CIDADE
Braiscompany: como cidade na Paraíba pode ter caído em golpe de milhões com criptomoedas
Campina Grande, no interior da Paraíba, passou as últimas semanas sob perplexidade e tensão. A cidade conhecida pelo “maior São João do mundo” virou o epicentro da mais recente suspeita de golpe com criptomoedas no Brasil.
Milhares de campinenses, motivados pelo boca a boca entre parentes, amigos e conhecidos, investiram suas economias pessoais sob a promessa de um ganho financeiro ao redor de 8% ao mês. É uma taxa considerada irreal pelos padrões usuais do mercado.
O negócio foi oferecido por uma empresa local, a Braiscompany, e tinha um modelo pouco convencional.
Os participantes convertiam seu dinheiro em ativos virtuais, que eram “alugados” para a companhia e ficavam sob gestão dela pelo período de um ano. Os rendimentos dos clientes representavam o pagamento pela “locação” dessas criptomoedas.
Mas o calendário de remuneração dos dividendos deixou de ser cumprido desde o final do ano passado, e a hipótese de calote paira no ar.
Antônio Neto Ais, o fundador da companhia, disse em uma live que gerenciava R$ 600 milhões de 10 mil pessoas.
A Braiscompany não respondeu aos questionamentos feitos pela BBC News Brasil a respeito da possibilidade de não honrar os compromissos com seus clientes e sobre outros pontos do caso.’Perdi valor de uma casa em criptomoedas’: os brasileiros que viram suas economias sumirem na FTX13 dezembro 2022
‘É o PIB de Campina Grande nisso aí’
Os rumores sobre o alto retorno financeiro pago pela Braiscompany, fundada em 2018, se espalharam além das divisas de Campina Grande. Atraiu pessoas da capital João Pessoa (distante a apenas 125 km) e de outros locais, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Mas é a cidade paraibana de 400 mil habitantes que representa o principal da clientela da “Brais”.
“Rapaz, você não está entendendo… é o PIB [Produto Interno Bruto] de Campina Grande que está nisso aí. Comerciantes, servidores públicos, aposentados…”, diz uma pessoa que investiu R$ 50 mil na Braiscompany e não quer se identificar.
“Eu conheço gente que vendeu apartamento e colocou a grana lá. Comerciante que colocou as finanças da empresa.”
Outro investidor, que saiu de Campina Grande há 8 anos para viver em Portugal, afirma ter transferido R$ 230 mil para o negócio.
Segundo ele, esse valor representa todas as suas economias acumuladas nesse tempo trabalhando como agente de viagens na Europa: “Tudo o que eu construí na minha vida”.
Ele acha que não verá mais esse dinheiro.
“Estou levando isso como um luto. A perda de um parente. Sabe quando morre uma mãe, um pai, um irmão? Mas eu tenho que seguir minha vida, tenho que continuar. Fui iludido e fui enganado. E muito bem enganado.”
Também é mais um a usar a expressão “PIB de Campina Grande” para ilustrar o envolvimento da população local de maior poder aquisitivo com a Braiscompany. Ele observa, no entanto, que o esquema com criptomoedas conseguiu atrair até pessoas da região com menos recursos.
“Os arredores de Campina Grande têm muita zona de interior, de sítio, de seca, de gente que enfrenta escassez de coisa básica. Gente que vive de plantação, de gado, em lugares como Queimadas, e colocou R$ 3.000, R$ 5.000 nesse negócio. São várias famílias nessa.”
Para o advogado especializado em ativos digitais e blockchain Bernardo Regueira Campos, a Braiscompany conseguiu criar “um medo de ficar de fora” de uma grande oportunidade de ganhar dinheiro.
“Ela fazia as pessoas se sentirem um burro excluído se você não investisse. Porque seu amigo que entrou nessa comprou um [relógio] Rolex, um carro para a namorada.”
Como a imagem do fundador impulsionou a Braiscompany
Além da taxa de retorno financeiro muito acima do regularmente praticado no mercado, boa parte da atração exercida pela Braiscompany está ligada à imagem de seu fundador, Antônio Inácio da Silva Neto. Ele adotou suas três primeiras iniciais como sobrenome e se apresenta como Antônio Neto Ais.
Seu Instagram, com 900 mil seguidores, tem uma curadoria cuidadosa de postagens. São fotos muito bem produzidas e mensagens que tentam transmitir uma ideia de sucesso individual.
Neto Ais aparece sempre com o cabelo engomado dentro de carros de luxo, aviões privados, em locações internacionais badaladas e ao lado de astros do futebol e celebridades da música.
Por sinal, um jatinho patrimônio da Braiscompany, que aparece em uma desses posts, teve sua venda para uma empresa de comércio hospitalar do Espírito Santo concretizada na última quinta-feira (9/2) segundo os registros da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Fonte: BBC Brasil