Educação & Cultura
Diálogo e cooperação em prol da Educação: a tônica do novo MEC
Governo federal demonstra esforços para melhorar articulação com redes de ensino e setores envolvidos na política educacional, o que é essencial para enfrentar os desafios da área e avançar na aprendizagem dos estudantes
Em novembro de 2022, publiquei um artigo nesta coluna sobre as expectativas em relação ao novo governo no que se refere a alguns dos desafios que permeiam nosso sistema educacional, da gestão de políticas públicas à sala de aula. Ressaltei que a capacidade de articulação da União com os entes federados e demais setores envolvidos nas políticas públicas da área, de forma a estabelecer uma relação colaborativa e supletiva, era um ponto fundamental para enfrentar as lacunas da Educação brasileira e superar os desafios adicionais que a pandemia da Covid-19 nos legou.
Ainda no ano passado, o núcleo de Educação do grupo de transição do governo eleito atendeu ao pedido de reunião com o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação no Brasil (Gaepe-Brasil). O Gaepe, que reúne entidades dos Sistemas de Justiça e Controle Externo, representantes do Poder Legislativo, gestores públicos e sociedade civil, ainda não contava com uma participação do MEC enquanto integrante do colegiado, embora a gestão anterior tenha atendido pedidos de participações pontuais.
No encontro com o grupo de transição, como coordenadora das atividades do Gaepe-Brasil e responsável pela mediação de suas reuniões, apresentei temas urgentes que precisam de atenção especial do Governo Federal: piso do magistério, Educação Infantil, sistemas de avaliações e conectividade (saiba mais sobre eles aqui). Além disso, financiamento também é um assunto crítico, já que é transversal a todos os demais. E passa por uma fase delicada com a implementação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), cuja regulamentação ainda gera dúvidas.
Ações do novo governo para a Educação Básica: primeiras medidas
Passados quase três meses do início do novo governo federal na condução do país, temos boas notícias sobre esse esforço do Ministério da Educação (MEC) em dialogar e cooperar com os entes federados, embora ainda com medidas incipientes que, obviamente, precisam ser ampliadas e acompanhadas nos próximos meses e anos.
Um destaque positivo é a retomada da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC (SASE/MEC). Extinta em 2019 pelo governo Bolsonaro, a pasta havia sido criada em 2011 com a função principal de desenvolver ações voltadas à criação do Sistema Nacional de Educação (SNE) – política prevista no Plano Nacional de Educação (PNE). Para isso, ela busca contribuir para a construção de consensos e acordos, ampliando as possibilidades de diálogo e pactuação entre gestores sobre diferentes aspectos e temas importantes para a Educação brasileira.
A atual gestão do MEC também aceitou o nosso convite para participar das reuniões do Gaepe-Brasil com representantes tanto do Ministério, como do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FNDE). O primeiro encontro de 2023 do Gaepe, sobre financiamento da Educação Básica, contou com Maurício Holanda, titular da SASE, e Fernanda Pacobahyba, presidente do FNDE (contamos aqui como foi esse momento).
O que o MEC já fez, na prática, para melhorar a articulação?
Sem dúvida, é bastante relevante que o MEC disponibilize sua concorrida agenda para participar de um espaço de diálogo e cooperação, que busca provocar ações concretas de formuladores, executores e fiscalizadores da política educacional. Essas ações vão no sentido de avançar na melhoria da Educação, de forma mais articulada e em um ambiente de maior segurança jurídica.
Contudo, é esperado também que a pasta reassuma o protagonismo na coordenação nacional da política pública da Educação. Isso se faz tanto com manifestações públicas que sinalizem sua nova postura, quanto com ações específicas enunciadas por normas, portarias e diretrizes, entre outros instrumentos.
Em relação à sinalização de nova postura, temos falas importantes do novo ministro Camilo Santana, indicando a intenção do MEC de retomar o fortalecimento do regime de colaboração entre os entes federativos e do diálogo com todas as instituições e representações. Nessa linha, é promissora a proposta de um pacto nacional pela Educação Básica para avançar, com apoio do Governo Federal, em pautas prioritárias. Dentre elas, a alfabetização na idade certa – com a possível retomada da avaliação anual de alfabetização, já anunciada por Santana); a ampliação do ensino em tempo integral; a expansão do acesso à tecnologia e à conectividade, além de propostas como o reajuste do valor da alimentação escolar, há 5 anos sem alteração (percentuais de reajuste divulgados na última semana), e o diagnóstico de obras paralisadas de creches e escolas.
Sobre as ações específicas, uma das medidas adotada em fevereiro para fortalecer o relacionamento do MEC com estados e municípios, que recebem os recursos do FNDE, é o “FNDE dialoga”. A iniciativa visa oferecer apoio técnico para as secretarias de ensino sobre a utilização dos sistemas do órgão.
Qual o papel do diálogo para retomar avanços na Educação?
É lugar comum dizer que o Brasil tem desafios históricos na Educação, e que eles foram agravados pelo período de fechamento das escolas durante a pandemia. Mas isso é algo importante de ser lembrado para termos em mente que nenhum governo é inteiramente responsável por todos os problemas em nossas escolas. Porém, ele pode ser decisivo para dar passos mais largos (ou mais tímidos) rumo à superação desses desafios.
Como destaca o jornalista Antônio Gois já no início do seu livro O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente, “(…) há farta evidência de que o sistema educacional do passado era, na verdade, uma grande máquina de exclusão em massa, que, ao longo do século XX, abusava do expediente da repetência sem que isso resultasse em melhor qualidade”. O ensino nunca foi ofertado a toda a população, desde os tempos do Império, até o início dos anos 1990, quando efetivamente começaram a ser implementadas políticas de universalização da escola e pudemos testemunhar avanços na pauta do acesso à Educação.
Não há mágica capaz de assegurar a universalização do acesso à Educação e à efetiva aprendizagem com equidade, para que todas as crianças e jovens possam concretizar seus projetos de vida. Mas, sem sombra de dúvida, o caminho para alcançar essa meta passa por um governo no qual o discurso da prioridade da Educação esteja alinhado de forma precisa e cirúrgica a ações concretas nessa direção. E elas devem ser construídas a partir de um diálogo democrático, franco e transparente entre as três esferas da federação.
Alessandra Gotti é fundadora e presidente executiva do Instituto Articule e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP. Foi Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).