Educação & Cultura
Ataques a escolas: como tranquilizar a comunidade escolar?
Onda de ameaças de novos ataques inundou o país, por isso, é importante que a gestão escolar acolha professores e alunos e crie estratégias para dialogar com as famílias
“Semana que vem não quero ir para a escola. Todo mundo está falando que vai ter ataque”. Eu ouvi essa frase da minha filha, mas é provável que muitos pais e professores estejam escutando diariamente falas semelhantes. Após o ataque que matou a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, na EE Thomázia Montoro (SP) e o outro que deixou quatro crianças mortas em uma creche particular, em Blumenau (SC), uma onda de ameaças de novos ataques – e medo – inundou o país.
Estudantes e famílias estão apreensivos, o que reverbera no dia a dia de gestores e professores que, também impactados com tudo o que aconteceu, precisam lidar com a situação em diferentes níveis. Um deles é mais direto, afinal, a escola precisa pensar em como evitar um ataque.
Porém, há uma outra camada que, da mesma forma, precisa de ações urgentes e está relacionada ao clima nas unidades e estratégias para tranquilizar a comunidade escolar neste momento, até mesmo para garantir a possibilidade de implementação de ações contínuas de cultura de paz.
“Tem um monte de fake news sobre massacres. Como nunca sabemos se é [uma ameaça] real ou não, orientamos [as escolas] a fazer Boletim de Ocorrência, a fazer contato com a PM, pedir reforço policial e a conversar com os pais para falar que nada irá acontecer, que as aulas seguirão e que estarão todos bem, porque a escola funcionará normalmente. Isso tem sido feito [na rede estadual de SP]”, explica Mário Almeida, professor, psicólogo e que esteve à frente do Programa Conviva SP até a última semana.
Segundo ele, há um canal de comunicação com as 5 mil escolas da rede via Centro de Mídias, que também serve para falar com os estudantes e pais, já que pode ser acessado via celular.
Canal recebe informações de suspeitas de ataques
Por outro lado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com a SaferNet Brasil, criou um canal exclusivo para recebimento de informações de casos suspeitos de ataques a instituições de ensino. O formulário para recebimento das denúncias já está disponível e todos os conteúdos enviados serão mantidos sob sigilo.
O objetivo da plataforma é que as denúncias sejam investigadas de forma mais célere. Os dados serão analisados pela equipe do Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab), da Diretoria de Operações Integradas e Inteligência (Diopi), que tem atuado no assessoramento de investigações sobre crimes virtuais no Brasil.
Como NOVA ESCOLA publicou, um levantamento do laboratório revela que, em 2021, foram produzidos 33 ofícios indicando possíveis planejamentos de atentados a escolas, enviados para 16 estados diferentes. Em 2022, o número saltou para 80 comunicações encaminhadas a 21 estados, um aumento de 142% de um ano para o outro.
Como os gestores devem agir?
“As escolas estão apavoradas. Nesses últimos dias o que não faltam são mensagens pipocando nas redes com ameaças”, afirma Flávia Vivaldi, doutora em Educação, mestre em Psicologia Educacional e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral – Unicamp/Unesp (Gepem).
Ela explica que o primeiro passo, que em certa medida já foi dado, é a orientação das próprias secretarias de Educação para que se faça o boletim de ocorrência, no caso de ameaças que tragam o nome da escola ou de alguém da unidade. “Esse tem sido o protocolo do Estado de São Paulo, mas eu tenho acompanhado outros estados que estão agindo na mesma direção”, diz Flávia.
No entanto, o principal é que dentro da escola haja, minimamente, um clima de calma por parte dos adultos porque eles são as referências. “Se os adultos da escola alimentarem esse pânico, de fato, as escolas serão esvaziadas”, alerta a especialista.
Acolher os professores
Para que isso aconteça, porém, Flávia ressalta a necessidade da gestão acolher professores e demais funcionários, no sentido de validar os sentimentos que estão presentes, entendendo que eles também são afetados por tudo o que está ocorrendo e precisam ter um espaço de escuta empática.
No caso de unidades que sofrem o ataque diretamente, o trabalho precisa ser ainda mais intenso. Como o realizado com a equipe de Aracruz (ES), do qual Flávia fez parte. “Primeiro fizemos um momento com os profissionais da escola para que eles sentissem a potência do coletivo no que diz respeito ao acolhimento. Depois, traçamos uma programação especial para a retomada propriamente dita na unidade. Porque não dá para retomar as atividades como se nada tivesse acontecido”, conta.
Manter um canal de comunicação com as famílias
Esses círculos de acolhimento também devem acontecer com os alunos e as famílias. Abrir espaço para eles dialogarem, trazerem o que estão sentido e terem informações claras das ações e providências adotadas pela unidade é uma ação importante. “É fundamental a escola ter essa conversa, mostrar os canais de denúncia e se colocar sempre aberta para solucionar dúvidas e acolher as angústias”.
É nessa tecla que a diretora Edna Maria Chimango dos Santos tem insistido em bater com a comunidade escolar da EM Professor Anísio Teixeira, em Uberaba (MG). Além de ter repensado e fortalecido estratégias de segurança na unidade, ela tem utilizado os canais de comunicação com as famílias, principalmente via whatsapp, para explicar sobre medidas adotadas pela escola – como garantir que os portões estão ficando fechados, o funcionamento de câmeras de segurança e as conversas com a Polícia e Guarda Municipal em relação às rondas no perímetro da unidade.
Além disso, Edna explica que tem explorado ainda mais os projetos de acolhimento que a escola já desenvolve, como o Empatia, que trabalha a escuta atenta e a cultura de paz, com foco na saúde mental e habilidades socioemocionais.
“A situação aqui em Uberaba [em relação a ameaças e medo] está, infelizmente, nas mesmas condições do país. Por isso, em nossa escola, temos ampliado os diálogos com as famílias. Eu tenho sido muito incisiva, nos grupos de aplicativo, e já tivemos uma reunião com pais e responsáveis sobre o tema, e também com nossa equipe, de forma a alertar para a necessidade de atenção ao comportamento dos filhos e às conversas nas redes sociais”.
Outro ponto, conta a diretora Edna, foi conscientizar sobre o impacto negativo do compartilhamento de mensagens de pânico e o cuidado com as fake news.
Para Flávia, é importante inserir as famílias no debate sobre o cenário atual e os caminhos da violência “que começam, timidamente, com manifestações e discursos de ódio e vão escalando para atitudes extremas”.
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Segundo ela, é preciso orientar as famílias caso elas tenham conhecimento sobre ameaças e também sobre a importância de não repassar boatos que recebem nas redes sociais e aplicativos. Contudo, pontua a especialista, isso não descarta a necessidade da escola frisar a todos que esses eventos não são regra, mas exceção em um momento atípico da sociedade.
“A escola precisa orientar seus profissionais de que alardear essas ameaças é pior. Porque o objetivo de quem faz esse tipo de ação de alastrar o medo é exatamente o de gerar pânico. A sociedade não pode marcar a escola atrelada à ideia de violência”.
Cuidados com o efeito contágio
Após as tragédias de São Paulo e Blumenau, teve início uma onda de tentativas, ameaças e ataques. Em Manaus, Goiás e Ceará, por exemplo, estudantes e uma professora ficaram feridos – sem gravidade – depois do ataque de alunos com armas brancas.
Em Cubatão (SP), a Prefeitura da cidade emitiu uma nota pública esclarecendo que eram falsos áudios que circulavam em aplicativos de mensagem dando conta de ocorrências policiais em escolas do município. Em Poços de Caldas (MG), a administração municipal lançou uma campanha pedindo atenção no compartilhamento de mensagens: “Não colabore com o efeito contágio de ataque às escolas”, diz o material.
“O efeito contágio é real. Alguns especialistas chamam de mimetismo e é essa ideia de imitar e se inspirar em ataques anteriores aqui e até nos EUA”, explica Flávia Vivaldi, doutora em Educação, mestre em Psicologia Educacional e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral – Unicamp/Unesp (Gepem).
“Quanto mais há a divulgação do medo, criando uma situação de pânico, mais potentes ficam essas ameaças. A orientação é para denunciar sempre que conseguir detectar uma postagem com ameaças. Agora, ficar repassando qualquer mensagem no whatsapp é aumentar o pânico e vai ao encontro dos objetivos de quem participa do processo de espalhar o medo. É um momento de refletirmos a quem interessa esse estado de pânico que a sociedade vem vivendo.”
Fonte: Nova Escola