo do encomendante, remetendo-as diretamente para este último logo após o desembaraço. Afinal, não há exigência legal nem constitucional de que o bem importado transite fisicamente pelo estabelecimento do importador ou que seja desembaraçado no Estado onde ele se encontra domiciliado para que a operação de importação por encomenda seja válida.
Assim, o que se vê é uma contradição entre a posição dos fiscos estaduais e a legislação federal que regulamenta as operações de comércio exterior. Há que se prestigiar a liberdade dos importadores de planejarem seus negócios, cabendo aos Estados combater eventuais fraudes ou simulações por meio de provas de que a forma não corresponde ao conteúdo da operação, e não por meio de presunções sem respaldo na legislação ou que já foram afastadas pelo STF.