Internacional
O que espera a UE, 20 anos após “big bang” para o leste
Bloco europeu ganhou dez novos membros de uma só vez em maio de 2004. Mas possíveis adesões da Ucrânia e de países dos Bálcãs Ocidentais prometem ser mais complicadas
“Big bang” é o nome usado no jargão da União Europeia (UE) para a ampliação do bloco em dez países ocorrida em 1º de maio de 2004. O número de Estados-membros aumentou de 15 para 25 da noite para o dia. O continente foi reunificado 15 anos após a queda do Muro de Berlim e o fim da dominação soviética na Europa Oriental. Da Estônia, no norte, até a Eslovênia, no sul, as comemorações de 20 anos atrás foram caracterizadas por festivais folclóricos e fogos de artifício, discursos cerimoniais e o rompimento de barreiras. As ilhas mediterrâneas de Malta e Chipre também foram incluídas.
“Esse foi um forte sinal para a Rússia, mas não só isso. Mostrou a capacidade da UE de tomar decisões fortes, de expandir e de cumprir condições. Foi positivo assim porque as condições políticas na UE e nos países que aderiram ao bloco eram mais favoráveis do que são hoje”, diz Kefta Kelmendi, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores, sediado em Bruxelas.
Sem alternativa
“O alargamento foi bom tanto para a UE quanto para os dez países aderentes”, diz Kelmendi, especialista em UE, em entrevista à DW. O crescimento econômico nos países aderentes se acelerou no mercado único europeu. De acordo com estudos da Fundação Bertelsmann, instituto alemão de pesquisa sociopolítica, a medida fortaleceu a democracia, o Estado de direito e a liberdade de mídia.
Mas Hungria e Polônia são exceções. Os governos desses países se afastaram dos valores europeus. Na Polônia, a tendência só foi revertida após uma mudança de governo no ano passado. De acordo com o Índice de Transformação da Fundação Bertelmann, os Estados Bálticos, a República Tcheca, a Eslovênia e a Eslováquia alcançaram a classificação máxima de “democracia em consolidação”. Já a Polônia e a Hungria são rotuladas como “democracias defeituosas”.
Não havia alternativa para a ampliação da UE em 2004 e para a adesão tardia da Bulgária (2007), Romênia (2007) e Croácia (2013), de acordo com o especialista em UE Hans Kribbe, do Brussels Institute for Geopolitics (BIG). “Era inevitável que isso fosse feito em resposta às convulsões históricas e ao colapso da União Soviética e do Bloco de Leste”, diz Kribbe.
Duas novas ondas
“É claro que a Comissão Europeia está desempenhando seu papel de apoiadora entusiasmada da ampliação”, diz Hans Kribbe, do BIG. Internamente, no entanto, a Comissão está ciente de que é preciso tirar lições para o futuro a partir da grande onda de ampliação. Acima de tudo, a UE teve que aprender que deve se tornar mais receptiva e simplificar seus procedimentos e processos. Até o momento, porém, não há nenhum plano para tal reforma da atual União Europeia.
Entretanto, as próximas ampliações são iminentes. Seis países dos Bálcãs Ocidentais, da Bósnia-Herzegovina à Albânia, deverão ser admitidos. Ucrânia, Moldávia e Geórgia são os mais recentes candidatos à adesão, que poderiam comprar uma passagem expressa para a UE, principalmente devido à ameaça representada pela Rússia.
Os países dos Bálcãs Ocidentais receberam promessas de adesão repetidas vezes. Pré-adesão, negociações, ajustes – tudo isso levou décadas após as guerras civis na antiga Iugoslávia. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, gosta de repetir que agora é o momento de finalmente agir.
“Não acho que haverá outro big bang, isso não funcionaria”, diz Tefta Kelmendi, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Os seis países são muito diferentes em termos de desenvolvimento e capacidade de adesão. “Eles serão admitidos um após o outro”, ela supõe. Primeiro a Albânia, a Macedônia do Norte e Montenegro. A Sérvia e Kosovo teriam que resolver sua disputa sobre a condição de Estado e as minorias.
De qualquer forma, não se poderia esperar até que os conflitos bilaterais entre a Sérvia e Kosovo sejam resolvidos. Isso significaria tornar os outros países reféns desse conflito. “A maneira como a UE tentou usar a perspectiva de ampliação para resolver problemas bilaterais não ajudou a região. Ela está muito focada na estabilização e não tanto no desenvolvimento econômico.”
Adesão da Ucrânia é desafio
Em comparação com os países dos Bálcãs, a Ucrânia seria realmente um “big bang” para a União Europeia. Mais de 40 milhões de pessoas, um enorme país agrícola, o mais pobre da Europa, gravemente abalado pela guerra imposta pela Rússia. As negociações de adesão devem começar em breve com uma conferência intergovernamental.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem certeza de que a Ucrânia pertence ao clube europeu. “A Ucrânia fez sua escolha europeia. E eles sabem o que isso significa. Nós fizemos nossa escolha ucraniana. Assim como decidimos, há muitos anos, trazer tantos países para a nossa União”, disse von der Leyen no Parlamento Europeu.
“A admissão da Ucrânia na UE é tão inevitável quanto a admissão dos dez Estados há 20 anos”, diz o especialista em UE Hans Kribbe, observando que o país também está defendendo a Europa contra a Rússia. “A Ucrânia está fazendo todo o trabalho”, mas, no final, a população dos antigos países da UE deve ser convencida a concordar com a ampliação. Isso exigirá unanimidade entre os cerca de 30 países. Será necessário realizar referendos em alguns deles.
No momento, de acordo com Hans Kribbe, os problemas reais dessa ampliação não estão sendo abordados para não assustar os europeus. “Essa é uma estratégia arriscada. Em algum momento, teremos que enfrentar a realidade.” Pois a admissão da Ucrânia exigiria uma reorganização total do orçamento da UE. Os atuais recebedores líquidos de subsídios e fundos, como a Polônia ou a Hungria, provavelmente se tornariam pagadores líquidos que teriam que doar para a Ucrânia e outros países mais pobres.
Não parar de sonhar
“É difícil prever quando ocorrerão as próximas adesões, mas devemos permanecer otimistas”, diz Jerzy Buzek. O polonês é membro do Parlamento Europeu desde 2004, quando seu país aderiu à UE. Antes disso, ele foi chefe de governo até 2001 e ajudou a preparar a adesão. “Quando éramos jovens, isso não parecia real, mas (a adesão) se tornou um fato. Isso significa que devemos sonhar e nos apegar aos nossos sonhos”, disse Buzek no Parlamento, se referindo aos próximos candidatos à adesão.
É improvável que a Turquia, que está negociando a adesão a UE desde 2005, venha a aderir. O Estado autocrático está se afastando cada vez mais dos valores europeus. “Esse é um caso perdido quando se trata de adesão”, diz o especialista em UE Hans Krippe, do Brussels Institute for Geopolitics. Ele acrescenta, no entanto, que a UE deve se esforçar para manter relações bilaterais estreitas com o país, uma parceria privilegiada, porque a Turquia ocupa uma posição geopolítica importante no que diz respeito à defesa contra a Rússia e às questões de migração.