Internacional
O russo que foi condenado por desenho antiguerra da filha
Rússia sentencia pai solteiro a dois anos de prisão por ilustração solidária à Ucrânia feita pela filha na escola. História vira símbolo da repressão russa contra quem “desacredite” o exército
Um pai russo foi condenado a dois anos de prisão em colônia penal por conta de um desenho contrário à guerra na Ucrânia feito por sua filha durante uma atividade escolar.
A história aconteceu na pequena e pacata cidade de Yefremov, na região de Tula, a apenas três horas de Moscou. A trama envolve a Escola Nº 9 e sua então aluna da 6ª série Maria “Masha” Moskaleva, e ilustra bem a rigidez das leis russas contra quem “desacredite” as forças armadas.
Em abril do ano passado, Masha e sua turma foram convidadas a fazer desenhos em apoio às tropas russas na Ucrânia. A garota de 12 anos desenhou duas bandeiras: uma russa com a frase “Não à guerra”, e uma ucraniana que dizia “Glória à Ucrânia”. No meio, ela desenhou uma mulher e uma criança na mira de mísseis russos.
A direção da escola reagiu prontamente. No dia seguinte, o pai de Masha, Alexei Moskalev, foi intimado. Ele e sua filha foram interrogados pela polícia e pelos serviços de assistência à juventude. Moskalev, pai solteiro, foi acusado de não ter criado bem a filha.
As autoridades alegaram ter encontrado comentários críticos ao exército em suas redes sociais, e ele foi multado no equivalente a quase 2.800 reais por “desacreditar” o exército russo.
O Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB), sucessor da KGB, também interrogou Masha e seu pai. Daquele dia em diante, a garota se recusou a ir à escola – ela estava com medo, disse mais tarde Moskalev ao site russo independente OVD-Info.
Perseguição
No fim do ano, a polícia apareceu em sua porta. “Na manhã de 30 de dezembro, recebi um telefonema às 6h30 da manhã”, contou Moskalev ao OVD-Info.
“Eu estava me preparando para trabalhar. Olhei pela janela e fiquei estupefato. Havia três carros de polícia em volta da casa, mais dois carros ao lado, um carro do Ministério para Situações de Emergência e um caminhão de bombeiros um pouco adiante.”
“Cerca de 12 pessoas do Serviço Federal de Segurança e alguns policiais saíram dos carros e se dirigiram até nossa entrada. Eles tinham uma rebarbadora. Eu entendi imediatamente que eles estavam ali por nós”, relatou o pai de Masha.
Segundo ele, os policiais não foram nada amigáveis durante a busca: tiraram roupas dos armários, arrancaram fotos das paredes e viraram móveis. Moskalev disse que os agentes confiscaram economias no valor equivalente a cerca de 16 mil reais, o que os deixou desconfiados. Durante um interrogatório mais tarde, ele foi questionado sobre como conseguiu o dinheiro e para quem ele trabalhava. Moskalev foi jogado contra a parede e no chão.
A condenação
Imediatamente depois do ocorrido, pai e filha decidiram fugir e se esconderam em uma cidade vizinha. A polícia os descobriu em 1º de março deste ano. Moskalev foi colocado em prisão domiciliar e acusado de “desacreditar os militares” repetidamente.
Ele também foi acusado de ser responsável por outras postagens críticas ao exército nas redes sociais, mas rejeitou as acusações e disse que sua conta deve ter sido hackeada.
As autoridades também iniciaram um processo para revogar o direito de Moskalev de criar sua filha, que foi colocada em um orfanato.
Na última segunda-feira (27/03), após deliberar por apenas um dia, um tribunal russo determinou a sentença: dois anos em colônia penal para o pai solteiro. O veredito foi anunciado no dia seguinte, sem a presença do réu. Segundo o tribunal, Moskalev havia fugido na noite anterior e era considerado foragido da Justiça.
No entanto, ele foi preso nesta quinta-feira, segundo informou seu advogado. Uma emissora russa de televisão disse que Moskalev foi detido em Minsk, capital de Belarus.
Olga Podolskaya, membro do parlamento municipal de Yefremov, ficou chocada com o veredito. “Uma verdadeira sentença de prisão por uma opinião na internet, isso é simplesmente terrível!”, afirmou a parlamentar à DW.
Podolskaya se disse particularmente preocupada com Masha, com quem tentou entrar em contato várias vezes. Não há vestígios da menina há semanas, exceto por uma carta que ela escreveu ao pai. O texto termina com as seguintes palavras: “Pai, você é meu herói!”