Educação & Cultura
Como trabalhar a cultura dos povos indígenas na Educação Infantil
A BNCC dá possibilidades de expandir a pesquisa e imersão nos saberes dos povos originários para levar experiências significativas aos pequenos
Olá professoras e professores! Já tive a oportunidade de compartilhar por aqui algumas reflexões e sugestões práticas que contribuem para a ampliação das aprendizagens dos bebês e crianças pequenas em relação à valorização da diversidade histórico cultural de nosso país.
Mais recentemente, abordei possibilidades de promover o acolhimento dos variados grupos étnicos para integrar diferentes culturas de modo a estabelecer vínculos de confiança e respeito diante de questões da língua, dos costumes e reconhecendo hábitos que podem tornar o espaço da escola mais aconchegante para todos.
Hoje quero dar continuidade a essa discussão a partir de um questionamento que me foi feito por uma professora dias atrás. Ela me trouxe a seguinte questão: “agora que não se trabalha mais com datas comemorativas, eu não posso trazer o dia do Índio de modo algum? Se eu fizer menção a qualquer questão nesse período, fico com receio, tanto que prefiro trazer essa temática em outros momentos depois do mês de abril”.
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Trouxe esse relato percebendo que é uma questão que gera dúvidas e traz inseguranças para a prática de muitos professores pelo país. A partir disso, gostaria de apresentar algumas reflexões.
Datas comemorativas na Educação Infantil
Primeiro, sobre nossa prática na Educação Infantil, não podemos mais trabalhar com um currículo estruturado em “dias de”, apenas olhando datas comemorativas. Temos hoje uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com objetivos de aprendizagem e desenvolvimento a serem alcançados com cada faixa etária. Isso deve se dar a partir de interações e brincadeiras da cultura infantil e dos temas que se revelam pertinentes para elas através do olhar atento do professor, que irá propor situações de maneira intencional.
A segunda questão tem a ver com a condição de professor-pesquisador, pois precisamos conhecer a nossa própria história e o modo como alguns povos foram invadidos em suas riquezas imateriais, como lhes foram negados todos os direitos por gerações e, para isso, é fundamental realizar de fato uma pesquisa sobre a origem de algumas datas e sob quais contextos elas foram marcadas oficialmente.
Nesse caso, o “dia do índio” foi instituído por um governo autoritário que acompanhou um movimento de outros países da América Latina, mas se manteve sem qualquer política que garantisse de fato zelo pelo patrimônio cultural ou que desse autonomia para que os povos originários vivessem da terra de modo livre e seguro.
As práticas escolares que se seguiram à instituição dessa data apenas contribuíram para a construção de um personagem estereotipado, inanimado e sem voz. Tais abordagens se mantiveram por décadas e não são raras nas escolas, ainda hoje, atividades ao longo do mês de abril que trazem um ser descaracterizado e irreal.
Faça diferente: sugestões para abordar a temática
No entanto, é possível trabalhar de uma maneira diferente, ressignificando a data e durante todo o ano. Nas proximidades de sua região encontra-se uma aldeia indígena? Promova uma interação das crianças com a comunidade. Precisamos apresentar as pessoas de origem indígena como elas de fato são e convivem em sociedade, com respeito às suas tradições e o modo como se organizam.
Troca de vivências
Outra sugestão é o contato remoto com uma comunidade indígena em que é possível trocar correspondências, fazer chamadas de vídeo (há comunidades que têm rede de internet, escolas com comunicação digital), ou ainda, organizar uma caixa dos tesouros que cada grupo possa compartilhar objetos interessantes do dia a dia em sua localidade e então trocar entre si enviando-os pelos Correios. Já pensou na alegria das crianças ao receberem uma encomenda para elas, fruto de vínculos que foram estabelecidos com crianças de lugares distantes delas?
Brincadeiras e valorização da diversidade
Quando o professor propõe brincadeiras para promover a valorização da diversidade do nosso país, torna-se imprescindível adentrar a cultura dos povos indígenas e, assim, tem-se a possibilidade de reconhecer o quanto deles está em nós, nas brincadeiras das infâncias de gerações.
Elementos da natureza
Ao organizar um espaço dentro da sala de referência com elementos que remetem aos ensinamentos da cultura indígena como tintas produzidas a partir de sementes e raízes, o reconhecimento de diferentes plantas aromáticas como chás e temperos, torna-se possível oportunizar experiências sensoriais e estéticas com os elementos da natureza.
Sons, palavras e contos indígenas
Outra possibilidade está nos sons, em vivências que oportunizem aos bebês e crianças pequenas o conhecimento de instrumentos, ritmos, marcações de tempo que são únicos nas culturas indígenas, para isso, trago como sugestão alguns planos de aula disponíveis nos site da Nova Escola sobre a cultura sonora indígena.
Nosso vocabulário é vasto em palavras e expressões dos povos originários, temos também as histórias e lendas que tem o potencial de inspirar as crianças a se relacionarem com a natureza e seus fenômenos com disponibilidade para imaginar o que quiserem.
Enfim, nossa BNCC nos dá essa possibilidade de expandir a pesquisa e a imersão no patrimônio cultural de nosso país em diferentes momentos, pois todo o tempo com as crianças é educativo. O professor está ensinando com o olhar, com o tom de voz, com a forma como o corpo se expressa.
Nesse sentido, à medida que se olha para os bebês e crianças pequenas é preciso voltar a reflexão para si mesmo de modo muito profundo e, então, já não é mais sobre as crianças, mas é sobre o papel do professor diante da maneira como são apresentadas nossas origens, antepassados e as inspirações para a construção de um legado de respeito verdadeiro com os povos indígenas.
Um abraço e até breve,
Paula Sestari é professora da Educação Infantil da rede municipal de ensino de Joinville (SC), com dez anos de experiência nessa etapa, e mestre em Ensino de Ciências, Matemática e Tecnologias. Em 2014, recebeu o Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, e foi eleita Educadora do Ano com um projeto com crianças pequenas na área de Educação Ambiental.
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