AGRICULTURA & PECUÁRIA
Pesquisa desenvolve fermentado de acerola
Processo de produção ajuda a mitigar perdas pós-colheita, por ser a fruta muito perecível. Fonte de vitamina C, a bebida pode impulsionar, também, o turismo rural. Produção pode ser adaptada para escala industrial como artesanal. Embrapa descobriu a proporção ideal da quantidade de frutas e água para respeitar a acidez permitida na legislação. Fermentado ainda é fonte de compostos fenólicos, moléculas antioxidantes benéficas por combater os radicais livres no organismo. |
Cientistas da Embrapa desenvolveram um método para preparação de bebida alcoólica fermentada de acerola, em conformidade com a legislação vigente. O processo visa mitigar as perdas pós-colheita, inerentes à natureza perecível da fruta, apresentando-se como uma alternativa comercial viável para produtores e agroindústrias. No mercado brasileiro, uma garrafa de 750 ml do fermentado de acerola pode atingir o valor de até R$ 80,00.
As pesquisas foram realizadas na Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE), região do Vale do São Francisco, que se destaca pelo cultivo da fruta. Atualmente, o Brasil é o maior produtor mundial de acerola, evidenciando um considerável potencial para a produção em larga escala do fermentado. O desenvolvimento da bebida ocorreu em ambiente laboratorial, utilizando polpa da fruta, utilizando acerolas in natura da variedade “Junko”.
Essa cultivar de acerola se destaca pelo alto teor de vitamina C, coloração vermelha atrativa, aroma e sabor exóticos. Além disso, é rica em outros compostos bioativos, como carotenóides e compostos fenólicos, conferindo propriedades antioxidantes, antimutagênicas, anti-inflamatórias e anti-hiperglicêmicas à bebida fermentada.
A pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, Aline Biasoto, que conduziu os trabalhos no Semiárido, destaca que a produção de bebidas fermentadas de frutas representa uma estratégia para agregar valor, aproveitar diversas espécies frutíferas, diversificar canais de comercialização e reduzir desperdícios pós-colheita, beneficiando os agricultores e a agroindústria local, podendo até vir a ser uma alternativa de turismo rural.
Biasoto ressalta que, nos últimos anos, várias frutas têm sido utilizadas na produção de fermentados, muitas vezes chamados erroneamente de vinhos de frutas. No entanto, ela esclarece que, conforme a legislação brasileira, somente a bebida derivada da fermentação alcoólica da uva pode ser denominada como vinho.
Ideal para coquetéis Conforme o Decreto nº 6.871, de 4 de junho de 2009, fermentado de fruta é definido como uma bebida com graduação alcoólica entre 4% e 14% em volume a 20 °C, obtida pela fermentação alcoólica do mosto da fruta sã, fresca e madura, do suco integral ou concentrado, ou da polpa de uma única espécie frutífera, podendo-se adicionar água.O fermentado de acerola desenvolvido pela Embrapa apresentou características próximas a um bitter, oferecendo uma amargura distinta. Para a apreciação pelos consumidores, recomenda-se servir a bebida gelada, como aperitivo. O produto pode ser empregado na elaboração de coquetéis e na preparação de shrubs. |
Elaboração do Fermentado
A produção do fermentado pode ser realizada de forma artesanal ou industrial. Independentemente do tamanho da produção, a precisão na proporção entre água e acerola é crucial para a qualidade do produto. O estudo recomenda a utilização de quatro quilos de frutas para dez litros de água. Essa proporção não apenas mantém a acidez dentro dos limites legais, mas também suaviza o gosto ácido da fruta, aumentando ainda o seu rendimento.
O processo de elaboração inclui a pesagem das frutas, adição de água, prensagem, fermentação, trasfega, estabilização e engarrafamento. Durante essas etapas, diferentes insumos, denominados coadjuvantes, são adicionados para obtenção do produto final.
Os detalhes do processo de elaboração da bebida, incluindo as quantidades e funções dos coadjuvantes utilizados estão disponíveis em publicação da Embrapa.
O produto resultante atende aos padrões de qualidade estabelecidos pela legislação brasileira, considerando teor alcoólico, extrato seco reduzido, acidez total, volátil e fixa. A bebida é classificada como fermentado suave em relação ao açúcar.
Além de cumprir as normativas, o produto também é uma fonte valiosa de nutrientes. O teor de ácido ascórbico (vitamina C) do fermentado de acerola é considerado alto para bebidas alcoólicas dessa categoria (0,11%), embora inferior ao encontrado no fruto in natura. “Mesmo assim, pode ser classificada como uma bebida alcoólica fonte de vitamina C. O teor de compostos fenólicos do fermentado de acerola também é significativo e superior ao valor determinado em vinhos tintos”, ressalta Biasoto.
Desafios para a manutenção da cor
A acerola, reconhecida por sua tonalidade vibrante e avermelhada, enfrenta desafios para manter essa coloração nos produtos processados, podendo tornar-se alaranjada ou até mesmo amarronzada com o tempo. Durante o desenvolvimento do fermentado, a instabilidade da cor foi um dos desafios, pois ele tende a se degradar, relata a pesquisadora da Embrapa Ana Cecilia Poloni Rybka .
Após uma série de experimentos, os pesquisadores conseguiram conservar a coloração da bebida fermentada a base de acerola por um período interessante, resultado importante para a experiência sensorial do produto. “A partir desse ponto, a pesquisa procura aprimorar ainda mais a estabilidade da cor e controlar a acidez, visando tornar o produto final atraente aos consumidores por maior tempo. Com isso, poderemos sugerir o seu consumo de maneira equivalente ao de vinhos e fermentados de frutas”, destaca Rybka.
Maturação da fruta para maior qualidade
Outros estudos também buscaram avaliar o estágio ideal de maturação para a colheita da acerola, visando aprimorar sua utilização na fabricação da bebida. A acerola Junko apresenta maturação heterogênea, variando entre frutas mais vermelhas e outras mais verdes. “Por isso, foi crucial estabelecer um ponto específico de maturação para garantir a excelência na qualidade do fermentado”, explica o pesquisador da Embrapa Sérgio Tonetto de Freitas.
“Introduzimos um tratamento com etileno, conhecido como o hormônio do amadurecimento, para uniformizar o estágio de maturação das frutas. Esse método garantiu que todas as frutas utilizadas estivessem no mesmo estágio para o processo de fermentação, contribuindo também para a redução da acidez”.
Os resultados mostraram que, para a elaboração da bebida, é recomendada a utilização de variedades com elevados teores de antocianinas e intensa coloração da casca. As acerolas devem ser colhidas quando atingem 100% de coloração vermelha na casca, e mantidas a 12 °C até alcançarem uma coloração vermelha intensa a arroxeada.
Tonetto acrescenta que todo o trabalho desenvolvido representa não apenas um avanço na produção do fermentado de acerola, mas também evidencia o potencial de inovação na manipulação e aproveitamento dessa fruta. “Isso abre novas oportunidades no mercado de bebidas derivadas de frutas para pequenos e médios produtores, uma vez que a maior parte da produção de acerola é destinada à extração de vitamina C, sendo ainda pouco explorada em outras formas de comercialização”.