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Educação & Cultura

Dicas para criar um planejamento antirracista

Pensar o planejamento das aulas para incluir práticas antirracistas é, acima de tudo, focar no desenvolvimento integral dos alunos

Olá, professoras e professores! Estamos iniciando mais um ano letivo e precisamos estar atentos ao nosso planejamento pedagógico para que ele atenda aos requisitos curriculares e às diretrizes pedagógicas, e que esteja também conectado à realidade dos nossos alunos, não é mesmo? Acredito ainda que esse planejamento precisa celebrar a diversidade e fazer frente ao racismo e ao preconceito. 

Pensar o planejamento das aulas e incluir a preocupação com práticas antirracistas é, acima de tudo, estar preocupado com o desenvolvimento integral dos nossos alunos. Afinal, como já trouxe aqui nesta coluna, o caminho para uma educação de qualidade passa por uma Educação Antirracista.

Então, colegas, não tem jeito! Falar do racismo enquanto um problema social é uma demanda mais que urgente em nossa sociedade e, portanto, precisa ser refletida em nossas aulas.

Desde o momento em que os seres humanos se dividiram e se hierarquizaram em raças, a raça branca foi lida como o ideal humano e as raças não brancas foram inferiorizadas e objetificadas. Assim, é preciso mudar tal percepção da representação dos grupos raciais que foram inferiorizados – os negros, afro-brasileiros e indígenas – para que seus descendentes possam se identificar como existências de valor na sociedade.

Dessa forma, nosso objetivo, enquanto professores incomodados com o problema racial do Brasil, é organizar nosso planejamento pedagógico não só provocando aprendizagens sobre conteúdos das histórias e culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas, mas fazendo com que esses conteúdos, de fato, atravessem nossos alunos em suas existências, ensinando o compromisso com uma realidade de respeito às diversidades que estão presentes em nossa sociedade. Afinal, trabalhar na prática os princípios das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 é ensinar histórias, culturas de povos africanos, afro-brasileiros e indígenas, mas trabalhar também com a educação para as relações étnico-raciais. 

Nesse sentido, um bom planejamento antirracista é aquele em que o professor busca estudar sobre os assuntos pertinentes às questões étnico-raciais e apresentá-los com estratégias variadas à turma, mas entende que promover a consciência pela empatia também é fundamental para construir uma cultura de respeito a tudo que é diverso. O objetivo desse planejamento não é excluir, mas agregar, fomentando o entendimento de que conhecer e respeitar as diversidades não é negar nossas origens, salvo se essas estiverem atreladas a discriminação ao outro. Nesse último caso, é importante reconstruir e ressignificar conceitos e valores.

Erros comuns que devem ser evitados no planejamento antirracista

O planejamento educacional tradicional é limitado pelo escopo de um calendário escolar que prioriza “datas comemorativas” dentro de uma perspectiva eurocêntrica. Entretanto, queridos professores, seguir esse modelo de planejamento tem nos conduzido a desvalorizar as culturas e histórias negras e indígenas, a trabalhar a partir dessas perspectivas apenas na época em que se aproximam datas como o Dia dos Povos Indígenas ou da Consciência Negra. Assim, acabamos por reproduzir, sem perceber, os valores europeus que hoje podemos chamar de branquitude, atravessada por valores da colonialidade.

Dito isso, podemos identificar três situações arriscadas para nossos planejamentos pedagógicos: 

  1. Conteúdos fora do panorama eurocêntrico são trabalhados de forma transversal, dentro das datas cabíveis, inibindo a discussão cotidiana necessária para conscientizar a mudança de comportamento referente às relações étnico-raciais e colocando, mais uma vez, a cultura europeia como universal.

Trabalhar a partir de uma perspectiva festiva temas que não podem ser abordados com comemoração, mas reflexão e crítica.

Desenvolver um trabalho pedagógico restrito a datas de um calendário, caindo na armadilha do estereótipo. 

Esse último caso pode ocorrer, por exemplo, quando professores da Educação Infantil “enfeitam” os alunos de indígenas, tentando homenagear tal grupo. Quando isso acontece, eles estão, na verdade, cometendo um equívoco com as identidades indígenas que não devem virar objeto de fantasia, nem devem servir para famílias tirarem fotos e postarem nas redes sociais. 

Ao fantasiarmos nossas crianças de indígenas, objetificamos os povos originários, que são sujeitos protagonistas de suas histórias. Por isso, um bom planejamento pedagógico com perspectiva antirracista, pensado já no início do ano, nos auxilia a reavaliar nossas práticas, abordagens e até nossas crenças e valores.

Os calendários foram criados para nos ajudar na organização. Porém, o que incomoda, por exemplo, é transformar uma data que, programada em nosso planejamento, poderia ser utilizada para a culminância de projetos trabalhados durante meses ou até o ano todo. Todavia, o mais comum tem sido a espetacularização das culturas abordadas de forma transversal e que, muitas vezes, ocorre às pressas com a montagem de murais escolares para constar algum tipo de trabalho. Nesse caso, não se tem tempo para refletir e elaborar de maneira mais adequada às práticas pedagógicas antirracistas e, assim, continuamos a marginalizar essas histórias e saberes, exatamente quando deveríamos combater.  

Um planejamento antirracista, sendo considerado desde o início do ano letivo, promove o tempo necessário para idas e vindas aos assuntos raciais, com tempo para surgirem dúvidas, reflexões e para a realização de pesquisas. Tempo para entendimento do que foi aprendido. Podemos ensinar que identidades formadas na luta por direitos de igualdades, como as identidades dos afro-brasileiros e povos indígenas, são identidades políticas, em que os grupo raciais não devem ser objeto de estereotipação ou romantização por meio das alegorias das fantasias, por exemplo. 

A imagem objetificada é uma imagem controlada. Patrícia Hills Collins chama de imagens de controle que são criadas para demonstrar o que é e o que não é aceito em relação àquele grupo. Nesse caso, meus caros colegas, os grupos raciais ficam rendidos a uma imagem de desqualificação e estereotipação. 

Portanto, quando reproduzimos essas imagens de controle, ajudamos a silenciar e desarticular o protagonismo desses sujeitos. E, quando crianças negras e indígenas não são possibilitadas de se empoderar, suas identidades raciais podem acabar performando aquilo que não são. Tolhidas do direito de se amarem como são, crescem com problemas de aceitação e baixa estima, acabam performando o que é aceitável dentro do padrão racista de representatividade desses grupos raciais discriminados.

Assim, um bom planejamento se torna um instrumento de luta contra o racismo, promovendo a  inclusão da diversidade étnico-cultural em nossas aulas.

Dicas gerais para iniciar o planejamento antirracista anual

É bem possível que agora você esteja se perguntando como, afinal, construir um planejamento diverso e antirracista, não é? Com base na leitura do artigo da professora Eliane Cavalleiro: Educação Antirracista compromisso indispensável para um mundo melhor, do Livro Racismo e antirracismo na educação- repensando nossa escola, organizado pela própria Eliane, trago algumas dicas:

Reconheça o racismo como um problema social

Só reconhecendo o racismo é possível se incomodar com a discriminação, no caso dos professores, ficam mais suscetíveis a refletir e a promover ações antirracistas.

Conheça a comunidade escolar

Quando conhecemos a comunidade escolar, podemos personalizar ações pedagógicas mais afinadas com o perfil do grupo a ser atendido. Se é um grupo mais passional ou racional, se estamos diante de um grupo mais conservador ou mais crítico. Por isso, é sempre bom fazer uma sondagem da comunidade com a qual vamos fazer nosso trabalho pedagógico. Ademais, também é possível identificar histórias e personagens que podem ser reconhecidos dentro do planejamento, trazendo protagonismo e valor para a escola ou para o território do entorno escolar.

Identifique bases de apoio na comunidade escolar

Sempre é bom verificar o nível de apoio das equipes pedagógicas, pois trabalhar com as questões raciais é trabalhar com assuntos delicados, que tencionam discussões históricas em nossa sociedade e, em qualquer situação de crítica e muita emoção, é bom ter o apoio da equipe pedagógica para mediar possíveis desentendimentos a respeito do que a questão racial possa gerar. 

Em relação às famílias, uma apresentação do planejamento pedagógico e do posicionamento antirracista deve ser feito logo no início do ano, nas primeiras reuniões de pais, assim as famílias são acolhidas, os professores podem explicar o objetivo do planejamento pedagógico e se faz, inclusive, um trabalho de aprendizagem da importância da educação antirracistas com os responsáveis. 


Em relação à equipe pedagógica, é interessante apresentar as ideias do que se quer desenvolver para ajustar não só recursos, como justificar os objetivos do trabalho.

Letramento racial

Para criar um planejamento antirracista é preciso reconhecer que a nossa sociedade é racista, que o racismo é uma ideologia de poder historicamente construída durante o processo de colonização de nossa sociedade e que deixou resquícios nas estruturas, instituições e nas relações cotidianas. Por isso, falamos de racismo estrutural, institucional e racismo cotidiano. 

Geralmente, o racismo cotidiano será o que mais surgirá no contexto escolar, por conta das relações sociais entre os indivíduos e, como educadores, nós professores, temos a vantagem de poder fomentar a reflexão para a transformação dessas relações entre os alunos em nossas aulas. 

Prepare-se, também, para não aceitar nenhuma atitude preconceituosa e discriminatória nem por “brincadeira”, porque o que se pensa ser “só uma brincadeira “ é racismo recreativo. Esse formato racista pode ser definido como uma ofensa de cunho racial disfarçada de piada. Mais uma vez, ao trabalhar identidades nascidas da luta não há como promover piadas e ofensas porque suavizamos e até romantizamos os problemas atrelados a elas. 

Evidencie a diversidade existente no ambiente escolar

A diversidade precisa entrar nas escolas como um planejamento curricular e pedagógico. Precisamos saber porque ensinar determinados assuntos, com qual intencionalidade pedagógica. Portanto, a diversidade não pode ser encarada como simples diferença, ou pior, como forma de desigualdade, mas como oportunidade de explorar algo novo e fora de um costume hegemônico,como oportunidade de debater e construir novos conhecimentos.

Planeje para todos e para cada um

A escritora e professora bell hooks fala dos professores criarem entusiasmo nas aulas e do espírito de comunidade. Quando os alunos se sentem entusiasmados com a aula, é quando eles de alguma maneira se sentem inseridos no contexto da aula. Aulas planejadas com a perspectiva antirracista superam o comportamento racista que tende a excluir sujeitos, portanto, são aulas que engajam todos os grupos étnico-raciais, que promovem a existência da diversidade.

Cuide das relações interpessoais

Segundo a Professora Cássia Lopes, produtora da Rede de Professores Antirracistas, quando mostramos aos alunos como é possível viver relações respeitosas e democráticas, ajudamos as novas gerações a refletir sobre a cultura do respeito à diversidade. Para Cássia, a sala de aula, às vezes, pode ser o único lugar onde os alunos poderão ensaiar viver em um mundo onde ele seja visto, empoderado e valorizado, e se o aluno experimenta e vê possibilidade de viver num mundo assim, ele adotará um comportamento condizente com a realidade que quer viver, assim ajudamos nossos alunos a sonhar e a realizar sonhos. 

Essa forma de pensar é tão interessante! Porque, na verdade, o compromisso com a educação antirracista é muito próprio de cada um, é preciso um querer mudar a partir do que se percebe de ruim no ato racista. Mas, nós professores, com um bom planejamento antirracista, podemos auxiliar na condução de uma jornada de reflexão, criamos espaços de conscientização e, com isso, impulsionamos as ações de justiça social.

Dica extra: utilize o conhecimento dos próprios alunos no planejamento das aulas

A Educação Antirracista não se faz de forma solitária. Ela é coletiva, envolve sujeitos porque depende das relações entre os sujeitos. 

Nós, professores, precisamos entender que não tivemos uma educação antirracista na escola, muitas vezes, nem na universidade, e para desenvolver tal perfil de educação será necessário muito estudo, isso faz parte da busca por um letramento racial. Contudo, podemos aprender muito a partir da realidade da comunidade escolar na qual estamos inseridos, do conhecimento dos nossos alunos a respeito de temas como raça, racismo, discriminação, igualdade de direitos, justiça, estrutura e poder. 

Além disso, ouvi-los também ajuda a construir um ambiente acolhedor. Portanto, precisamos saber ouvir com respeito e mediar reflexões sempre que necessário. 

Conseguindo criar um ambiente acolhedor para a escuta, e sabendo o que se entende no senso comum sobre os temas das relações raciais a serem tratados, o professor pode montar suas estratégias pedagógicas para mediação. 

Com o método pedagógico da escuta, criamos um ambiente de entusiasmo, em que todos  podem participar. É muito provável que, com isso, os alunos compreendam a responsabilidade das próprias ações no trato com os outros e consigamos, dessa forma, oportunizar o protagonismo dos estudantes, deixando a aula mais “saborosa”, rica de conteúdo, diversidade e afetos positivos.

Vamos juntos?

Lavini Castro é educadora antirracista. Doutoranda em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ. Mestre em Relações Étnico Raciais pelo PPRE/CEFET-RJ. Historiadora pela UFRJ. Professora de História do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes pública e particular do estado do Rio de Janeiro. Idealizadora e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas. Ganhadora do Prêmio Sim à Igualdade Racial do ID_BR em 2021.

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