Internacional
Marcha dos Vivos em Auschwitz celebra a vida judaica
Em 1945, nazistas forçaram presos do campo de extermínio a uma marcha da morte. No Yom HaShoá, Dia em Memória do Holocausto, milhares de judeus e não judeus emitem um sinal contra o esquecimento
“O trabalho liberta”: a frase sobre o portão de entrada do campo de concentração e extermínio de Auschwitz não poderia ser mais cínica. Quem fosse deportado para lá tinha todos os seus bens pessoais tomados, os cabelos, raspados, recebia um uniforme de preso, era cadastrado com um número que lhe era então tatuado no braço. Enfim: era desumanizado.
De início, sobretudo combatentes da resistência local, intelectuais, prisioneiros de guerra russos e outros desafetos dos nacional-socialistas eram enviados para morrer de fome, moléstias e trabalhos forçados sob as condições miseráveis, ou ser fuzilados no campo alemão em território polonês ocupado.
A partir de 1942, porém, começou o assassinato em massa sistemático na sessão ampliada Auschwitz-Birkenau, o maior campo de todos. Dos 1,1 milhão de seres humanos mortos lá, a maioria eram judeus, num devastador capítulo do Holocausto.
Marcha dos Vivos como antídoto ao esquecimento
Desde 1988, no Yom HaShoá, Dia em Memória do Holocausto, feriado nacional em Israel, reúnem-se em Auschwitz ex-prisioneiros sobreviventes, seus filhos e netos, assim como judeus de todo o mundo, a maioria jovens, para a March of the Living, ou Marcha dos Vivos.
O nome alude à marcha da morte por ocasião da dissolução do campo, em 1945. Diante do recuo do front oriental e da aproximação dos Aliados, os nazistas ordenaram a evacuação do local. Sob frio glacial, os presos foram obrigados a avançar em direção ao oeste, impelidos pelos soldados que fuzilavam sumariamente quem não pudesse mais andar.
Os participantes da Marcha dos Vivos, que em 2023 se realiza nesta terça-feira (18/04), caminham três quilômetros do campo principal, o Stammlager I, até as instalações de extermínio de Auschwitz-Birkenau. É um sinal contra o esquecimento do Holocausto, especialmente diante do recrudescimento do antissemitismo, e uma expressão da memória viva das vítimas judaicas.
O número das testemunhas da época capazes de relatar sobre as atrocidades nazistas se reduz cada vez mais. Mas ainda há sobreviventes como Eva Umlauf. A pediatra e psicoterapeuta teuto-eslovaca chegou com a mãe a Auschwitz em 1944, aos dois anos de idade.
Ambas sobreviveram, assim como a irmã Nora, nascida no campo de extermínio. Uma das sobreviventes mais jovens, Eva só começou em 2014 a falar em público sobre o que viveu.
Dançando e cantando em Auschwitz
Para Philipp Doczi, a “vivência pessoal” e a consequente possibilidade de fazer perguntas é extremamente importante. Integrante da organização March of Remembrance and Hope – Austria (MoRaH), ele incluiu Eva Umlauf na conversa com testemunhas contemporâneas da Marcha dos Vivos de 2023.
Uma delegação de mil adolescentes austríacos lhe acompanha ao antigo campo. Também participam dos eventos na atual Oswiecim, na Polônia, 230 alunos do estado alemão de Brandemburgo. Dieter Starke, seu acompanhante, sabe, de excursões anteriores, que esses encontros não deixam indiferente nenhum dos participantes.
Além disso, os jovens alemães encontram-se com coetâneos israelenses e trocam impressões sobre como vivenciam racismo, antissemitismo e discriminação nos dias atuais, e como lidam com essas experiências.
A Marcha dos Vivos não esteve sempre aberta a não judeus: só em 2005 foi admitida a primeira delegação cristã alemã, em 2022 vieram até mesmo representantes dos Emirados Árabes Unidos. Na atual edição, esperam-se cerca de 10 mil participantes de todo o mundo, tantos quanto antes da pandemia de covid-19.
“Há, sim, uma espécie de choque de culturas”, conta Doczi. Ele estranhou de início, por exemplo, quando judeus da América do Sul dançaram e cantaram no campo de extermínio. No entanto, isso lembra que se trata também de celebrar os sobreviventes e a cultura judaica viva.
A Marcha dos Vivos não emite apenas um sinal veemente contra o esquecimento dos mortos de Auschwitz, mas também a favor da vida judaica como um todo, agora e no futuro.