Internacional
Björn Höcke, um “fascista” alemão no banco dos réus
Um dos políticos mais incendiários da Alemanha, líder da AfD no leste vai a julgamento por usar antigo slogan nazista. Episódio não é isolado: linguagem de Höcke costuma ser repleta de referências à ditadura de Hitler
Um dos principais líderes do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) no leste do país começará a ser julgado nesta quinta-feira (18/09) no Tribunal Distrital de Halle. O crime que o deputado estadual Björn Höcke, líder da AfD no estado da Turíngia, é acusado de ter cometido foi definido como “uso público de um símbolo de uma antiga organização nacional-socialista“.
Mais especificamente, a acusação envolve uma aparição em um evento de campanha em maio de 2021 em Merseburg, no estado da Saxônia-Anhalt. Na ocasião, Höcke proferiu a frase “Alles für Deutschland” (“Tudo pela Alemanha”) em um discurso para cerca de 250 apoiadores.
É o mesmo slogan que foi o lema da organização paramilitar nazista Sturmabteilung (Tropas de assalto), conhecido pela sigla SA, cujos membros eram também chamados de “camisas-pardas”. Eles se notabilizaram por atos de violência e terrorismo – especialmente contra comunistas e judeus – nas ruas da Alemanha durante a República de Weimar, o curto período democrático que precedeu a ditadura de Adolf Hitler.
Com a queda do autoproclamado Terceiro Reich em 1945, a SA, assim como todas as outras organizações nazistas ou nacional-socialistas, foi banida. Mais tarde, na recém-fundada República Federal da Alemanha (antiga Alemanha Ocidental), toda a propaganda que seguia a ideologia nacional-socialista ou de suas organizações foi proibida. Isso valeu inclusive para o slogan “Tudo pela Alemanha”.
E o evento em Merseburg em 2021 não foi a única ocasião na qual Höcke agitou uma multidão com o slogan proibido.
Em 2023, quando já havia sido oficialmente indiciado pelo episódio, ele voltou a incitar apoiadores com o slogan, desta vez fazendo uso de um jogo de palavras. Nessa ocasião, em um evento num restaurante em Gera, na Turíngia, Höcke se referiu com escárnio à acusação. “Porque uma vez encerrei uma campanha eleitoral com uma tríade retórica: ‘Tudo pela nossa pátria! Tudo pela Saxônia-Anhalt! Tudo pela…”. Na sequência, gesticulando, Höcke incentivou seu público a completar o slogan: “…Alemanha!”, gritaram os apoiadores de Höcke. O político permaneceu no palco rindo e exibindo uma expressão alegre.
Se condenado, Höcke poderá ser punido com multa ou até três anos de prisão.
Höcke sabia o significado?
Björn Höcke sabia que tipo de slogan estava usando? Sim, aparentemente. E com certeza na segunda vez, durante seu discurso em Gera, já que ele mesmo menciona a acusação.
Höcke também é professor de história. Ele estudou e lecionou a matéria por muitos anos antes de entrar para a política pela AfD e se tornar um de seus representantes mais conhecidos e radicais.
Höcke também ganhou notoriedade com a intensidade e frequência com a qual costuma se referir direta ou indiretamente à era nazista. Em público, ele já usou outras expressões comumente associadas ao nazismo, como “degeneração” e Lebensraum (espaço vital).
Ele ganhou fama na Alemanha em 2017 quando criticou publicamente o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, que relembra a matança de seis milhões de judeus europeus pelos nacional-socialistas. Na ocasião, ele provocou condenação generalizada na Alemanha ao se referir ao memorial como um “monumento da vergonha”.
Em 2016, num comício da AfD, Höcke também expressou simpatia pela notória negacionista do Holocausto Ursula Haverbeck, apelidada de “vovó nazista” pela mídia alemã, que já foi condenada à prisão em diversas ocasiões por espalhar mentiras sobre o genocídio contra os judeus. Na ocasião, Höcke disse que ela estava sendo perseguida pelo que chamou de um “crime de opinião”.
Obsessão pelo nazismo
Em 2017, no mesmo discurso em que atacou o Memorial do Holocausto de Berlim, Höcke criticou a maneira como os alemães lidam com a herança da ditadura nazista. Na ocasião, quando falava para a ala jovem da AfD, a Junge Alternative, ele classificou isso de uma “política de enfrentamento estúpida” que “paralisa” a Alemanha. Na sequência, disse: “Precisamos de uma virada de 180 graus na política de memória”.
A fala sobre o memorial chegou a render a abertura de um processo de expulsão contra Höcke na AfD, mas no final a direção do partido decidiu mantê-lo como membro. Em vez de uma expulsão, o que aconteceu desde então é que o partido como um todo se radicalizou na direção de Höcke.
Höcke publicou seus pensamentos em um livro em 2018. Nele, ele argumenta que é errado que “Hitler seja retratado como absolutamente maligno” e que diz que a questão não pode ser vista de uma ótica em “preto e branco”.
O livro está repleto de outras declarações radicais. Höcke diz que um novo líder é necessário, que a Alemanha está ameaçada “nacionalmente de morte por meio da substituição da população” – reverberando uma das principais teorias conspiratórias da extrema direita internacional. E ainda pareceu mandar um recado ameaçador para os alemães que não abraçam essas ideias: “Membros gangrenosos não podem ser curados com água de lavanda, como Hegel já sabia”.
Em 2019, Höcke abandonou uma entrevista televisiva ao se irritar quando um jornalista mostrou um vídeo que citava uma frase sua. As imagens mostravam um repórter perguntando a alguns membros da própria AfD: “quem disse isso? Höcke ou Hitler em Mein Kampf?”. A maior parte dos membros da AfD entrevistados evitou responder, mas um disse acreditar que a frase havia sido dita por Hitler. A frase em questão era: “Quando o ponto de virada for alcançado, nós, alemães, não faremos as coisas pela metade, vamos descartar o entulho da modernidade”.
“Höcke é um fascista”
As afirmações do livro de Höcke são tão radicais que uma corte alemã as usou como base para sua decisão de que a afirmação “Höcke é um fascista” não é caluniosa, mas se baseia em uma base factual verificável. A decisão foi tomada pelo Tribunal Administrativo de Meiningen, em 26 de setembro de 2019.
Toda essa notoriedade de Höcke, tanto na mídia alemã quanto em debates sobre a AfD, é ainda mais chamativa porque o ultradireitista não ocupa nenhum cargo político de nível nacional e nunca ocupou um. Ele nem mesmo faz parte do diretório nacional da AfD.
No entanto, Höcke, mesmo sendo um mero deputado estadual, passou a ser um tema constante na política alemã, com muitos no país debatendo seus pensamentos, visão de mundo e ações políticas.
Ambições
Mas o motivo é claro: por causa ou apesar de seu radicalismo, Höcke ajudou a dar destaque para a AfD em seu estado, a Turíngia. No momento, o partido lidera as pesquisas eleitorais nesse estado do leste alemão, que vai ser palco de uma eleição em setembro deste ano. Pesquisas mostram a legenda com cerca de 30% de apoio entre o eleitorado do estado, acima de partidos tradicionais e bem acima da média nacional, cujas pesquisas sugerem que o partido conta com entre 17% e 19% do eleitorado em todo o país.
Höcke não esconde sua ambição de se tornar governador da Turíngia, o que tem levantando temores no país de que, pela primeira vez desde 1945, um estado alemão possa ser governado por um “fascista”.
O diretório da AfD na Turíngia está desde março de 2022 sob a vigilância do Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV), a agência de inteligência interna do país. O tribunal que aprovou a medida concluiu que existiam indícios suficientes de aspirações anticonstitucionais dentro do partido.
Tentáculos internacionais
Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016, com seus antigos membros liberais sendo suplantados por figuras mais reacionárias. Hoje, são especialmente políticos como Höcke que dão o tom da legenda. O partido também tem conexões com a extrema direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Na semana passada, ao mesmo tempo em que publicava críticas ao ministro brasileiro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o empresário Elon Musk usou sua conta na rede X para trocar publicamente mensagens com ninguém menos do que Björn Höcke.
Respondendo a uma mensagem na qual o alemão – expressando-se em inglês, algo incomum para Höcke – queixava-se do seu processo criminal, Musk perguntou “o que você disse?”. Outro usuário respondeu então a Musk que Höcke havia dito “Tudo pela Alemanha”. Musk então questionou “Por que isso é ilegal?”.
Aproveitando o peso da conta de Musk, que conta com 181 milhões de seguidores, Höcke respondeu, novamente em inglês: “Porque todo patriota na Alemanha é difamado como nazista”.
DW