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Educação & Cultura

Educação Inclusiva nos Anos Finais: principais desafios e caminhos para superá-los

Lacunas na formação docente, falta de apoio especializado e menos tempo dos professores em sala de aula são obstáculos para uma Educação que atenda a todos

A falta de formação docente em Educação Inclusiva é um dos maiores obstáculos que os professores enfrentam nos Anos Finais

“Agoniante”. É assim que Miriele Maldonado, professora de Matemática do 7º ano na EE Residencial Bordon, em Sumaré (SP), define a sensação de querer ensinar seus alunos com deficiência, mas não dispor das melhores estratégias para garantir uma Educação Inclusiva.

“Quando você está se formando e mesmo depois, a capacitação oferecida no curso superior e pela própria rede de ensino não é suficiente para que tenhamos uma boa base de trabalho. Na prática, tudo é pautado em tentativas e erros de estratégias, pois cada aluno tem suas particularidades”, comenta a professora.

Miriele não está sozinha. De acordo com a pesquisa “Inclusão na Educação”, realizada pela NOVA ESCOLA em fevereiro de 2023, que entrevistou 4.745 educadores em todo o Brasil, quatro em cada 10 afirmam não receber orientação especializada para o desenvolvimento das atividades com alunos com deficiência.

Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, o desafio é ainda maior do que nas etapas anteriores. Salas lotadas, falta de apoio especializado e pouco tempo para planejamento e em sala de aula são alguns dos fatores que preocupam os professores e impedem a realização de um trabalho pleno com esses alunos.

Falta de formação em Educação Inclusiva

A falta de formação docente em Educação Inclusiva é um dos maiores obstáculos que os professores enfrentam nos Anos Finais. Rosimar Esquinsani, doutora em Educação e professora na Universidade de Passo Fundo (UPF), diz que, nos Anos Iniciais, o fato de os educadores serem pedagogos permite que eles tenham mais conhecimento sobre a temática do que os professores especialistas dos Anos Finais.

“Nós temos uma formação no curso de Pedagogia que, se não é a ideal, pelo menos tem um olhar mais para o todo”, destaca a professora. “A própria formação do professor especialista, que vai acompanhar esse aluno nos Anos Finais, é mais parcial”, completa.

Se a formação inicial dos professores não dá conta de abordar a Educação Inclusiva, as redes de ensino não têm preenchido essa lacuna. “O professor fica quatro anos no seu processo de formação inicial na faculdade, mas ele vai ficar 30 anos em uma rede de ensino. Então, as redes precisam se corresponsabilizar pela formação desse professor e auxiliá-lo a enxergar esse aluno”, defende a especialista.

Não é o que acontece na prática. Segundo o Painel de Indicadores da Educação Especial, levantamento feito pelo Instituto Rodrigo Mendes em parceria com o Instituto Unibanco, com dados do Censo Escolar 2022 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC), só 5,8% dos professores no Brasil têm formação continuada sobre Educação Especial. Mesmo entre docentes do Atendimento Educacional Especializado (AEE), a formação continuada não atinge nem a metade do total (44,3%).

Carência de suporte em sala de aula

Ana Cristina Maciel, professora de História e Geografia nos Anos Finais do Ensino Fundamental na EE Pedro Taques, em São Paulo (SP), conta que uma das suas maiores dificuldades para trabalhar com alunos com deficiência é justamente não saber muito bem o que fazer. 

“Acolher eu acolho, tento incluir os alunos com deficiência de maneira humana, mas a minha dificuldade é no aprendizado desses estudantes. Eu não sou especialista em Educação Inclusiva. Em uma sala com 40, 45 alunos, eu não consigo dar conta de três ou quatro para os quais eu tenho que ter um olhar mais acolhedor.”

Como resultado, a sensação que ela fica é a de que os estudantes com deficiência não conseguem avançar nas aprendizagens. Maria Angélica Saraiva, professora de História dos 7° e 8° anos na EMEF Maria José Batista de Freitas, em Boa Vista do Gurupi (MA), tem a mesma percepção. “A gente não consegue trabalhar bem com os alunos em geral e não consegue trabalhar bem com os que têm deficiência”, ressalta. “Eu me sinto dividida dentro da sala de aula.”

De acordo com a pesquisa da NOVA ESCOLA, a visão dos professores é a de que apenas três em cada 10 alunos com deficiência se envolvem efetivamente com as atividades em aula. E só um em cada 10 professores considera que consegue dar conta das demandas desses estudantes.

Mas os desafios dos docentes nos Anos Finais vão além da falta de formação no tema. Rosimar aponta para uma “massificação” nessa etapa de ensino, quando os alunos deixam de ser o estudante de determinada professora e se tornam um número em uma sala de aula, muitas vezes superlotada, na qual professores passam apenas algumas horas por semana. “O aluno some dentro da escola”, resume a especialista. Ela reforça que esse processo é ainda mais prejudicial para estudantes com deficiência.

Além disso, a falta de acompanhamento da situação de cada aluno também é sentida pelos professores. Em escolas que têm ambas as etapas do Ensino Fundamental, os docentes conseguem conversar entre si e transferir relatórios de acompanhamento dos estudantes. Quando os alunos mudam de escola na passagem dos Anos Iniciais para os Anos Finais, o que é bastante comum, esse acompanhamento raramente é feito. Assim, os novos professores precisam partir da estaca zero para descobrir as estratégias que mais funcionam com cada estudante.

Apoio entre os docentes

Sem recursos e formações, os professores acabam recorrendo uns aos outros como uma forma de vencer os desafios e conseguir dar o melhor suporte possível aos alunos com deficiência.

Ana Cristina diz que, como a escola em que atua não tem professores especializados em Educação Inclusiva, os docentes acabam conversando entre si e trocando dicas sobre as melhores estratégias para garantir a aprendizagem desses estudantes. 

Para Rosimar, esse tipo de atitude é um passo essencial para superar os desafios. “De fato, essa é uma questão que envolve todos os professores. Eu não posso dizer: ‘Esse aluno aí é responsabilidade da professora de Língua Portuguesa, porque ele precisa ainda ser alfabetizado’. Não, ele precisa de todos os colegas, por isso a importância de trocar informações e dicas.”

Na escola Bordon, em Sumaré, as professoras especialistas da sala de recursos multifuncionais ajudam os professores no planejamento das aulas, conta Miriele. Durante as reuniões pedagógicas, o tema da Educação Inclusiva costuma ser bastante debatido, e os professores trocam informações sobre os alunos com deficiência.

“É necessária uma investigação e sempre ir adequando as atividades de acordo com as particularidades de cada um. Só depois de tentar muitas estratégias, conseguimos estabelecer a melhor forma de trabalhar com cada aluno”, salienta a professora. 

Segundo ela, com o tempo, conhecendo melhor o aluno, o trabalho se torna um pouco mais fácil. “Conseguimos preparar uma atividade mais direcionada, usar o recurso mais adequado, às vezes um recurso tecnológico, ao passo que temos condições de detectar as habilidades já desenvolvidas e que podem ser aprofundadas por esse aluno.”

“Não existe professor inclusivo em escola excludente”

Augusto Galery, coordenador de gestão educacional do Instituto Rodrigo Mendes, afirma que esse é o “mundo ideal”: professores traçando juntos as melhores estratégias e contando com o apoio de profissionais especializados, que conseguem propor novas didáticas e ferramentas. Além, é claro, de formação continuada sobre o tema. 

Mas o especialista lembra que essa está longe de ser a realidade em muitas escolas públicas, já que o tempo de planejamento costuma ser curto e nem sempre há o apoio de profissionais qualificados. De acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial, 78,5% das escolas brasileiras não têm sala de recursos multifuncionais. Já a pesquisa Inclusão na Educação mostra que só quatro em cada 10 professores dizem ser uma realidade os atendimentos educacionais especializados (AEEs) no contraturno das aulas regulares.

Diante disso, Rosimar destaca que cabe à gestão escolar garantir o direito à Educação Inclusiva, promovendo formações, reflexões e momentos de planejamento sobre o tema, sempre buscando formas de driblar a falta de profissionais qualificados. Antes de mais nada, diz ela, os professores não podem sentir que estão sozinhos nessa busca.

“Não existe professor inclusivo, existe escola inclusiva. Eu não consigo ser uma professora inclusiva dentro de uma escola excludente. É preciso que a escola toda caminhe nessa direção”, considera a especialista.

Planejamento inclusivo na prática

Mesmo professores e escolas que, eventualmente, ainda não tenham recebido alunos com deficiência não devem fechar os olhos para o tema da Educação Inclusiva. “O professor precisa procurar as melhores formas de trabalhar com esses alunos, porque essa é a nossa realidade. Nós teremos sempre, e cada vez mais, alunos público-alvo da Educação Especial nas nossas escolas. E que bom que teremos”, afirma Rosimar.

Atualmente, o Brasil tem mais de 1,5 milhão de estudantes da Educação Especial matriculados na Educação Básica, representando 3,2% do total. Além disso, 74,4% das escolas têm matrículas da Educação Especial, conforme o Painel de Indicadores da Educação Especial.

Em 2008, apenas 54% desses alunos estavam em classes comuns. Em 2022, essa taxa já era de 89,9%. Entre os fatores que contribuíram para esse aumento estão o maior valor investido por aluno com deficiência no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), incentivando a implementação de salas multifuncionais, obras de acessibilidade e formação de professores, e a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência, sancionada em 2015.

Do total de estudantes matriculados na Educação Básica, as principais deficiências são:

  • 51,8% – deficiência intelectual
  • 24,3% – autismo
  • 9% – deficiência física
  • 4,9% – deficiência múltipla
  • 4,6% – baixa visão
  • 2,3% – deficiência auditiva
  • 1,5% – altas habilidades/superdotação
  • 1,2% – surdez
  • 0,4% – cegueira

Diante de tanta diversidade, os professores sentem que precisam fazer adaptações específicas para cada estudante. Muitos têm a sensação de ter que planejar duas, três, quatro ou mais aulas de um mesmo conteúdo. Os especialistas dizem, porém, que isso não é necessário.

O primeiro passo para entender a diversidade de forma mais inclusiva é olhar além do laudo. Se, por um lado, os professores anseiam por saber mais informações sobre o diagnóstico dos estudantes com deficiência para conseguirem auxiliá-los com mais precisão, por outro, é necessário compreender que o laudo pode ser um fator limitante.

“O laudo pode condicionar o olhar do professor em relação ao aluno, colocando de antemão limitações. Muitas vezes, o professor pode dizer: ‘Esse aluno só consegue fazer isso’. Na verdade, todo ser humano tem uma capacidade infinita de superação”, aponta Rosimar.

Augusto defende que, “tecnicamente falando”, quem sabe de Educação é o educador. “O principal papel do diagnóstico não é pedagógico, é explicar os cuidados que a escola precisa ter com aquele aluno. Mas quem consegue falar sobre qual a melhor Educação para as pessoas somos nós, educadores.”

Foco nas diversas formas de aprender

Além de olhar além do diagnóstico, outra dica para tornar as aulas mais inclusivas é, desde o planejamento, pensar nos conteúdos de forma a atender todos os tipos de pessoas. “O papel do professor na sala de aula não é individualizar, mas sim dar aula para todos”, diz Augusto. “Eu não estou falando de dar duas aulas, eu estou falando de dar a mesma aula, mas com alguns cuidados.”

Entre esses cuidados, o especialista indica que é necessário analisar se as propostas são acessíveis a todos. E isso não diz respeito apenas a alunos com deficiência, mas também a pessoas que aprendem de diversas formas. “Quando vamos trabalhar com diversidade, eu não posso assumir que todo mundo aprende da mesma forma que eu aprendo”. 

Segundo ele, ainda temos aquela ideia de que ser professor é entrar em sala de aula, encher o quadro e falar durante 50 minutos. “À medida que a gente vai saindo disso e começa a colocar outros elementos na Educação, como pesquisas ativas, trabalhos em grupo e sala de aula invertida, por exemplo, acabamos incluindo mais pessoas”, ressalta Augusto. “Muitas vezes são mudanças relativamente pequenas, mas que ampliam muito a quantidade de pessoas impactadas pela aula.”

Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA)

Conheça um modelo prático para tornar as aulas mais inclusivas

Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) tem o objetivo de ampliar as oportunidades de desenvolvimento de cada estudante. Para isso, os professores oferecem diversas formas de contato e interação com o conteúdo a ser ensinado, permitindo que pessoas que aprendem de formas diferentes consigam assimilá-lo.

Por exemplo: será que a lousa, o livro e a fala do professor, presentes nas aulas mais tradicionais, são acessíveis a todos? Se pensarmos em alunos com deficiências visuais, auditivas e intelectuais fica fácil responder que não. Mas mesmo estudantes que não têm deficiências podem não se dar bem com esses formatos e apresentar dificuldades na aprendizagem.

Para aplicar o DUA, os professores precisam ter em mente, desde o planejamento, três princípios:

  • Apresentação do conteúdo: ele precisa estar em diversos formatos, como áudio, vídeo e imagens. Nesse aspecto, o professor pode contar com a ajuda de soluções tecnológicas;
  • Expressão dos estudantes: os alunos devem ter a possibilidade de se expressarem de formas diferentes, com os docentes adotando estratégias diversas, como pesquisas ativas, trabalhos em grupo e sala de aula invertida. Vale também pensar em diferentes formas de avaliação;
  • Engajamento: os professores têm de pensar em formas de relacionar os conteúdos com a vida real e o contexto dos estudantes, aproximando-os dos temas e aumentando o engajamento.

Saiba mais sobre os princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem neste conteúdo produzido pelo CAST, centro de pesquisa que criou o conceito. 

Fonte: Novas Escolas

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