CIDADE
Conde tem quase 99% de servidores temporários e descontrole de gastos com veículos e combustível
Servidores comissionados em número equivalente a 98,93% do quadro funcional da Prefeitura, desvirtuamento da natureza jurídica da Gratificação de Atividade Especial (GAE), salário do pessoal efetivo inalterado desde 2016 e deficiência nos procedimentos de controle do sistema relativo aos gastos com combustível compõem, entre outros, a lista de problemas relacionados após auditoria do Tribunal de Contas no município do Conde.
Durante a inspeção realizada no período de 11 a 15 de setembro passado, os auditores do TCE observaram o descontrole de despesas com o abastecimento e a manutenção da frota de veículos, além de informações divergentes acerca desses gastos entre as obtidas no local e as encaminhadas ao Sistema de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade (Sagres), do TCE. Estas e outras falhas estão no corpo do Processo de Acompanhamento da Gestão do Conde (PAG 0289/23) que tem como relator o conselheiro substituto Renato Sérgio Santiago Melo.
QUADRO DE PESSOAL – No TCE, o Sistema de Tramitação de Processos e Documentos (Tramita) não contém registro de licitação nem contração de empresa para realização do concurso público já anunciado e destinado ao provimento de cargos efetivos na Prefeitura. Ali, a contratação de servidores temporários é regida pela Lei Municipal 1.143/22. Os auditores constataram que o número de contratados atingia, quando da inspeção in loco, 98,93% da quantidade de efetivos.
Os últimos certames do gênero realizados no Conde datam de 2016 e 2019. O primeiro teve oferta de 343 vagas para 77 cargos. O segundo ofereceu 51 para professor e outras 20 para guarda civil. A anulação do concurso de 2016, no ano seguinte, pelo Decreto nº 10 de março de 2017 da então gestora do município – embora houvesse ocorrido parte das nomeações – acarretou a intervenção do Ministério Público e a do Judiciário em favor dos candidatos aprovados.
A suspensão de prazo decorrente do Decreto Municipal nº 37/22 tornou vigente até 6 de outubro passado o concurso de 2019, objeto do Processo TC nº 11833/19. Segundo o Relatório da Auditoria, além das nomeações ocorridas em 2020, 2021 e 2022 em razão deste concurso, ocorreram 23 outras, em 2023, sem que fossem encaminhadas ao exame do Tribunal de Contas, como requer o artigo 8º, da Resolução Normativa TC 06/19.
De janeiro a julho de 2023, o recebimento de Gratificação de Atividade Especial (GAE) por servidores municipais chegou a R$ 3.011.157,00 assim distribuídos: R$ 1.158.040,54 (por servidores efetivos), R$ 1.178.296,47 (por comissionados) e R$ 64.512,00 (por contratados).
“Verificou-se a possibilidade de a concessão da GAE estar sujeita à total discricionariedade do Poder Executivo, com valores pagos de forma arbitrária a fim de compensar a ausência de atualização das remunerações desde 2016, e não em função das atividades desempenhadas, o que desvirtua sua finalidade, diz o Relatório.
“Pelo exposto, convém a ampla reforma na gestão de remuneração de pessoal e, em especial, que se estabeleçam controles para a concessão de GAEs de modo que deixem de substituir os reajustes salariais”, recomenda o documento que ainda aponta, além do tratamento diferenciado de servidores, falhas na nomenclatura dos cargos constantes na folha de pagamento do Conde.
FROTA E COMBUSTÍVEL – Em sua inspeção, a equipe técnica do TCE teve acesso aos relatórios dos veículos a serviço da Prefeitura do Conde, atinente ao período de janeiro a setembro do ano passado, anotando a ausência de dados relacionados ao volume de litros por abastecimento, tipo de combustível e cada valor unitário. Na planilha gerada pelo sistema MAXIFROTA, consta mais de um abastecimento do mesmo veículo no intervalo de um minuto, “o que evidencia a fragilidade do controle”, segundo os auditores.
Eles observaram que, embora o ano letivo de 2023, no Conde, tenha começado apenas em 1º fevereiro, houve o abastecimento em janeiro, mês das férias escolares, de diversos veículos contratados para o transporte estudantil. O Portal da Transparência do Município oferece acesso para consultas ao painel “Frota de Veículos 2”, sem que ali haja, no entanto, qualquer conteúdo. Os auditores ressaltam que a inexistência de tais informações configura patente descumprimento à determinação do TCE constante da Nota Técnica 01/2018.
Com o propósito de verificar os gastos com a manutenção da frota municipal, os mesmos auditores compararam documentos (solicitados na ocasião) com as informações de idêntica natureza encaminhadas pela Prefeitura ao Sagres e, também, contidas no Tramita. Buscavam, entre outras, a comprovação das despesas realizadas, em 2023, com a empresa Prime Consultoria e Auditoria Empresarial Ltda contratada para a prestação de serviço de gerenciamento e controle da manutenção preventiva, corretiva e preditiva dos veículos a serviço do município.
Eles anotaram que não são convergentes as informações registradas no sistema local (gasto de R$ 662.694,31) e as lançadas no Sagres (R$ 243.145,60 liquidados e pagos). “Não foi possível identificar qualquer correspondência entre os controles do sistema Prime e os valores pagos”, afirmam os auditores.
Segundo eles, a ausência de especificação clara dos serviços prestados e peças empregadas nos veículos é “um problema grande problema nessa documentação”.
SITUAÇÃO DAS OBRAS – As obras públicas avaliadas no Conde (algumas paradas por falta de recursos) totalizam gastos da ordem de R$ 2.839.160,72, o que corresponde a 72,2% da despesa do gênero executada pelo município.
Os auditores do Tribunal inspecionaram pavimentações de ruas, construção de creche e do Centro de Atendimento ao Turista, reforma de escolas e de uma Unidade Básica de Saúde, além da implantação de sistemas de abastecimento d’água, produzindo, na ocasião, o registro fotográfico de tudo o que viram. Não encontraram falhas de maior gravidade na execução desses serviços.
GESTÃO DO IPTU – A equipe de Auditoria solicitou, sem êxito, a Planta Genérica de Valores (PGV), principal instrumento de avaliação imobiliária em massa para incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano. Foi informada de que, no Conde, essa cobrança decorre da atualização anual, por decreto, do preço do metro quadrado e do metro linear para prédios e terrenos. Ali, o valor dos imóveis toma por base o constante nos cadastros imobiliários do município.
Isso impede que se saiba se os valores venais estão conforme as previsões que deveriam constar da Planta Genérica. A equipe do TCE considera que a cobrança do IPTU no Conde dá-se em base desatualizada porquanto o Decreto Municipal 076/22, que rege a matéria, adota a Selic (a taxa básica de juros da economia) nos termos do que dispõe o Código Tributário Municipal de 2017 (Lei 0967/17).
FISCALIZAÇÃO DE CONTRATOS – A administração do Conde tem designado um mesmo servidor como fiscal de contratos diversos, no que pese a complexidade de alguns deles, a exemplo do que envolve, com grande volume de recursos, a terceirização de pessoal para apoio administrativo e operacional à gestão do município.
Não há óbice legal, mas a indicação de um único fiscal para mais de um contrato compromete a qualidade da fiscalização, diz o relatório da Auditoria que, neste caso, recomenda a distribuição dessa tarefa considerando-se a capacitação técnica dos indicados, o tempo e a complexidade dos trabalhos.
Os auditores atentaram para “a robusta normatização da Controladoria Geral do Município”, à luz do manual de Rotinas Internas e Procedimentos disponível no sítio eletrônico da Prefeitura. Mas fizeram a ressalva: “Por outro lado, na execução contratual, parece não haver atuação firme do sistema de controle interno. O foco da Controladoria tem sido a emissão de pareceres prévios à execução da despesa e não o acompanhamento em tempo real”. Eles também relataram que todos os responsáveis por esse controle são servidores comissionados, “situação que apresenta risco potencial à independência de atuação”.
RECOMENDAÇÕES – Em sua conclusão, o Relatório de Acompanhamento da Gestão do Conde alerta a administração municipal para a correção de falhas relacionadas ao preenchimento de cargos comissionados em quantitativo acima do legalmente estabelecido, preenchimento de cargo comissionado não previsto em lei, desvirtuamento da natureza jurídica da GAE, vencimento dos cargos efetivos inalterado desde 2016, nomenclatura dos cargos na folha de pessoal divergente daquela legalmente estabelecida, deficiência nos procedimentos de controle do sistema relativo aos gastos com combustível, não publicação no Portal de Transparência do município dos dados relativos à execução do contrato de gerenciamento de frota, nos termos da Nota Técnica 01/18.
Também, irregularidade do contrato 00049/23 (construção de creche com capacidade para 50 crianças, em convênio com o Governo do Estado) dado o fim de sua vigência em outubro passado e a não elaboração de termo contratual aditivo.
Ainda, falha na fiscalização da obra de construção do Centro de Atendimento ao Turista, considerado o mau ritmo da obra, inexistência de controles efetivos e falhas de comprovação das despesas com a Prime Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda, falta de atualização da Planta Genérica de Valores para fins de cobrança do IPTU, ausência de efetivo desempenho da execução de despesas pelo Sistema de Controle Interno, e. por fim, inexistência de servidores efetivos em funções de controle.
Os fatos então relacionados irão à análise do Tribunal de Contas do Estado quando do julgamento da prestação das contas do exercício de 2023 a serem encaminhadas à Corte pela Prefeitura do Conde.