Judiciário
Dia Internacional da Identidade: cidadania além de um simples documento
Data marca compromisso com direito fundamental ainda não assegurado para milhões de cidadãos
O Dia Internacional da Identidade, comemorado no último dia 16 de setembro, é uma data com um profundo significado global. Ela marca o compromisso que os países têm de assegurar que todas as pessoas tenham uma identidade legal, um direito fundamental que muitas vezes é dado como certo, mas que ainda não é uma realidade para milhões dessas pessoas em todo o mundo.
No Brasil, 2,7 milhões de indivíduos não possuem documento de identificação, de acordo com estatísticas do Registro Civil do Censo de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número representa 2,59% da população brasileira.
A importância da identidade legal vai muito além de um simples documento. Ela é um elemento essencial para a inclusão social, o acesso à justiça e à segurança pública e a promoção de uma sociedade mais pacífica, como enfatizado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16.9 da ONU.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram instituídos em setembro de 2015 como uma agenda mundial durante a Cúpula das Nações Unidas. São 17 objetivos e 169 metas a serem atingidas até 2030. O ODS 16.9 estabelece uma meta clara: garantir que todos os cidadãos tenham acesso à identidade legal, incluindo o registro de nascimento.
Sem acesso à identidade legal, muitos indivíduos enfrentam barreiras significativas para obter serviços essenciais. Além das questões psicológicas e emocionais envolvidas, significa, na prática, não poder ter um trabalho e ter dificuldade ao acesso à saúde, exercício de direitos e reconhecimento como membros plenos da sociedade. Isso não apenas os coloca em situações de vulnerabilidade, mas também mina o progresso da sociedade em áreas como igualdade de gênero, educação, saúde e segurança pública.
Cabe ressaltar que, atualmente, a identidade não é mais uma questão física, de papel e caneta. A ascensão da tecnologia digital trouxe uma nova solução para os problemas de identificação: a identidade digital. À medida que a tecnologia avança, a identidade digital tem se tornado central no dia a dia das pessoas.
Esse é um pilar fundamental na construção de uma sociedade digital confiável e, portanto, menos burocrática. Segundo relatório da consultoria norte-americana Liminal, esse mercado deve crescer até 91% globalmente nos quatro próximos anos, impulsionado pelos setores de entretenimento, mídias sociais, turismo, economia compartilhada e saúde.
No Brasil, para a identificação digital por meio da biometria facial, basta uma selfie para garantir e validar a identidade do usuário nas mais diversas transações – seja abrir uma conta corrente, solicitar um empréstimo, pagar uma compra, ser admitido digitalmente e assim por diante. Dados da Unico, empresa especializada em identidade digital no Brasil, revelam que, em 2020, foram realizadas 64 milhões de transações com validação da identidade por meio da biometria facial. Em 2022, foram 226 milhões. No período entre 2018 e julho de 2023, foram mais de 850 milhões de transações autenticadas via biometria facial.
Mesmo com todo esse desenvolvimento e sendo o Brasil reconhecido como o segundo mais avançado em maturidade digital do governo, conforme ranking do Banco Mundial, a discussão no país sobre identidade digital ainda está majoritariamente focada na unificação e digitalização de documentos – como evidenciado pelo recente anúncio da carteira de identidade digital.
Além disso, a maioria das transações que exigem comprovação de identidade ainda são realizadas de forma física e presencial. De acordo com uma pesquisa da Unico/FGV, a falta de sistemas digitais de comprovação de identidade nas relações com governo e empresas resulta em um desperdício de, no mínimo, R$ 104,4 bilhões anualmente. É evidente a necessidade de as soluções digitais avançarem para evitar tais perdas e promover maior eficiência.
A adoção em larga escala da identidade digital será fundamental para facilitar a identificação online, o acesso a serviços e produtos no ambiente digital, reduzir a autenticação de documentos por meios físicos, aumentar a segurança e a privacidade dos dados pessoais, aumentar a agilidade empresarial, promover a inclusão digital, além de impulsionar o investimento em inovação tecnológica.
Tecnologias atuais já permitem que a identificação das pessoas seja restrita apenas para a informação e dados necessários num determinado fluxo. Por exemplo, se um cidadão precisa comprovar que é maior de idade, por meio de credenciais de identificação, apenas a informação relevante será disponibilizada para a instituição que demanda esse dado, preservando em sigilo as outras informações como local de nascimento, filiação etc. Dessa forma, a identidade digital e a tecnologia embarcada no ecossistema atuam para garantir a privacidade, devolvendo ao cidadão o controle sobre seus dados pessoais. Isso pode ser aplicado para a validação de carteiras profissionais, carteira de motoristas, comprovação de ensino e diversas outras situações cotidianas.
Dessa forma, a identidade digital desempenha um papel essencial nas interações atuais e futuras, conectando pessoas, empresas e governos de maneira eficiente e segura, sendo utilizada desde a gestão de perfis de mídia social até a segurança de transações financeiras. Por isso, é necessário também o alerta sobre a necessidade de adoção das melhores práticas para a proteção dos dados privados dos cidadãos. Isso inclui o uso de tecnologias robustas, como a adoção da autenticação de dois fatores e a conscientização sobre golpes online, por exemplo.
A garantia da identidade legal e a implementação da identidade digital em larga escala desempenham um papel vital para empresas, cidadãos e governos. Comemorar o Dia da Identidade é reafirmar que a identidade legal é um direito humano básico para que todas as pessoas tenham acesso a serviços, produtos e à proteção que merecem. É um passo primário em direção a uma sociedades mais justas para todos. Adotar a identidade digital segura e confiável é um passo além: significa investir ainda mais no avanço de sociedades mais ágeis, igualitárias e economicamente mais fortes e competitivas.